Ele, ela e o destino

Ele

Ele acordou e o sol que adentrava por sua janela machucou seus olhos azul piscina. Um cheiro forte de domingo pairava no ar. Macarrão com almondêgas. Levantou-se preguiçosamente, e caminhou descalço até o banheiro. No espelho, viu a derrota; e olhou-a por tanto tempo, que sentiu a mesma olhando-o de volta; encarando o fundo de sua alma rota. Abriu o guarda roupas e escolheu à dedo – tarefa muito difícil a julgar pela desordem em que se encontrava – a roupa mais bonita que achava ter.

Com um gosto excêntrico, vestiu uma camisa vermelha florida e uma calça igualmente colorida, de barras largas. Olhou-se no espelho, satisfeito. Vasculhou as caixas de sapatos de dentro do armário à procura de um cortador de unha; pois elas estavam longas e sujas. Cortou-as rente à carne, e pôs-se então a pentear seus cabelos, muito duros e oleosos.

Transcorreu cerca de uma hora até ele sentir-se totalmente feliz com sua aparência magra e ossuda. Ligou, então, para seu restaurante favorito e pediu sua pizza favorita: atum com catupiry e cebola. Aguardou-a ansiosamente e comeu-a assistindo Sociedade dos Poetas Mortos. Sem dúvidas, pensava ele, esse DVD tinha sido sua melhor aquisição em meses. Assim como, sentia-se feliz pela primeira vez em anos. Essa sensação era tão estranha que chegava a incomodá-lo. Uma ansiedade crescente o invadia.

De sua sacada, no alto do 13º andar, podia ouvir o vento uivando sombrio e ver um céu outrora da cor seus olhos, adquirindo um tom acinzentado e ameaçador. Bem, então era melhor que o fizesse logo, antes que começasse a chover, pensou ele.

Ela

Todos os domingos, ela levava Alice, sua filha de sete anos, na casa do pai. Eram separados desde que ela nascera, mas Rodolfo teve a decência de querer ver a filha crescer. Normalmente o apartamento estaria um caos, com os brinquedos da Alice espalhados por todos os cômodos – o que as levaria, ela tinha consciência disso, a chegarem atrasadas na visita à Rodolfo – porém desta vez, não querendo ter sob ela os olhares de censura do ex-marido; ela limpara a casa sábado à noite, e tudo estava em ordem para mãe e filha saírem sem imprevistos.

O destino

As portas do elevador se abriram. Um vento negro e fétido esbofeteou as bochechas de uma sorridente Alice, que, ignorando-o, correu alegremente ao jardim do condomínio, deixando para trás sua mãe.

Concomitantemente, no 13º andar, uma carcaça abriu as portas de vidro da sacada. Ele olhou em volta, e sorriu. Uma lágrima escorreu de seu rosto. Não sabia se de alegria ou tristeza, seus sentimentos, havia tempo, tinham se fundido numa massa cinza e porca, que ele costumava chamar de alma.

Ela seguia a filha que corria à frente, saltitando de alegria. Dobrou a esquina do jardim bem à tempo de sentir uma sombra rápida passando por ela. Olhou para cima e gritou. Uma massa vermelha florida despencava com tal velocidade, que ela nada pôde fazer. Alice estava esmagada debaixo de um saco de ossos e seu sangue fundia-se com a roupa vermelha do homem.

Seus joelhos cederam e bateram dolorosamente no chão de cimento, e seus olhos imediatamente encheram-se de lágrimas. Agora ela berrava à plenos pulmões; implorando à Deus para levá-la no lugar da filha. Porém, este estava ocupado; olhando para um ser magro de roupas vermelhas que sorria alegremente, dizendo que depois de tanto sofrer, finalmente algo bom acontecera: escolhera as roupas com que queria morrer.

Carol Santucci
Enviado por Carol Santucci em 09/03/2013
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