O anjo da morte
Eu havia acabado de acordar minhas pernas estavam rígidas devido a uma longa noite de sono. Estiquei-me, espreguicei-me e relaxei. Olhei para o teto, eu gostava de fazê-lo, as marcas que nele existiam, juntamente com minha imaginação, criavam imagens de diferentes formas o que me conduzia a lugares distantes e me traziam de volta os rostos daqueles que nunca mais vi. Dei de ombros e me levantei, fui até a cozinha e liguei a máquina de fazer café, hábito que adquiri depois que tive que vir morar nesse apartamento. Meu mundo se resumia em minhas atividades fora e dentro dessa construção tão grande quanto o infinito. Fui ao banheiro e liguei a água para tomar um banho. Olhei-me no espelho, abri e fechei os olhos em um exercício matinal. Eu estava bem. Entrei no banho e relaxei embaixo daquela água fria que caia em grande volume. Ah como era bom esse banho frio!
Observei a água que corria e descia pelo ralo em rotação para esquerda. Por que será que nos países do Hemisfério Norte a água desce e sua rotação e para direita? - Sei lá. Sequei-me, vesti-me e fui para cozinha pegar meu café, que a essa altura já estava pronto. Enchi uma caneca e saboreei aquele maravilhoso líquido negro. Absolutamente delicioso! Dirigi-me para sala segurando a caneca firmemente, no caminho passei pela aparelhagem de som, que já contava com um CD de música eletrônica nele. Ao ritmo da batida da música cruzei a sala que não continha muitos móveis e me dirigi para a porta de vidro, abri-a e parei na pequena varanda e atentamente observei a manhã chegando e invadindo a cidade.
Meu apartamento ficava estrategicamente localizado no quarto andar desse prédio antigo em uma área metade comercial metade residencial na cidade. A vista de todas as enormes janelas de vidro que rodeavam o apartamento era maravilhosa. Eu conseguia ver o porto e os navios que aportavam, era como um bailar de navios em determinadas épocas do ano. Todos os dias novos chegavam e outros partiam. Muitas vezes eu até podia escutar os apitos dos mesmos avisando os movimentos de ida e vinda. Eu era uma pessoa privilegiada, pois eu tinha a vista do nascer e do por sol. E todos os dias ele não decepcionava e dava um show, um não ele dava dois shows e nem se quer cobrava entrada.
Permaneci na janela por vários minutos apenas observando a paisagem, meus olhos desceram e começaram a observar a pessoas que ali passavam. Corriam atrás da hora, corriam atrás dos minutos como se realmente fossem pegá-los. As mulheres se equilibravam sobre seus saltos altos e dançavam o balé do equilíbrio, desviando freneticamente de outras pessoas, desviando de buracos na calçada e mantendo contato constante com o relógio. Os homens davam passadas mais largas em velocidade mais acelerada e mantinham seus olhos fixos nos traseiros das mulheres que cruzavam seus caminhos. Engraçado isso. Pude observar que algumas mulheres também observavam os traseiros de alguns homens. Um fato interessante é que algumas vezes seus olhares se cruzavam quando ambos voltavam seus pescoços para olhar o traseiro do outro.
Era cedo naquela manhã ainda fria de primavera. Meus olhos percorreram os prédios baixos por toda sua extensão até que pararam na imagem mais bela de todos. Era ela. Aquela mulher que meus olhos vinham procurando para esquentar meu coração e abrandar a dor da ultima perda. Segui-a com meus olhos e maravilhei-me com cada centímetro de sua bela escultura física. Seus cabelos aos ombros balançavam de maneira quase que musical. Ela continuava andando sem olhar para traseiro nenhum, apenas para frente. Seus passos eram firmes e largos o suficiente para esticar a largura de sua saia. Linda! Era essa a descrição que eu lhe dava. Meu peito pulsava fortemente e eu a segui pela janela de meu espaço até que ela entrou no prédio e desapareceu. Meu peito foi invadido pela dor da separação. Voltei-me para o interior de meu espaço e respirei profundamente. Quanta beleza aquela mulher trazia em seu corpo.
Vesti-me e fiquei aguardando pelo momento de descer para retomar minhas atividades diárias. Fixei o relógio. Eram 11:45. Era chegada a hora de eu revê-la. Desci e com minha passada suave segui pelo lado da rua onde meu prédio ficava até que cheguei ao ponto exato de cruzar a rua. Eu estava em frente ao prédio que ela havia entrado. de repente minha atenção foi tomada por um grupo que se movia rapidamente em direção ao prédio dela. Vi que o perigo caminhava juntamente com esse grupo. Encostei-me a parede e pude observar que eles fugiam e que em sua perseguição vinham uns policiais atirando. A confusão tomou conta da população e foi nesse instante que percebi o perigo que ela estava exposta. Corri, atravessei a rua e em um movimento meio que quase insano fechei a porta para impedi-la de sair. Fiquei ao lado de fora segurando a porta enquanto aquele grupo passava. Quem estava ao lado de dentro não se manifestou em sair. Liberei a porta, aproximei-me do meio-fio e voltei-me. Foi quando meus olhos se depararam com ela. Ali, tão perto que quase podia escutar a batida de seu coração. Quase podia sentir o cheiro de seu perfume. Vou me aproximar. Decidi. Ela me olhou, sorriu e acenou. Quase não acreditei! Ela estava me vendo, estava me percebendo. Sorri de volta e acenei, mas por trás de mim surgiu à imagem de outra pessoa que a abraçou e deram as mãos e saíram com passadas largas em direção a algum lugar. Retornei a meu espaço, sentei-me e respirei.
Permaneci ali por várias horas até que resolvi por sair. Levantei-me e tomei a direção da baia. Caminhei pela calçada e observei o por do sol. A tarde estava se despedindo. Ergui minha cabeça e olhei os bancos que se estendiam ao longo da calçada. Meus olhos pararam nela, a mais bela imagem que já havia visto. Ela estava só e admirava o por do sol. Aproximei-me, parei ao seu lado, sentei-me e nada eu ouvia apenas sua voz dizendo: ‘Olá como vai? Tudo bem? E de repente, assim muito rápido seu corpo caiu sem vida sobre o banco da calçada, em frações de segundos os condutores de alma a acolheram e tomaram sua direção carregando-a desacordada. Voltei para meu espaço.
Eu havia acabado de acordar minhas pernas estavam rígidas devido a uma longa noite de sono. Estiquei-me, espreguicei-me e relaxei. Olhei para o teto, eu gostava de fazê-lo, as marcas que nele existiam, juntamente com minha imaginação, criavam imagens de diferentes formas o que me conduzia a lugares distantes e me traziam de volta os rostos daqueles que nunca mais vi.