DURANTE A MADRUGADA

_Diz que me ama! Ele pediu de repente, enquanto estavam abraçados.

_Porquê?

_Ué, porque eu quero ouvir.

_Ora, e qual a razão pra esse desejo tão assim, de uma hora pra outra? Indagou ela, com um sorriso maroto na boca, mais para provocar a sua paciência.

Olhou para o rosto dele, sorrindo. Não era mais que uma criança, com aqueles olhinhos pequenos e boca de lábios finos. Em horas como aquela, quando um beicinho quase escapava dos lábios, parecia mesmo um menino, daqueles fazendo manha quando quer alguma coisa e não consegue.

Ele ficou também olhando em seus olhos por uns instantes, um pouco emburrado. Por fim, com as mãos querendo afasta-la do seu corpo, baixou os olhos e franziu a testa, dizendo:

_Tá bom, não quer falar, não fala. E mesmo que falasse agora, eu iria saber que é mentira...

Quis se esquivar, mas ela o agarrou mais fortemente e riu da sua criancice.

_Ai, meu Deus, quanto drama...vem cá, meu pobre desamado!

_Ah, e ainda debocha da minha cara! Eu vou embora, agora...

E fez força, mas não muita, para se livrar dos braços dela; porém, estes o apertaram ainda mais.

_Oh, que dó – e deu-lhe um beijo na face. E outros, entre um largo sorriso.

Ele recebeu as carícias, sem desmanchar a falsa carranca. Ela recostou sua cabeça em seu peito, ainda abraçada, e depois de alguns instantes, suspirou e disse:

_E amanhã, você vem me ver?

Ele então estacou, agora realmente contrariado. Ela o olhou:

_O que foi?

_Você não vai dizer?

_O quê?

_Como o quê? O que eu acabei de pedir pra você falar.

_Ah, Du, pára com essa frescura, vai.

_Frescura?

_Você não tá falando sério, não é?

_Claro que estou. Eu quero que você fale.

_E por quê?

_Por que sim!

Entreolharam-se por alguns segundos, ela estranhando aquele comportamento, meio achando brincadeira, meio percebendo uma certa rudeza no tom da sua voz. Então balançou a cabeça, tentando sorrir, buscando sair daquele impasse, e voltou a abraça-lo. Ele por sua vez evitou o abraço, agora realmente irritado.

_Pára com isso, por favor? Você me deixa nervosa.

Ele levou as mãos ao peito.

_Mas eu só quero que você fale.

_Mas eu não falo. Não quero falar só por que você quer que eu fale.

Já que era pra partir pra ignorância, então tomou a mesma postura. Levou as mãos à cintura e o encarou.

_Então tá – ele disse, e voltou-se para o portão de grades altas, dando dois passos nessa direção.

Ela esperou que parasse depois de abri-lo, não acreditando que fosse embora assim, daquele jeito, por uma besteira daquelas. Mas não parou, nem se voltou para ela. Tirou do bolso a chave da moto estacionada na calçada e montou nela.

_Ei, onde você vai? Perguntou, vindo para fora também.

Virou a chave na ignição, deu partida, e voltou então o olhar para ela.

_Vou embora.

_Du, por favor.

Ele acelerou, com a cara fechada.

_Pára com isso e volte aqui.

Acelerou mais e, atravessando a calçada, ganhou a rua e sumiu na noite. Ela ficou ali ainda, totalmente atônita, esperando sua volta. Mas os minutos se passaram e nada. Voltou-se então para casa, não acreditando naquela idiotice. Passou pela sala onde estavam os pais, e foi direto para o quarto. Fechou a porta atrás de si e ficou olhando pra parede, mãos na cintura, balançando a cabeça. “Ah, amanhã ele vai se ver comigo. Onde já se viu, uma criancice dessas?”

Despiu-se, vestindo depois a roupa de dormir. Deitou-se na cama e suspirou. Se tivesse falado o que ele queria e pronto, nada tinha acontecido. Droga, também, foi só uma brincadeira. Precisava ficar tão emburrado? Que cabeça dura!

Apagou a luz, olhando para o rádio-relógio no criado-mudo. Já era hora de dormir pra enfrentar a escola logo cedo no outro dia. Não demorou muito pra cair no sono, ainda pensando no namorado.

Acordou no quarto ainda escuro com a sensação de ouvir chamarem o seu nome. Quem seria? Olhou para o rádio-relógio e viu que eram quatro e meia da manhã. E a voz que chamava lá fora era conhecida: era a voz dele.

_Dú? O que foi? Perguntou, um pouco surpresa ao vê-lo com o rosto entre as grades do portão.

_Vem cá.

Ela se aproximou do portão, na intenção de abri-lo.

_Não precisa abrir, pode acordar seus pais.

_O que você está fazendo aqui uma hora dessas? Aconteceu alguma coisa?

_Não, está tudo bem – disse com uma certa tristeza na voz. É que eu não consegui parar de pensar, então resolvi voltar. Desculpe te tirar da cama.

Ela o olhou um pouco desconfiada, sem entender muito bem. Ele parecia diferente.

_Desculpe sair daqui daquele jeito, não queria brigar com você.

De cabisbaixo, ele levantou os olhos para ela.

_Eu te adoro muito.

_Eu também – disse ela com ternura.

_Então você me fala?

Ah, aquela história ainda... Mas não iria mais discutir. Com um sorriso, ela balançou a cabeça, num tom de reprovação.

_Você é doido, sabia? Vir até aqui a essa hora só por causa disso? E a pé, ainda? Cadê a moto?

_Preferi vir assim. E então, você fala?

_Falo.

Ele então esperou, e seus olhos ficaram brilhantes de um jeito que ela nunca tinha visto.

_Eu te amo.

Surgiu então um largo sorriso naqueles lábios finos. Irrompeu-se nela um desejo enorme de abraça-lo, mas ele novamente a impediu de atravessar o portão.

_Não, não. Fique aí. Eu só queria ouvir isso. Preciso ir, já passou da hora. Mas agora posso ir tranquilo.

E afastando-se um pouco do portão, olhou para ela e disse:

_Eu também te amo. Muito. Nunca se esqueça disso.

Soltou um beijo entre os dedos, soprando-o para sua direção. Ficou ali parado ainda por mais um instante olhando para ela, parecendo não querer ir embora. Por fim voltou-se e saiu, andando devagar. Pôs as mãos nos bolsos, baixou a cabeça, e se foi.

Ela o acompanhou com os olhos até que sumiu no meio da escuridão, meio sem acreditar no que aquele maluco fizera. Entrou em casa mais apaixonada do que nunca. Deitou-se na cama e abraçou o travesseiro como se o sentisse ali entre seus braços. Foi adormecendo lentamente, com um sorriso nos lábios, só pensando naquele rosto de menino. Pareceu ainda ouvir um toque de telefone, mas não deu importância. Adormeceu.

_Alô, é da casa da Carolina?

_Sim.

_É a mãe dela?

_É. Quem está falando?

_Oi, eu sou primo do Eduardo, namorado da Carol. Estou ligando pra avisar que o Eduardo sofreu um acidente... Ele bateu de moto...

_Meu Deus! Como foi isso?

_Ninguém viu como aconteceu... Foi mais ou menos à meia-noite... Acharam a moto batida e o corpo dele jogado na calçada, com a cabeça machucada - a voz foi se tornando mais rouca, meio engasgada.

_E como ele está? Perguntou, assustada. O pai acabava de acordar, sem entender o que se passava.

Depois de uma longa pausa, a voz do outro lado acabou por dizer, quase num sussurro:

_O Eduardo acabou de falecer...