Um Prato Exótico.


Elas eram levadas à grelha pré-aquecida sem nenhum tempero, e colocadas a uma distância de 32 centímetros do braseiro, durante 5 minutos de cada lado. E, sobre os dois lados, apenas algumas salpicadas de sal refinado, porque traziam no seu próprio sabor todo o tempero necessário.
As porções eram servidas em travessas ovais, dispostas em três unidades cada, acompanhadas com farofa, uma pequena folha de salsa em cada extremidade, e molho a vinagrete. Resultando numa iguaria deliciosa e muito atrativa pelo belo visual. Isso era tudo que se sabia sobre a receita mais famosa nos meados do século XIX.
O sabor era algo indescritível. Os fregueses não conseguiam traduzir em palavras tanto sabor. As filas superavam as atuais, dos “restaurantes por quilo”, no horário do almoço. O formato perfeito das preciosas chuletas era algo que atualmente só é visto em filmes de desenho animado: o osso redondo e perfeitamente centralizado em uma circunferência maior de carne um pouco fibrosa, torneada com uma pequena borda esbranquiçada e muito crocante, que parecia emoldurar aquelas chuletas de forma tão circular.
O Ponto tornou-se famoso, e os clientes deslocavam-se dos povoados próximos para provar a tão exótica iguaria.
Na mesma proporção que o prato ia ganhando popularidade, a curiosidade em torno do segredo daquele extravagante sabor aumentava. Vários estabelecimentos tentaram imitar o famoso prato, mas a perfeição estética do formato circular e especialmente o sabor, jamais foram alcançados.
O segredo parecia estar no fornecedor da carne, que fazia entregas semanais em caixotes lacrados, trazidos por duas carretas, puxado por três cangas de boi. Com o passar do tempo, a curiosidade foi sendo deixada de lado, enquanto a freguesia do pequeno estabelecimento só aumentava. Aquele restaurante era o único prazer para muitas famílias, que sofriam com os constantes conflitos entre Farrapos e Caramurus.
Os grandes estancieiros, donos de charqueadas, altos oficias do exercito, autoridades do clero e demais notáveis da sociedade, elegeram o estabelecimento daquele ex-cozinheiro do exercito farrapo, como a casa preferida para suas refeições.
Em pouco tempo, o afortunado proprietário tornou-se dono de várias propriedades, despertando a inveja de muitas pessoas daquele longínquo recanto do pampa gaúcho. A vida já não era tão difícil, que até já esquecera de agradecer o céu, por aquela noite inspiradora em que preparou pela primeira vez o prato que o fizera tão rico. Lembrava como se fosse hoje, a satisfação dos farrapos, que exaustos, retornavam das longas e sangrentas batalhas, deliciando-se com aquela deliciosa comida.
Aos domingos não servia refeições, fechava as portas do restaurante para ir à missa. Era o mais assíduo fiel da pequena igreja, além de satisfazer praticamente todos os desejos financeiros do padre, com suas generosas e freqüentes doações.
Sempre teve gosto pela bebida, e agora, ainda mais, porque a vida lhe havia proporcionado condições para apreciá-la sem limitação financeira. Apesar dos exageros freqüentes, era respeitado como um verdadeiro notável, pois, conquistara muitos amigos ilustres da região. Alguns “amigos” interessados em descobrir seu sucesso, aproveitavam-se dos momentos em que abusava do vicio da cachaça, para tentar subtrair o segredo das famosas chuletas, sempre em vão, é claro.
Mas, foi num dia chuvoso, com o estabelecimento lotado e a enorme fila que já contornava a esquina, que o velho cozinheiro surpreendeu a todos. Informou com sua voz forte, mas embargada, que não poderia atendê-los, pois não havia comida para todos, e que, muito provavelmente aquele manjar deixaria de ser oferecido pelo restaurante.
O espanto foi geral, os comensais ficaram alguns segundos em silêncio, como que exigindo uma explicação, que veio entre soluços, na voz do proprietário. A razão era totalmente involuntária, porque havia duas semanas que o fornecedor da carne não estava efetuando as entregas, alegando falta de matéria prima.
Agora chegara a notícia que o mesmo havia sido morto por um soldado ferido, confundido com o inimigo, enquanto recolhia os corpos dos mortos na luta contra o exercito imperial.
No salão das refeições, temendo nunca mais provar aquele delicioso prato, houve uma indignação geral, seguida de discussão e faca, uma “peleia braba”. Tudo isso, é claro, para disputar os últimos pratos. Após vários ferimentos, e a intervenção da turma do deixa disso, os ânimos serenaram e os últimos pratos foram servidos. Os militares foram contemplados, como um gesto de boa vontade, pelo estabelecimento da paz e o fim dos dez anos de luta.
Entre os comentários pelo fim da guerra e esperança de novos tempos para o comércio do charque e conseqüentemente para toda a economia dos pampas, a famosa iguaria era lembrada com saudades. Os que apreciavam aquela comida morreram afirmando que nunca mais provaram uma refeição tão saborosa quanto à chuleta com farofa, do velho cozinheiro.
Este viveu por mais alguns anos gastando toda a sua fortuna em bebida, sem revelar o segredo do famoso prato. Somente por vota do ano de 2007, é que o segredo finalmente foi descoberto de modo casual, por um contista, ainda desconhecido, informando a todos seus corajosos leitores, que aquela chuleta deliciosa, era retirada da parte do braço, entre o ombro e cotovelo, dos soldados mortos durante a guerra.
Recentemente o famoso historiador Doutor A. Whopper, afirmou estar convencido que o “sucesso” da chuleta com farofa ao molho vinagrete, deu origem as atuais churrascarias espalhadas pelos quatro continentes. Fazendo do segredo do preparo do churrasco, uma verdadeira lenda, que envolve muito mais que carne, sal e uma boa churrasqueira.