A ÚLTIMA MISSÃO DO CABO MILTON: UMA HISTÓRIA REAL

Destacado na cidade mineira de Aimorés, o cabo Milton foi à captura de um pistoleiro, o qual, na cidade de Penha do Capim, proximidades de Aimorés; encontrava-se homiziado em uma casa na área rural.

Cercada a casa por cinco policiais, foi dada a ordem para que ele saísse. Esperaram, e nada. Não se sabia ao certo se havia outros pistoleiros com ele dentro da casa, quantas armas e quanta munição eles dispunham.

O cabo Milton, determinado e pragmático, tomou a iniciativa de entrar na casa. Não obstante a tensão que o momento lhes impunha, o seu sorriso se estampava. O sorriso dele era idêntico ao meu; ou talvez o meu sorriso é que seja parecido com o dele. Ele sorria porque não temia a morte, ainda que ele viesse. Outra vez nos parecemos. Além do sorriso, a forma natural do bigode nascer e a boca, muito igual.

Dois cobriram a janela do fundo. Um dava cobertura na entrada, e o cabo Milton e mais um prepararam-se para entrar na casa. Houve um grito de dentro da casa:

___Vai sair!

Esperaram. Saiu, mas era um menino que aparentava uns doze anos. Depois que teve a certeza de lhe perceberem ser inofensivo, acelerou o passo para correr.

___Espere! Quantos estão lá dentro?

___Só ele! – Respondeu e correu.

Voltaram ao plano: invadir a casa. O cabo Milton, ousado e destemido, tomou a dianteira. Acenou aos outros para que voltassem às posições de cerco e invasão. Ele era alto e forte, 32 anos. Seu rosto quadrado, como o meu, exibiam salientes bochechas, iguais às minhas. Sua cabeça terminava no alinhamento com a parte posterior do pescoço, assim como eu sou.

Dois revólveres, um calibre 38 e o outro calibre 45. Munições nos bolsos e no cinto de guarnição. Empurrou a porta da frente com o pé direito, enquanto mantinha os dois revólveres apontados próximo ao corpo, um em cada mão, dedo no gatilho. Logo atrás vinha um soldado em sua cobertura, o qual preferiu trazer à mão um fuzil mosquetão, calibre 762.

Eles haviam saído de madrugada e, ao redor da casa, feito o cerco, esperaram que amanhecesse. Cada um deles havia deixado mulher e filhos em casa.

Olhando cuidadosamente, viu que a sala estava vazia. Entraram. Havia um corredor que ligava a sala a dois quartos no fundo e à cozinha. O banheiro era do lado de fora da casa. O dia estava claro, mas a casa estava sombria. Caminharam pé ante pé, mas a presença deles certamente era percebida. A adrenalina somada à coragem e à necessidade do serviço os impulsionava adiante. Sentia-se o corpo latejar respondendo às batidas do coração. O maior risco estava no último quarto, cuja porta estava diretamente defronte ao corredor, o qual terminava nela. O procurado poderia estar atrás da porta a observá-los por uma fresta e alvejá-los mesmo sem abri-la. A cozinha era o primeiro cômodo ao longo do corredor. Nela não havia ninguém. Abrigaram-se ali por um instante, a fim de se refazerem da tensão emocional que lhes pesava.

Do lado de fora da casa havia ansiedade e expectativa. Olhos argutos e ouvidos aguçados mantinham-se atentos.

O outro quarto não possuía porta, apenas uma velha e rota cortina pendia presa à parede por um prego de cada lado. Ninguém. À medida que iam se esgotando as possibilidades, mais a tensão pesava sobre eles. Agora, o último quarto, o último refúgio. A porta não tinha maçaneta, apenas uma tramela da parte de dentro, e estava destramelada. Tensão. Suspense. Expectativa. Ansiedade. Suor frio escorrendo por entre os lombos. As mãos seguravam firmemente os revólveres e, os dedos no gatilho, por qualquer susto poderiam acioná-lo, disparando.

Ao sair de casa de madrugada, os filhos dormiam. A esposa e também mãe dos filhos dormia pouco e logo acordava preocupada, ansiosa. Sonhava. Sonhou que o seu marido, o cabo Milton, havia sido esquartejado por uma hostil tribo africana e que, ao som retumbante de percussões, e danças e festejos, e muita folia, exibiam a sua cabeça, como um troféu, na ponta de um pau. Afoita e angustiada ela acordou e não dormiu mais. Logo que amanheceu, repetidamente ela se achegava à porta da cozinha, de onde se via a porta da delegacia. Logo os jipes chegariam trazendo, vivo ou morto, o pistoleiro a quem eles foram capturar. Era apenas mais um serviço de rotina, como tantos outros.

Com o pé direito o cabo Milton empurrou lentamente a porta, a qual rangeu um gemido comprido, carpindo sobre os seus pequenos gonzos. A porta abriu-se toda até esbarrar na cama que estava atrás dela. Aparentemente não havia ninguém. Ele entrou devagar, e o soldado fuzileiro logo atrás. Outro gemido rangeu. Não era a porta. Passos correndo pelo corredor. Ele virou-se rápido, era o soldado fuzileiro que já chegava à porta da sala. Um tiro foi disparado. De fora, os outros correram para adentrar a casa. Vários tiros. Muitos tiros. Eles correram afoitos. Os pequenos metros pareciam longos quilômetros.

Em casa, a jovem Terezinha, além de ficar olhando a porta da delegacia em busca dos dois jipes, agora se atinha em silêncio, esperando que chegassem a qualquer momento. Demorou.

Os soldados chegaram ao corredor e à porta do quarto, de onde viram que, do chão, o cabo Milton lhes sinalizava que o homem estava na parte de cima do beliche, atrás da porta. Uma rajada de metralhadora Ina calibre 45 cantou como um longo trovão sobre o beliche, destroçando-o. Se o homem não estivesse morto, ele teria morrido. Três carregaram o cabo Milton, cujo tiro disparado de sobre o beliche atravessou-o, entrando em cima pelo peito e saindo em baixo, nas costas, à altura da linha da cintura. O colocaram no jipe com dois soldados. O jipe saiu veloz, levantando nuvem na estrada empoeirada.

O soldado metralhador puxou pelo braço, fazendo ao chão, o corpo jazido sobre o beliche. Dali arrastou-o pelo corredor até o lado de fora da casa, deixando pelo caminho um largo rastro de sangue. Já de fora, metralhou-o novamente, matando-o pela terceira vez. Sua cabeça desprendeu-se do corpo roto por balas, sendo colocada na ponta do toco da porteira.

Nós o visitamos no hospital, mas meu pai não se despediu. Não se despediu porque sabia que iria voltar. Meu pai não se despediu no dia em que foi, para depois voltar em um caixão que pernoitou sobre a mesa da sala, sereno, pálido, coberto de flores, vestindo camisa branca abotoada até o colarinho, escondendo o furo da bala no peito. E eu nem chorei.

Naassom
Enviado por Naassom em 08/06/2013
Código do texto: T4331541
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