Dois corpos, um triangulo.
Um rio de lágrimas jorrou dos olhos daquele homem que encarava com ternura os olhos de sua mulher, que ali estava ajoelhada sob a mira de seu assassino. Ele olhava firme, na esperança de que tudo aquilo logo tivesse um fim, ele sabia que não havia volta, sua morte era uma certeza e sua angústia lacerante.
Ele não tinha nome, muito menos ela, eram figurantes daquela terrível realidade triangular, eram apenas vítimas, ou será que eram culpados e na verdade dos fatos o assassino era a vítima? Eram três, encarando-se pela verdade que apenas eles sabiam, um sentia-se dilacerado pela dor de toda uma vida de incompreensão, abandono, desprezo, indiferença, o desespero já o havia tomado por completo. O outro era corroído pelo rumo que sua vida havia tomado, perguntava-se o por que de ter sido tão permissivo, de não ter sido dono das rédeas, de permitir tanta liberdade, de perder sua autoridade, de não saber dizer não...eram tantos os questionamentos, "- por que, meu Deus, por que?" a dúvida pairava em sua cabeça, era ecoante, era dura, era viva, angustiante. A mulher, pobre dela, uma santa, enquanto todos estavam apreensivos, ela apenas olhava, rezava e as vezes até sorria, leve, terno, mas sorria!
Já estavam ali há horas, quase que completavam aquele cenário, eram móveis vivos, imóveis.
Munido de um machado, levantou-se tranquilo, aquele que daria fim ao triangulo que ali se formara. Andou em circulos buscando o melhor angulo para iniciar sua brincadeira, respirou fundo, trincou os dentes, empunhou o artefato, desferiu o seu primeiro golpe, firme e certeiro.
"-Porquê?" gritou o homem que piscou pela ultima vez ao sentir a lâmina cortar-lhe o pescoço, agonizava, tentava sentir o ar, estava frio, frio...não mais existia.
Limpou a sua vista, sem esboçar reação, sentou na cadeira ao lado do corpo ensanguentado, segurou a cabeça, como um prêmio, ajeitou-a na mesa, grampeou as palpebras. Tornou a ficar de pé, mirou a senhora que de olhos fechados, rezava, num tom baixo, aproximou-se, segurou-lhe o rosto, encarou-lhe nos olhos...
"-não se preocupe, está tudo bem" disse ela olhando-lhe nos olhos, em tom macio, e com toda ternura que sempre vivera, fechou os olhos e disse "-eu lhe dei a vida, e agora tu tiras a minha, está tudo bem, não te preocupas, fica em paz, meu bebê e nunca esqueça, mamãe sempre olhará por você".
Foram suas ultimas palavras, seu corpo fora encontrado pelos cômodos do apartamento, esquartejado. O machado estava sob a cadeira, ao lado do corpo decapitado do seu marido e, quanto ao homem que matara seus pais, estava deitado, abraçado ao travesseiro, dormia como um anjo, sem culpa, apenas dormia. (F.S)