O Bruxo

O Bruxo

Certamente ouvir historias estimula nossa criatividade e imaginação além de ampliar nosso conhecimento. Agregado a todos esses benefícios adquirimos também a construção de um relacionamento cordial entre a pessoa que conta e a que ouve a história.

Final dos anos sessenta. Meu irmão Renato com sete anos e eu dois anos mais velha que ele passávamos por um período que não nos era agradável. Definitivamente não gostávamos de ouvir as historias que “tio Marim” contava. Quando ele nos visitava( quase constantemente) era dar uma folga e la ia ele contar suas historias no mínimo estranhas. A coisa piorava quando estávamos de férias.

Suas historias eram sempre de assombrações e na maior parte acontecia com ele e nossa vó. “Quando eu era “minino” E nois morava na roça, sá vó e eu era assim iguarzinho ocês, só que eu era mais véi que sá vó. Um dia só tava nois dois no nosso ranchinho , ainda era dia e o sor tava lá no mei do céu. Nóis tava cuidando das coisas enquanto nossos pais carpia a roça pra mode plantá mio e arroiz. Ai nóis ouviu a portera bater. Olhemo e num vimo ninguém, A porteira tava fechadinha, inté pensei que os pais tava vortando mais cedo. Olhei de novo, tudo queto.Voltemo pra nossa lida. Mariana terminou de varrer o rancho e lá ia cuidar da cumida, nóis tinha que cume logo e leva pros pais coitados, logo eles iam tá varadim de fome...

__Crianças hora do almoço, e avise seu tio. Ufa! Salvos pelo gongo. Ele tinha problema de surdez devido a seus mais de setenta anos.Estávamos sentados debaixo do pé de jabuticaba, levantamos rapidamente e corremos para a cozinha. Quando íamos sentar à mesa, nossa mãe mandou-nos lavar as mãos. Quase sempre ela tinha que nos advertir, acho que fazíamos aquilo de propósito inconscientemente talvez...sei lá. Tio Marim era tio do meu pai pelo lado materno.

Conhecido na pequena cidade como “vei Marinho o bruxo”. O pessoal dizia que ele fazia feitiço, mais ele gostava mesmo era de “benzer. Aprendera com a mãe. Ele dizia .Os mais velhos na sua maioria sabiam benzer. Benziam Quebranto, Mau olhado, Quebranto de feiura , de dó, espinhela caída e por ai vai. Tio Marim benzia também os quintais cheio de arvores pras lagartas morrerem secas nos troncos, afugentar cobras e outros bichos que certas pessoas naquela época consideravam nocivos Daí o ditado: “quem conta um conto aumenta um ponto”, outras conversas foram surgindo tais como: fazia reza pras pessoas morrer, marido largar a mulher e vice e versa.Tornou-se então um bruxo. Muitas pessoas tinham medo dele, outras nem mesmo acreditavam

Era de poucos amigos. Apesar do seu jeito sorumbático, não deixava de nos contar suas histórias tenebrosas. penso que ele ficava feliz ao nos relatar fatos de sua infância.

Certa vez mamãe nos mostrou um retrato em preto e branco que o revelava um homem alto de cabelos fartos, olhos azuis(eu sabia porque eles continuavam azuis, um pouco opacos) que refletia tristeza. Ficara no entanto encarquilhado, cabelos brancos e ralos e sua face sulcada pelo tempo.

Poucos dias depois em que escapamos de ouvir o final da historia fomos informados pelos nossos pais que viajariam ate a cidade vizinha pra visitar um amigo que se encontrava muito doente, mas chegariam logo ao anoitecer. Ficaríamos na casa do tio até que voltassem. Isso nos contrariou mas obedientes nada falamos.

Sua casinha era feita de pau a pique e com cobertura de palha. Tinha um único cômodo que servia de quarto, sala e cozinha. O piso era de chão batido e sempre bem varrido. Ele jogava um pouco de agua no chão assim não levantaria poeira ao varrer. Mamãe disse que ele aprendera com a tia Benvinda, que apesar de pobre era muito zelosa. Ao morrer deixara um imenso vazio no coração do tio, e tristeza em seu olhar.

Não havia banheiro na pequena casa, e sim uma privada no quintal onde fazia suas necessidades fisiológicas. O banho era tomado em uma bacia grande no meio da casa. No quintal também se encontrava grandes canteiros plantados com diversas hortaliças. Sempre que nos visitava levava uma bacia cheia de hortaliças e também ovos, pois, ele também criava galinha e porcos, este último ele vendia ..No fogão feito de barro o tição estava sempre aceso e sobre a trempe um bule com café quentinho.

Como havíamos previsto o tio ia terminar sua historia. Depois de alimentados, as tarefas do dia feitas, sentamos em sua cama feita de paus roliços, e sobre esta um colchão de palha e....pronto deve ser coisa do “tinhoso” que batia a porteira .pensei. Ao mesmo tempo me arrepiava. Renato se encolheu junto a mim. Nosso tio serviu-se do café preto que tomou de uma só vez, sentou no rabo do fogão, pegou um tição aceso, acendeu o cigarro de palha . puxou tanto a fumaça que suas bochechas sulcadas pareciam que iam colar uma na outra. Depois soltou aquela baforada e começou:

“como eu falei pro ceis isto dia, eu falava do barui na portera né? Ele nem esperou nossa resposta e continuou— Antão nóis já tinha isquicido daquilo, só que o barui começo de novo. só que nu chiqueiro, e os poico parecia ter ficado tudo doido. Gruia na maio artura. Mariana assustada laigou a cumida nu fugão e correu e enfio em baxo da cama, e eu né, o home da casa, meu pai num tava lá, tivi que i vê.Fui de mansim. Derepente a moita perto do chiqueiro mexeu, aí eu vi... Nessa hora Renato que não aguentava mais disse quase chorando.

__Era o tinhoso tio?

__humhum!

__A mula sem cabeça? Perguntei com ansiedade.

__-humhum!.

.__O Saci? Renato parecia ter perdido o medo.

__humhum!

__Então o que era tio? Já estava impaciente.

__Ara, era Bastião primo nosso que morava numa roça pru perto, ele num creditava em sombração e ficava passando o tempo assombrano todo mundo. Muleque danado... Pior que o tinhoso.

Júnia Marx
Enviado por Júnia Marx em 25/03/2013
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