MEU AMOR É UM VAMPIRO - Cap. 10
Quando chegou a notícia que o terreno sobre o qual estavam as ruínas do velho orfanato fora comprado, houve uma grande comoção em Rosas. Ninguém na cidade sabia que estava à venda. Para Kassandra, Aline e Rafael ali estava a explicação de tudo. Provavelmente os novos proprietários haviam colocados luzes no alto da colina para vistoriar o local, justo naquelas noites em que Kassandra, Aline e depois Rafael passaram por lá. As irmãs sentiram certa frustração. No íntimo de cada uma delas morava o desejo de que aquilo tudo fosse algo maior que uma simples venda de terras. Infelizmente o mistério tinha sido resolvido rápido demais, sem emoção nenhuma. Assim que foi confirmada a venda, o terreno foi imediatamente cercado. Apenas de longe era possível ver a movimentação de pedreiros contratados para reconstruir a velha casa. O maior segredo, entretanto, era acerca de quem havia efetuado a compra. Em cada esquina, à medida que o tempo passava e a casa tomava uma forma definida, os comentários aumentavam. Havia uma desconfiança que o comprador era da própria cidade. Outros, porém, afirmavam que o novo proprietário devia ser alguém que nascera bem longe de Rosas, pois se conhecesse a história do lugar, não teria jamais cogitado em se instalar por lá.
E a curiosidade aumentava.
*
Aline voltava para casa depois de um jogo na escola, um sábado ao entardecer. Vinha cansada, pois passara a tarde toda treinando e, no final, a professora a acusara de falta de empenho. Depois de uma forte discussão, Aline fora expulsa da quadra.
Ela voltava para casa, apressada, contendo as lágrimas. Além da frustração, havia o medo. Seus pais nunca permitiram que ela ficasse sozinha, na rua, à noite. Porém, com a expulsão, saíra mais cedo da escola e estava sem companhia. O escuro lhe atormentava, não importava onde estivesse. Se não tivesse esquecido o celular em cima da cama, poderia ligar para alguém ir lhe buscar.
A noite caiu mais rápido que ela esperava. “Só mais dois quarteirões agora”, repetia ela constantemente, tentando se acalmar. Era possível escutar as batidas do seu coração. E se houvesse mais alguém nas ruas, os outros também saberiam o quanto Aline se sentia assustada.
Porém, para seu espanto, até a praça principal da cidade de Rosas estava deserta.
A esperança de Aline se resumia a encontrar algum conhecido na praça e que fizesse o favor de a levar até em casa. Mas não havia ninguém e a garota se sentiu pior. Mais sozinha, mais vulnerável.
- Ora - disse ela para si mesma, respirando fundo. - Nunca acontece nada aqui neste fim de mundo. E não será hoje que vai acontecer. Não mesmo.
Encostado em um poste de luz mais a frente, estava um homem.
Ela parou. As pernas ficaram um pouco mais fracas que já estavam. Mal podia vê-lo. A luz deveria estar queimada, suas feições não eram visíveis ainda. Ele vestia um casaco - ou era uma capa? - longa e escura, que o deixavam mais alto do que já era.
- Meu Deus…
Aline sentiu o ar lhe sumir. Por alguns instantes ficou totalmente imobilizada, sem saber o que fazer. O homem olhou em sua direção lentamente e, mesmo com a pouca iluminação, a jovem sabia exatamente quem ele era.
- Eu sei quem é você - disse ela sussurrando para si mesma, sem poder afastar os olhos do forasteiro.
Uma brisa fraca balançou as folhas das árvores e Aline deu um pulo. Olhou atarantada para os lados, mas não havia ninguém ali além deles dois. Ela tornou a encará-lo. O homem havia desaparecido.
“Meu Deus, eu sonhei acordada”, ela disse para si mesma, incrédula. Aline deu alguns passos para frente, tentando seguir seu caminho.
- Não pode ser. Era ele. Eu vi!
Frustrada, Aline olhou em volta, procurando-o alucinadamente. Seus pensamentos estavam desordenados. Sim, ela estava sonhando com o forasteiro há semanas e não raro achava que o encontrava nos mais distintos lugares. Nunca era ele. Até aquela noite. Desta vez, havia sido real. Ela não estava louca. Ou estava?
Ela decidiu continuar sua caminhada para casa. O medo continuava ali se insinuando, porém seus passos não eram mais tão rápidos assim. Devido à torrente de emoções, suas pernas estavam ligeiramente sem forças. Bem que gostaria de poder sentar no meio da calçada e respirar.
Aparentemente ela estava sozinha, mas sabia estar sendo observada. Sim, era isso que estava acontecendo agora. Cada passo incerto que Aline dava era analisado. O lugar continuava deserto.
Era como se ele estivesse lendo seus pensamentos, conhecendo seus medos e desejos. Os pensamentos de Aline já não eram mais segredo. Alguém mais os possuía. Ela caminhou mais um pouco e, quando não suportou mais a ansiedade, parou e olhou para trás.
Ele vinha caminhando há alguns metros dela, com passos firmes e tranqüilos. A capa flutuava ao seu redor, balançando por vento nenhum. O homem não parecia estar com pressa de alcançá-la, embora estivesse vindo na sua direção sem nunca afastar os olhos de Aline. O coração dela disparou outra vez.
Aline entendeu a mensagem e tomou o rumo da sua casa. O desconhecido não parecia ameaçador, apesar de seus traços continuarem encobertos pelas sombras. Ele sabia do seu pânico e estava simplesmente a acompanhando até em casa, protegendo-a de todo o mal. Nada poderia lhe atingir enquanto ele estivesse ali, caminhando próximo a ela.
Quando Aline olhou para trás novamente só para se certificar que o forasteiro continuava a lhe proteger, não o encontrou. Aquilo foi frustrante.
- Onde está você? - perguntou a jovem, mentalmente. - Não quer mais vir comigo?
Ele caminhava na sua frente, diagonalmente, do outro lado da rua e Aline suspirou de satisfação. Se o homem pudesse ler de verdade sua mente, já sabia que estava profundamente apaixonada. Ela não se envergonhava disso. Aliás, estava adorando tudo aquilo.
E assim Aline foi para casa, acompanhada por aquele mágico desconhecido que nem por um instante descuidou dos seus passos. Em alguns momentos ele se mantinha atrás dela; outras vezes, sabe-se lá como, o homem surgia a alguns metros a sua frente. E envolta em um enorme encantamento, Aline chegou em casa, desejando morar algumas quadras mais adiante.
Ao colocar a chave na fechadura da porta de casa, ela olhou para trás, querendo certificar-se que o desconhecido se encontrava por ali. A chave ficou esquecida em suas mãos enquanto mirava os olhos (que cor era aquela?) dele. Bem que poderia largar tudo e se jogar nos seus braços, exatamente como nos filmes românticos que não cansava de assistir. Não importava que ele fosse criminoso ou mau. Nada importava. Apenas desejava estar com o desconhecido pelo resto da vida.
E além.
Mas não. Aquele não era o momento, Aline disse para si mesma. Ou era ele quem lhe dizia isso? Suspirando, ela virou a chave na fechadura, preparada para se afastar dele e entrar em casa. Mas seu coração não estava dolorido. Ele iria voltar. Agora até já sabia onde Aline morava.
Com esforço a garota entrou em casa e fechou a porta. Sem dar bola para as perguntas da mãe, correu para a janela para ver se ele ainda estava lá fora. Não viu mais. Sumira como fumaça.
- Aline? Está no mundo da lua? Estou falando com você.
Ela fechou as cortinas e olhou para a mãe.
- O que é?
- Por que chegou tão cedo?
- A professora me expulsou da quadra.
De repente ter sido expulsa do jogo, podendo até mesmo ser excluída do time por péssimo comportamento não importava mais. Laura, no entanto, ficou atônita com a informação.
- Como assim? O que você fez para ser expulsa?
- Acredita que a bruxa da treinadora afirmou que eu não estava me empenhando? Discutimos e fui para a rua.
Laura achou sua filha estranha. O normal seria ela estar aos prantos. Jogar na seleção da escola era tudo na sua vida.
- E você voltou com quem?
- Sozinha.
A resposta pareceu falsa tanto para Aline quanto para a mãe.
- Sozinha? E por que não ligou para casa? Alguém teria ido lhe buscar!
- Tudo bem, mãe – sorriu ela, tentando esconder sua satisfação - Foi tudo tranqüilo. Onde está Kassandra?
- Na cozinha. Escute, isso nunca mais deve acontecer, entendeu bem? Seu pai não irá gostar nada, nada, de saber disso.
Aquela altura Aline já se encaminhava para a cozinha, ansiosa para contar a incrível novidade para a irmã. Ao abrir a porta, porém, deparou-se com Kassandra e Rafael em meio a uma terrível discussão. Ambos a olharam furiosos, no auge da briga. Aline se limitou a fechar a porta e correr escadas acima, em direção ao seu quarto. Precisava de alguns momentos a sós.
*
Mal Aline fechou a porta, Rafael recomeçou. Estava inconformado.
- Você não cansa de estudar? A única coisa que peço é um pouco do seu tempo e atenção para mim. Pode ser? Ou não?
- Meu amor - Kassandra sabia que estava perdendo a discussão. Tinha uma prova e um trabalho para apresentar na segunda-feira e achava que não estava sabendo tudo da matéria até o momento.
- Quantas vezes vou precisar repetir que…
- Está certo, não precisa dizer mais nada - a voz de Rafael subiu alguns decibéis. - Mas não reclame mais quando eu sair com meus amigos para as minhas noitadas, já que minha namorada vive com o nariz enfiado nos livros.
- Ora, Rafael! Até quando estou livre você sai com sua turma! Não me venha com essa desculpa, entendeu bem?
- Não é bem assim. Você está distorcendo os fatos.
- E você está revertendo a situação.
Rafael suspirou, furioso. Ajeitou o vasto cabelo louro e afirmou:
- É assim que você quer? Pois bem, vou sair sozinho. Quem sabe eu arrumo outra companhia?
Ele abriu a porta da cozinha e saiu estabanado. Atravessou a sala, ignorou os olhares desgostosos de Laura e só foi alcançado na calçada, quando Kassandra o freou, segurando-o pelo braço.
- Você venceu - disse ela, temendo que Rafael entrasse no carro e desaparecesse de vez. - Eu vou com você olhar como está a reforma do velho orfanato. Me dê 10 minutos para eu me arrumar.
Bem mais calmo e com seu belo sorriso no rosto, Rafael respondeu como se nada tivesse acontecido.
- Vou esperar você no carro. Mas não demore - ele estava ansioso para subir a colina.
Kassandra entrou em casa correndo, perguntando a si mesma por que Rafael desejava tanto ver como estava a casa. Afinal, ele ficara tão estranho na estrada aquela vez.
Seu namorado tinha cada ideia...
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