O sobrado da antiga família de Sinval
_ Oi! _ respondeu Otávio em voz alta.
Ele ouviu a esposa chamar seu nome; ele estava no andar de cima da casa, procurando por ela no sótão. Tinham mudado para aquele endereço já há algum tempo e ele achava que já era hora de comemorar.
O sótão ficou fechado por anos, mas agora estava novo em folha; segundo o corretor que tratou com Otávio, a casa, um sobrado de dois andares mais o sótão; estava inabitada há quase cinco anos e como a manutenção não vinha sendo feita regularmente o valor do imóvel foi diminuindo com o tempo.
Ângela, a esposa de Otávio, era uma design de interiores e passara por acaso na rua onde viu o sobrado com a placa de vende-se; a partir daquele momento ela decidiu que compraria o lugar e o tornaria um de seus projetos particulares. A residência era perfeita na visão dela, os dois andares para a casa com seus vários cômodos amplos e o sótão ficaria todo para ela. Comunicou a decisão ao marido e ambos foram ver a casa, ele por sua vez também ficou apaixonado com as formas do lugar; quintal amplo na frente e atrás do imóvel, havia espaço para os dois carros da família na frente e esse mesmo espaço poderia ser transformado futuramente em uma garagem coberta. Esse era o plano inicial para aquela área.
Dentro do imóvel, três cômodos no primeiro andar e quatro outros no andar superior. Eram eles: Uma sala que Ângela já tinha decorado com novos móveis, algumas tapeçarias e obras de arte; a cozinha e a copa. No andar superior havia um banheiro e três quartos, um dos quais com seu banheiro próprio e um imenso armário para roupas; seria esse o quarto do casal.
Os outros quartos foram divididos em escritório para Otávio, pequena biblioteca e um quarto que ficaria reservado para o filho ou filha que planejavam ter no futuro; dentro de mais um ou dois anos.
A casa foi uma pechincha, afinal, estava em péssimo estado quando eles compraram; seis meses e uma grande reforma depois ela estava excelente e pronta para ser habitada novamente.
_ Otávio!
_ Onde você está? _ respondeu ele pela segunda vez ainda sem saber onde a esposa estava.
Ele ouviu a esposa chamando no andar de baixo; tinha acabado de chegar com as passagens de uma viagem de comemoração que fariam pelo fato de que as coisas estavam finalmente entrando nos eixos. Já estavam morando ali fazia seis meses, e a casa tinha ficado muito funcional após os primeiros seis meses de obras. Ângela estava sendo requisitada para vários trabalhos importantes e Otávio tinha acabado de fechar dois grandes negócios; ele era corretor de imóveis e foi com sua experiência no ramo que conseguiu agilizar a compra da casa onde agora moravam, além disso, vinha trabalhando já há algum tempo para fechar a venda de duas outras casas de luxo, o que tinha acabado de fazer duas semanas atrás, e a comissão foi alta; portanto já tinham acertado que fariam uma viajem de fim de semana para comemorar os bons ventos que sopravam sobre eles.
Otávio subiu direto para o sótão chamando por Ângela, mas não encontrou a esposa lá, ouviu a voz dela no andar dos quartos; ele desceu do sótão que era o escritório dela, onde estavam seus projetos profissionais mais atuais ou os que estavam inacabados em vias de serem concluídos.
Ao sair do sótão ouviu a voz dela chamando-o de baixo, da cozinha. Estavam se desencontrando.
_ Ângela! Estou aqui em cima. _Ele disse.
Não ouve resposta.
Quando foram finalizar o negócio da casa, Otávio quis saber exatamente o porquê de aquele imóvel tão imponente numa região calma, arborizada e com pouca vizinhança nos arredores está sendo vendido por um preço tão abaixo do que seria seu valor de mercado, mesmo com a falta de manutenção o valor pedido era muito inferior ao que deveria ser. O dono estava quase que se desfazendo do imóvel e por um motivo tão bobo que chegava a dar pena dele.
Otávio negociou diretamente com o dono do lugar, um senhor de nome Sinval, que expôs uma história fantástica antes de resolver fazer o negócio. Segundo ele a casa pertencera ao avô dele, depois ao pai e por fim a ele mesmo; mas a avó e o avô do sr. Sinval um belo dia sumiram dentro da casa sem deixar vestígios, o pai de Sinval ficou sendo cuidado por parentes até que casou e foi morar na mesma casa com sua esposa e filho, ele. Meses depois ambos desapareceram, Sinval ainda jovem foi levado para ser cuidado por tios em outro estado e cumpriu parcialmente o que parecia ser a sina da família; quando casou foi morar na mesma casa com a esposa, afinal, era a única herança deixada por seus pais.
Meses depois de mudar para a casa a esposa de Sinval desapareceu misteriosamente em pleno dia; eles estavam conversando na cozinha enquanto ela preparava o almoço; ele foi até o sótão, onde na época, funcionava uma adega, buscar uma garrafa de vinho e quando retornou a mulher tinha desaparecido deixando tudo exatamente como estava quando ele subiu; panelas no fogo, cebolas por cortar e outras coisas do tipo. Eles não tinham filhos e foi então que ele percebeu que havia mesmo algo muito ruim naquele lugar embora absolutamente nada servisse como indício desse fato. Temeroso; Sinval deixou a casa naquele mesmo dia e só voltou dias mais tarde com alguns amigos para lacrar completamente o domicílio.
O tempo passou, ele não tinha dinheiro para destruir, nem tampouco para manter a casa, ou seja, cuidar da manutenção e pagar os impostos, e nem valia a pena fazê-lo, visto que não estava usando o domicílio; foi então que lhe ocorreu a idéia de vender a casa com tanto que o novo morador demolisse completamente a antiga estrutura e construísse uma totalmente nova no lugar.
Obviamente Otávio não cria naquela conversa de desaparecimentos dentro da casa, certamente havia uma explicação para tudo aquilo, mas para conseguir comprar o domicílio pelo preço ínfimo anunciado por Sinval, Otávio se comprometeu a destruir a casa e levantar outra nova no lugar e chegou até mesmo a mostrar os projetos no papel para que Sinval liberasse a venda. Porém, o que Ângela e ele desejavam realmente era fazer apenas a reforma visual com poucas mudanças estruturais e uma nova pintura dentro e fora; no fundo as estruturas do lugar não seriam trocadas nem modificadas e assim foi feito.
Agora descendo as escadas à procura da esposa, Otávio se lembrava da história contada por Sinval e a cada degrau que ele descia o relato parecia fazer mais sentido. E lembrava até das palavras mais duras que Sinval dirigiu ao domicílio:
_ Visualmente a casa é ótima, arejada, ampla e bem iluminada, mas tem algo nela que a torna faminta._ foram as palavras do antigo dono.
Otávio chegou na cozinha e como já esperava não encontrou Ângela. Colocou as passagens sobre a mesa e chamou por ela mais uma vez, estava se sentindo um tolo por dar crédito a uma história tão besta quanto aquela, afinal, pessoas nunca desapareciam como se tivessem evaporado; isso era humanamente impossível.
Uma idéia lhe ocorreu.
Lançou a mão no bolso e tirando o telefone ligou para a esposa. O aparelho chamou, chamou e chamou, não houve resposta; ele olhou pela janela da cozinha onde pode ver o carro de Ângela parado lá fora; o que corroborava o fato de que ela não havia saído. Também não podia ser uma brincadeira de mau gosto dela com relação à história da casa porque ele não tinha contado nada daquelas sandices. Então o que seria?
De repente a janela por onde ele estava olhando o carro se fechou com uma forte batida; não havia vento forte do lado de fora. Otávio correu para a sala, ia sair de casa, mas a porta, tal como todas as saídas, também se fechou.
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