PAISAGEM AMAZÔNICA

PAISAGEM AMAZÔNICA

Espremida entre a imensidão de floresta e água, a choupana de tabatinga parecia ao pescador ainda menor. Costelas de bambu à mostra, as paredes descarnadas confirmavam o prolongado abandono da palhoça à beira rio-rio, canelas finas de maçaranduba impedindo que o assoalho alto tocasse as águas da preamar. Na época da cheia lembrava mal e mal uma garça amarela, de pernas muito esticadas no último esforço para não molhar "os fundos".

Agora, tempo de verão, o casebre dormitava ao sol, espraiado sobre o areial piçarroso, tufos de capinzal aqui e ali, a hera invadindo-lhe o teto de cavacos de madeira enegrecidos pelos anos. Nela, um quadro a óleo retratava exatamente a paisagem lá fora, detalhe por detalhe, o minúsculo retângulo pontudo com boca, olhos e seis pernas encolhido entre monstros de fôlha e água.

O vulto, olhar triste, recordava o que fôra para êle aquela casa; sua vida, seu mundo, seu tudo. Os tempos de pequeno subindo com o auxílio da peconha -- espécie de anel de capim trançado pôsto entre os pés -- coqueiros de todo tamanho; os banhos pelado no rio com os primos (grandes já); a caçada aos caranguejos nas águas de março, cegando-os com mãozadas de lama que quase os pregavam no chão.

Ah, os bailes lá no Clube distante, a melhor roupa e o sapato protegidos num saco plástico, quilômetros e mais quilômetros a pé ou em bicicletas para uma noite de amor & prazer, os olhos brilhantes de emoção ao ver as luzes coloridas do "sonóro" e aqueles aparelhos estranhos transformando os cantores dos radinhos de pilha em presenças impressionantes floresta a dentro, na madrugada. E como gostava de apreciar aquele motorzinho de luz a gasolina (puf, puf, puf!) dando vida a tudo.

Depois cresceu e, bailes pra lá/bailes pra cá, a garota com quem dançava numa noite "dançou"... -- talvez já o tivesse feito com outros, não importa -- mas o pai soube e ela foi morar com êle, ali naquela casa. Tiveram filhos naquela casa, que conviveram com seus primos também naquela casa, pois na Amazônia cada moradia é quase uma tribo, nela cabem todos os que tiverem a mínima ligação com a família... e Deus dá um jeito no resto !

Um dia, vindo da cidade grande, apareceu o dono das terras onde seus bisavós nasceram. Onde seus avós criaram seus pais o papel do branco disse que não era ali... e tudo acabou. Onde êle estava (e estivera antes mesmo de nascer) êle não devia estar e, portanto, não podia ficar. Não compreendeu bem aquele papel e nem os homens atrás dele e ficou... todos os seus se foram, nesse excesso de respeito de seu povo pelo estranho e que, às vezes, mais parece covardia. Só êle ficou, mas não houve luta.

Só êle ficou... e aqui está até hoje !

O vulto se vira´pra a janela e vê lá fora alguém saltar duma canoa em direção ao coqueiro à beira d"água, onde está tôsca cruz sobre montes de pedra e terra. Sabe que o nome que o pescador lê ali é o dele. Já a data é antiga, muito antiga !

"NATO" AZEVEDO

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(Publicado no jornal DIÁRIO DO PARÁ, de Belém, em 18/dez. de 1990)

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OBS.: texto baseado em uma bela pintura que eu, jornaleiro em 1987/88, sempre via na casa de uma freguesa da rua WE 35, na C. Nova 4, bairro de Ananindeua, Pará.)

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MINHA VIDA, MEU CAMINHO

(em 26/11/1988)

I

Nasci ouvindo-te sussurrar

em noite enluarada

que se espelhava (brilhando)

no teu corpo úmido.

Cresci a teu lado

com meus pais e avós,

irmãos e amigos.

Brincamos todos juntos,

vivemos todos muito,

alimentados por ti e

caminhando contigo

todas as horas, anos sem fim.

Em tempo de estio

minguamos ambos.

Vezes sem conta, na cheia,

transbordamos fartos

de douradas, pratiqueiras,

pacamuns, siris e até côcos.

I I

Um dia, a estradinha ensolarada

nos trouxe homens e máquinas,

progresso e mudança, cobiça e ambição.

Para o branco, tudo o que tínhamos...

para nós, um futuro sem nada !

Então, tudo acabou numa explosão:

na terra dos antepassados, ouro e morte;

nos rios de todos nós mercúrio e morte.

Hoje, sou apenas cruz tôsca

ao lado deste rio

que já foi (como eu) Vida !

"NATO" AZEVEDO