Já publiquei dois contos destacando a carismática família de Vovó Maroca.
Na primeira vez a Senhora Morte veio buscar o jardineiro que sempre começava a labuta pontualmente às sete horas.
A ilustre visitante veio jantar na noite anterior e, antes dele adentrar a mansão no dia seguinte, levou o funcionário dos jardins.
Quando a Senhora Morte visitou a mansão um ano depois, ela levou uma amiga de Maroca a qual estava vindo refazer as energias após ser informada que carregava uma doença terminal. Débora também encontrou a Senhora Morte antes de adentrar a mansão.
 
Os dois contos mostraram o quanto a Senhora Morte aprova a hospitalidade dos moradores da mansão, que obviamente, nas duas vezes, ficaram bastante assustados imaginando quem partiria acompanhando a “amiga dos cemitérios”.
 
Eu vou deixar o link que permite recordar a segunda visita da Senhora Morte, possibilitando conhecer os detalhes da história e saber algo dos personagens envolvidos.

http://www.recantodasletras.com.br/contos/4185659
 
Nesse terceiro ato, a Senhora Morte enviou um telegrama, lido no finalzinho da tarde, que dizia o seguinte:
 
Amanhã virei almoçar
Antes do pôr do sol partirei acompanhada
 
Era a primeira vez que a Senhora Morte dispensava o jantar.
Dona Josefa ficou preocupada.
Será que o seu tempero perdera o sabor?
 
Novamente o atual jardineiro não seria o candidato, pois ele trabalhava apenas no turno matutino.
Sondaram se havia algum visitante vindo ver Dona Maroca ou querendo refazer as energias.
Não existia nada programado nesse sentido.
 
Claro que a notícia inquietou, porém, considerando que duas vezes a Senhora Morte somente desfrutou da gentil comida e cama da mansão, não levando ninguém do local, tal atitude poderia se repetir.
O fogoso Edgar tentou demonstrar calma, porém permaneceu na sala, dispensando a companhia exclusiva de Dulcinha.
Esse comportamento sinalizava notória preocupação, porque, na arte sexual, o empresário era insaciável.
 
Dona Maroca combinou com Josefa alguns detalhes para a chegada da Senhora Morte. 

Seu José e Dona Diana resolveram dormir cedo e levaram o filho Pedrinho para o quarto. Queriam aproveitar a companhia do menino nesse instante tão delicado.
O mocinho reclamou, pois, no dia posterior, ele queria acordar e logo conferir as piadas dominicais de Ilmar (o fato acontecia num sábado).
Os pais rejeitaram o pedido, ameaçando castigá-lo.
O menino sossegou. No final da noite de domingo ele verificaria o “cardápio de humor”.
Caso reclamasse demais, talvez terminasse privado de conferir as piadas e os outros textos do poeta mais charmoso que o Recanto possui.
Essa possibilidade seria uma tragédia, portanto decidiu ficar resignado.
 
Tio Macedo não falou coisa alguma, mas recordou que, depois da segunda visita, semanalmente contava um causo citando a Senhora Morte.
A intenção era jamais aborrecê-la. Dessa forma ela, num ato de vingança, nunca o escolheria e ele poderia continuar contando suas histórias aos amigos confiante no porvir.
 
No outro dia a Senhora Morte chegou muito cedo.
Todos já estavam acordados, pois, excetuando o garoto Pedrinho, a noite foi tenebrosa demais.
Surgiram lobos, uma forte tempestade seguiu a madrugada com raios e trovões arrepiantes, gritos intermináveis nas casas vizinhas, corujas passando cá e lá, janelas estranhamente sacudiram sem parar, a energia elétrica foi interrompida, enfim, os adultos da mansão não conseguiram adormecer.
 
A Senhora Morte cumprimentou cada um bem sorridente.
Após o café da manhã reforçado, com direito a um bolo saboroso de fubá que Dona Maroca preparou, Edgar convidou a Senhora Morte para jogar batalha naval.
O sagaz rapaz desejava sondar as intenções da visitante e tentar descobrir uma pista revelando quem seria o defunto ou a defunta a acompanhá-la antes do pôr do sol.
 
A Senhora Morte surpreendeu demonstrando muita habilidade com o jogo.
Edgar, percebendo o clima descontraído, indagou:
_ Como tem sido a rotina, Senhora Morte?
_ Meu querido rapaz, muito cansativa, porém o dever prevalece efetuado em paz.
_ Sempre procura uma mansão hospitaleira no exercício da sua função?
_ Sim! Devo confessar, entretanto, que poucas pessoas são tão receptivas como vocês.
_ Nós gostamos bastante dessas visitas nas quais a senhora busca um ótimo abrigo antes da viagem importante.
_ Fico feliz, Edgar! Dessa vez é importante revelar que não vim somente pela hospitalidade.
Edgar, apesar de temer a resposta que ouviria, perguntou:
_ Como assim?
_ Nas duas visitas anteriores, quem viajou comigo não estava na mansão. Dessa vez o viajante está aqui.
 
A notícia fez Tio Macedo fazer xixi no sofá e levou Dona Maroca a suspirar assustada.
Alguém que estava na mansão viajaria e era um viajante!
Ficava fácil deduzir que quem acompanharia a Senhora Morte era o fogoso empresário, Tio Maceco, Seu Edgar ou o menino Pedrinho.
 
Edgar não conseguiu mais dar atenção ao jogo, inventou uma desculpa boba, encerrou a diversão e abraçou Dulcinha que não conseguia conter o choro.
A Senhora Morte, notando o efeito emocional da informação, pediu licença para aguardar o almoço no quarto de Pedrinho.
 
No almoço Dona Josefa serviu bacalhau.
A Senhora Morte gostou, pois repetiu o prato duas vezes.
Depois disso ela voltou ao quarto.
Todos permaneceram silenciosos na sala principal da mansão.
Sem diálogos, sem televisão, sem saber o que pensar.
 
Josefa, dezesseis horas, ofertou à hóspede um lanche modesto, biscoitinhos caseiros com refresco de cajá.
A Senhora Morte solicitou à empregada avisar que só sairia do quarto na hora de viajar.
 
Na sala havia uma quietude anormal misturada com uma tremenda apreensão.
Dona Diana abraçava Seu José e o filho Pedrinho com grande ternura. Talvez um dos dois estivesse partindo para sempre.
 
Dulcinha apoiava a cabeça nos braços do esposo expressando uma aflição contagiante.
 
Tio Macedo havia trocado a calça melada.
 
Maroca e Josefa disfarçavam as lágrimas rolando nos rostos.
 
Quase dezessete horas a campainha do portão tocou...


(continua)
 
Ilmar
Enviado por Ilmar em 15/04/2013
Reeditado em 16/04/2013
Código do texto: T4241458
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