Roteiro vacilante
Por: Josafá Bonfim
Existem situações inusitadas na vida, em que por mais que buscamos explicações, não encontramos resposta para decifrá-las.
Certa feita me ocorreu uma, que até hoje não sei precisar se fora um fenômeno sem causa natural - mais para o mundo dos espíritos - ou seja, sobrenatural; ou que tenha sido um distúrbio mental repentino e passageiro, que doravante passo a descrever:
Ainda muito jovem, nos primeiros anos de faculdade, retornava de uma aula na noite de uma sexta-feira, quando bateu-me a vontade de tomar uma cervejinha.
A ocasião era propicia, a temperatura convidava e acabara de sair de uma prova difícil e extenuante. Saltei do ônibus e me dirigi a pé até o barzinho com musica de radiola, não muito distante do velho pensionato em que morava.
Curtindo meu solitário momento, não consumi mais de duas ou três cervejas, pois mesmo querendo, não tinha como, o dinheirinho era minguado.
Antes de retornar definitivamente pra casa, resolvi fazer um lanche rápido numa pequena lanchonete que costumava ficar aberta até as tantas.
Desci sozinho pela rua silenciosa com poucas e distantes pessoas à vista.
O transito de veículos à época era consideravelmente pequeno. O único barulho que se ouvia era por conta das vitrolas nas distantes casas noturnas, e algum ônibus que passava.
Chegando a praça, encontrei a lanchonete já fechada. Aborrecido pela passada perdida e cansado da caminhada, sentei-me num banco para descansar um pouco, e depois seguir o rumo de casa que, como dito, não ficava distante..., talvez uns quatrocentos ou quinhentos metros dali.
O local pertencia ao antigo centro histórico da cidade. Donde podia-se avistar a Catedral, o palácio do governo, os velhos casarios e a estátua em bronze de um renomado vulto histórico, erigida no centro da praça, bem à minha frente.
Em meio à calmaria e a leve brisa do verão, levanto-me para retornar. Ao dar as primeiras passadas, sem saber de onde partira, ouvi uma voz suave, nitidamente chamar o meu nome.
Parei. Olhei para trás. Girei o olhar ao meu redor e não vi um só cristão. Imaginando ter sido mera ilusão, segui meu destino. Mais à frente ouço a voz me chamar de novo. Estanco outra vez. E da mesma forma anterior, não vi ninguém. Tudo deserto ao meu redor... Bateu um arrepio em meu corpo, que acho se não tivesse sob o efeito, mesmo leve da bebida, certamente teria me assombrado. Movido pela sensação estranha, resolvi sentar-me outra vez num banco. Imaginei: se for algum conhecido tentando me pregar um susto, logo se manifestará. O tempo passou sem que uma viva alma aparecesse. Estranho..., mas não tive qualquer sensação de medo. Quando levanto para reiniciar a caminhada: senti-me aéreo, desorientado, como se estivesse perdido..., sem norte, apesar de equilibrado fisicamente.
Olhava para a paisagem, para o aspecto físico do lugar e reconhecia o ambiente. Por ali era acostumado a transitar quase todos os dias, mas naquela ocasião, estranhamente, não conseguia me situar no espaço e tomar o rumo de casa.
Comecei a andar errante pela quadra, reconhecendo perfeitamente os prédios das lojas comerciais, mas sem conseguir evoluir. Voltei para a praça que estivera antes, e lembrei que ali perto, numa outra esquina, tinha uma parada de ônibus. E pra lá me dirigi. Não com a intenção de pegar o transporte, mas com o fito de encontrar alguma pessoa por ali.
Vacilante e com certa dificuldade cheguei até o logradouro. Olhei para o relógio, que cravava exatas, duas e trinta da madrugada. Apenas duas pessoas se encontravam na parada de Onibus. Dirigi-me a uma delas e sem mesmo acreditar no que me ocorria, perguntei o itinerário para chegar a rua de Santana, onde morava, - que eu não me via capaz de acertar o seu trajeto, externei. O desconhecido ficou ouvindo, tentando entender minha situação. Por sorte me conhecia de vista. Percebeu que eu era conhecedor do lugar, não apresentava aspecto de embriaguez, nem qualquer estado de incapacidade motora.
Após o mesmo me orientar deixei o local, e não tardou, lá estava eu de volta, à sua frente alegando não ter conseguido acertar o caminho orientado. Desta feita, com toda presteza, o cidadão se prontificou a me fazer companhia até o inicio da rua do pensionato, que ficava não mais que três quarteirões de onde estávamos.
Agradeci o gesto daquele “anjo guia”, que ficou por um bom tempo espreitando à distancia, até que me reencontrasse com minha morada.
Muitas décadas se passaram e nunca consegui decifrar o que de fato me ocorrera naquela enigmática noite.
Um consultor, certa feita disse-me da real possibilidade do fenômeno um dia voltar a me ocorrer. Alimento o desejo que ele esteja irremediavelmente equivocado.
São Luis/MA, 22 de abril de 2013