O vestido
Começou assim, estava tudo certo. Tudo bem arranjado na vida de Guilherme. Sucesso na carreira, três filhos bem nascidos, dois deles na faculdade. Feliz em casa, feliz em tudo.
Mas de repente que deu uma vontade de fazer coisas estranhas em Guilherme. Estava no shopping, tanta gente bonita para lá e para cá. Tinham acabado de almoçar com os filhos e a mulher queria ver umas bolsas. Tudo bem, que Guilherme tinha paciência de Jó para esperar. Resolveu sentar-se num quiosque de frente à loja. A mulher e as três filhas entraram. Em quinze minutos já tinham bisbilhotado em quase tudo quando viram uma movimentação do lado de fora. Todo mundo saiu da boutique para ver o que acontecia. Guilherme estava nu. Pelado completamente. Quando as filhas viram o homem, este já corria dos seguranças balançando os emirados árabes.
Na casa de repouso onde Guilherme ficou trancafiado - seria só um mês – começou a reclamar de uma coceira insuportável nas costas, talvez impingem. Examinado, não era nada. Estava louco para sair daquele descanso forçado a que fora submetido pela família. Passava longe de ser ruim aquela prisão. Ficava em Ilha Bela, São Paulo. A situação do protagonista permitia a ele esses luxos, mas os muros do spá eram altos demais e a portaria funcionava sem interrupções.
No quarto dia saiu para o jardim, aquele incômodo nas costas, a coceira já virava ardência. De repente doía muito. Logo estava apavorado, uma coisa estranha começou a brotar sem parar de suas costas. Atirou-se para trás de uma árvore, num canto, para que ninguém o visse. A uns metros uma enfermeira passava com um tecido na mão, uma toalha ou lençol.
Guilherme lançou-se desesperadamente sobre ela, tomou o pano, agora via, um lençol, e se agasalhou, recuando a um canto. Um aglomerado se formou em torno dele. Há essa hora o volume nas suas costas já era enorme.
O que está acontecendo, Guilherme? O que esconde atrás de você? Você andou se drogando, rapaz?! Roubou alguma coisa e está escondendo... Todos falavam ao mesmo tempo. Guilherme assustado, arregalado, acuado como um animal sarnento. Uns já ameaçavam dominá-lo para acabar com o piseiro.
Foi nessa hora que se levantou abruptamente e investiu contra a multidão que abriu passagem. Afastado uns cinco metros, Guilherme deixou cair o lençol e então todos viram, boquiabertos, enormes asas que lhe haviam brotado das costas, e que agora, agitadas, levavam o homem para o infinito do céu azul.