O Suicida
Na cabeça de certas pessoas infelizes com a vida o suicídio é uma saída. Acham que apagando da mente o grande sofrimento terão posto, definitivamente, um ponto final ao seu destino. Morrer seria, pela visão delas, escapar da dor e esquecer. Desconhecem que esse ato tresloucado é a causa de uma sessão interminável de verdadeiros sofrimentos; apenas o começo de um terrível destino espiritual. Mas isto vai acabar fugindo do que, verdadeiramente, esta história pretende narrar.
Comecemos dizendo simplesmente que Alberto queria se suicidar; é isto que realmente nos interessa. Escolheu para tal aventura o ponto mais alto do viaduto que cruza a via principal de sua cidade. Ali os carros trafegam em extrema velocidade. Alberto vinha pela pista direita da rodovia e seus pensamentos vagavam, distanciando-o totalmente da realidade presente. Os que por ele passavam, deixando no ar o ronco dos seus motores não faziam ideia da sua intenção macabra.
Sei que o que mais interessa ao leitor que me acompanha é o que vai acontecer com o Alberto. Se ele vai conseguir levar a cabo sua intenção de acabar com a própria vida ou se algo, ou alguém irá impedi-lo na última hora.
Tenho consciência de que o que o mais interessa a alguém que começa a ler um conto é saber, o quanto antes, o seu desfecho sem que tenha que ler linhas e mais linhas de literatice, o que o faz ter vontade de parar a leitura, colocar o texto de lado e seguir com sua rotina porque assim terá muito mais a ganhar. Mas peço um pouco de paciência ao meu leitor ávido pelo fim da história. Tenho que ser claro para não deixar mal entendidos.
A tarde já estava caminhando para o seu final; o movimento na via só aumentava. O tal viaduto cruzava uma avenida de quatro pistas. Alberto jogou o veículo para o acostamento e ali estacionou. Era este o ponto culminante, cuja altura não ia a menos de trinta metros. Embaixo, todas as pistas fervilhavam de ônibus e automóveis; um engarrafamento já dava os primeiros sinais de sua formação. Antes que saísse do carro, porém, um guarda, que por ali tirava serviço aproximou-se.
- Posso ser útil; algum problema com o seu motor?
Alberto não contava com esta interrupção no meio de seus planos. Mas pensou rápido e respondeu:
- Creio que há algo errado; ouço um barulho estranho. Achei melhor parar e dar uma olhada.
- Tem mesmo que ser rápido; apenas ônibus podem encostar aqui. Em todo caso vamos dar uma olhada – disse a autoridade, dirigindo-se para frente do automóvel.
- Obrigado; já está aberto o capô – disse Alberto, puxando uma alavanca.
Neste curto espaço de tempo em que é erguida a tampa do motor,
Alberto sai do veículo e corre em disparada na direção da amurada do viaduto. O susto do homem da lei não foi menor do que a destreza e a rapidez de Alberto. Ele segurava o capô com uma das mãos enquanto, com a outra, procurava fixar a haste de sustentação; mas não teve tempo para isto. Ao ver que Alberto já subia no parapeito do elevado largou de vez a tampa que desceu com toda a sua força e o estrondo ensurdecedor chamou a atenção dos que passavam naquele momento.
- O que está fazendo!? Está louco? – disse o homem, aparvalhado.
Por aquele lado onde Alberto, agora de pé, mas pelo lado de dentro, segurava-se à grade de proteção passavam pedestres, cujo fluxo aumentaria daquele horário em diante. Vendo que, muito próximo de si iam alguns e para evitar ações de surpresa, Alberto ultrapassa o gradeado, colocando-se, perigosamente, na beirada do viaduto, ainda agarrado às grades. Afastaria assim qualquer tentativa de salvamento.
- Não se aproxime; Ou solto as mãos e me deixo cair lá embaixo – disse tranquilamente ao ver que o guarda dera alguns passos em sua direção.
A esta altura a confusão já era incontrolável. Os transeuntes paravam no acostamento; o tráfego, que já era lento no viaduto, complicou-se de vez. As sirenas ensurdecedoras anunciavam a chegada de mais viaturas oficiais. O tumulto não era menor na avenida principal que passava em baixo. Ao ver aquele homem, na ponta do elevado, de uma altura incrível, prestes a se atirar e se esborrachar na pista e ainda ser esmagado por um ônibus ou caminhão todos se alvoroçaram. Aqui, nos pontos de ônibus, nas barracas de guloseimas e onde quer que houvesse pessoas interromperam-se as atividades e o olhar de todos só tinha uma direção a seguir: para o alto.
- O que pensa que está fazendo? – foi a pergunta do capitão dos bombeiros cujo carro acabara de furar o bloqueio e ganhar o acostamento.
- Não penso; vou fazer. Não preciso dizer o quê.
- Aí é que está o problema; você não parou para pensar. Senão não estaria para cometer esta asneira.
- Não me venha com palavras bonitas e filosóficas. Minha decisão já está tomada há muito tempo. – O capitão deu dois passos na direção de Alberto.
- Não se aproxime! Já disse que minha decisão está tomada.
- Então, qual a diferença se eu me aproximar, já que vai mesmo se atirar? – O inteligente capitão estava querendo ganhar tempo.
- Onde vive sua família? – dizendo isto deu mais um passo. A multidão estava estática e sequer um som se ouvia naquele momento; nem mesmo o do trânsito. Tudo parara completamente.
- Se der mais um passo me deixo cair – disse Alberto, seguro agora por uma mão apenas.
- Está bem; não vou avançar. Apenas peço que olhe para mim enquanto falo as últimas palavras que ouvirá antes de sua morte. Nada mais que isto; pode ser?
- Que seja; vá em frente.
O capitão começou a falar muito calma e lentamente. Filosofou, deu conselhos, falou de Deus; tendo na voz um tom, ao mesmo tempo, de compaixão e de súplica. Parece que convencia Alberto, embora não fosse este o seu objetivo, mas que o olhar do outro se fixasse no seu, apenas. E isto ele conseguiu. E ao ponto de, lenta e imperceptivelmente, aproximar-se cada vez mais de Alberto. Até que, num ato de extrema habilidade, saltou para agarrá-lo. Mas não teve sucesso; o outro foi mais rápido e soltou a única mão que o prendia à grade.
O olhar fixo de Alberto no seu enquanto falava era tudo que queria o capitão. Alberto voou nos ares; feito um pássaro. Seu corpo bateu e ricocheteou na cama elástica para ele preparada sem que disto se apercebesse. Se gostou ou não ele vai saber depois; de refletir bastante se valeu a pena ter tentado o suicídio.