Estrada da perdição

Saindo da capital rumo ao interior do estado no sentido oeste, passamos por vários vilarejos, dentre eles um chamado de Itacajari, de aspecto sombrio e com históricos de violência entre moradores, visitantes e viajantes. A verdade é que neste vilarejo mora uma família que é tida pelas autoridades local como uma família muito má, onde todos os seus integrantes tem histórico de violência e uma ficha corrida sem tamanho, portanto, tem no lugar também pessoas de bem, que as vezes se dão mau tentando ser bons.

Num determinado ano, no inicio do novo século, uma pessoa foi brutalmente assassinada naquela localidade, por motivo fútil e com requintes de crueldade, essa pessoa era trabalhadora e honesta, no entanto, o assassino não quis saber das qualidades da vitima, pois o fez se ajoelhar e deu-lhe um tiro no ouvido, fazendo o projétil atravessar seu crânio o que lhe causou morte instantânea.

Por conta desse e de outros crimes que lá acontecia e ainda acontece, aquela localidade é hoje um lugar assustador e abandonado, portanto é passagem obrigatória de quem tem que viajar para o Estado vizinho ou dele vir para capital. Não tendo conhecimento desse fato, tive que no ano de 2007 fazer uma viajem para o município e para minha surpresa e tristeza passei por aquela localidade no meio da madrugada, era uma noite chuvosa, como quase todas as noites do mês de março na região amazônica, já estava dirigindo a pelo menos 6 horas, já que a estrada não oferecia boas condições e o carro que dirigia estava carregado, na verdade um caminhão de pequeno porte e carregado com uma mudança, então parei por volta de três e meia da madrugada num lugar que mais parecia uma lanchonete, não tinha um bom aspecto, mas estava iluminada e vi um movimento interno que assemelhava-se a movimento de pessoas, no entanto, ao entrar percebi que só havia lá uma senhora idosa e um garoto de mais ou menos 12 anos, fiz uma saudação de bom dia e perguntei se tinha um café quente, pois gostaria se possível continuar a viajem. A velha senhora me serviu o café em um copo de vidro meio encardido, mas como estava mesmo precisando do café, não o recusei, tomei, mas estava com um sabor não muito agradável. Nisso a senhora se dirige a mim e diz:

O senhor não tem receio de continuar esta viagem? Se quiser pode passar o resto da noite aqui e quem sabe até o dia seguinte também, só depende do senhor!

Não muito obrigado pelo convite, mas preciso estar cedo com este caminhão no meu destino!

O senhor é quem sabe! Retrucou a bondosa senhora.

Ao sair fui direto para o caminhão que estava estacionado ao lado da referida lanchonete, neste momento vi, através do retrovisor, um vulto assustador o que me fez arrepiar dos pés à cabeça, mas como estava chovendo, ao mesmo tempo pensei que pudesse não ser nada alem da minha imaginação, no entanto ao tentar ligar o caminhão este não pegou, tentei por varias vezes até quase a bateria descarregar, resolvi então esperar alguns instantes ates de tentar novamente, neste momento pensei ter visto o vulto novamente, fiquei assustado, mas novamente pensei ser imaginação. Tentei dar a partida no caminhão, outra vez não obtive sucesso, já comecei a ficar apavorado e apreensivo em ter que passar a noite naquele lugar, mas pelo jeito, não teria outra alternativa. Sai do caminhão e retornei à lanchonete, a bondosa senhora, que a estas alturas já não sabia se era realmente bondosa ou uma bruxa, me recebeu e perguntou:

O que aconteceu meu rapaz, o caminhão não funcionou? Você vai ter que passar a noite aqui! Neste momento, percebi que ela deu um ligeiro sorriso com o canto da boca, como se já soubesse que eu não iria embora naquela noite. Então eu lhe respondi:

Pois é, infelizmente tenho que aceitar seu convite, não gostaria de lhes incomodar, mas pelo que vejo não tenho outra opção!

Ela então falou para que não me preocupasse, pois seria muito bem acomodado que nem perceberia o tempo passar e provavelmente até ficaria mais uns dias.

Então ela se dirigiu até um pequeno cômodo nos fundos da lanchonete e ali agasalhou para mim as acomodações para aquela noite. Colocou uma toalha limpa e uma pequena bacia com água para asseio e uma jarra com água fresca para beber, isso me fez ficar mais tranqüilo, mesmo que momentaneamente, pois naquele instante percebi que o garoto havia saído de cena e não sabia onde o mesmo estava, pois não havia outro local ali onde ele pudesse estar. Perguntei a senhora onde estava o garoto e ela respondeu:

Não se preocupe, ele dorme lá fora mesmo, em noite de lua cheia ele fica muito agitado e não consegue ficar em local fechado, principalmente se estiver chovendo como hoje!

Pensando no que ela falou, comecei a ter imaginações horríveis, será que ele se transforma em alguma fera? Ou será que ele é portador de alguma doença mental? Ou seja, pensei somente no pior e acabei não dormindo nada até porque quando já estava quase adormecendo ouvi uns gritos horríveis que me fizeram arrepiar até os cabelos do sovaco, então resolvi beber um bom copo d’água e estava tão boa que bebi três.

Pela manhã havia sangue perto da entrada da lanchonete e acabei por não me assustar com a cena, pois é como se nada tivesse acontecido e até que estava descansado e bem disposto, tanto que nem tive vontade de ir embora, olhei para o caminhão e nem me importei em seguir viagem, então a senhora chegou perto de mim foi quando percebi que ela não era idosa como havia imaginado na noite anterior, ela, ao contrario era jovem e até bonita, aliás bonita demais para os padrões daquele lugar. Daí não sei por que resolvi ficar mais uma noite, depois outra e mais outra. Já na quarta noite algo muito estranho aconteceu! Uma pessoa alta e negra com feições de homem trajando apenas uma sunga apareceu na porta do cômodo onde eu estava dormindo e ouvi-o dizer:

Se quer salvar sua vida vai embora agora mesmo!

Aquilo me deixou meio pensativo, imaginado se seria apenas um sonho ou ilusão da minha mente perturbada, então bebi uns copos d’água e adormeci que nem anjo.

No dia seguinte comentei com a bela jovem sobre o ocorrido, ela então falou que esse fantasma sempre aparece em noites chuvosas para pessoas que aqui param para dormir e acabam ficando mais do que devem.

Pensando no que ela falou, resolvi dizer que estaria de partida naquele dia e que no retorno pararia ali novamente, nisso ela faz uma cara de descontentamento e pede que eu não vá, então não sei por que resolvo ficar mais um pouco.

Nesta noite recebo a visita da tal aparição novamente, com o mesmo recado “se quer salvar sua vida vá embora agora mesmo!” fiquei apavorado e resolvi não dormir mais aquela noite, a jarra de água não estava no quarto então não bebi nada e ao amanhecer a bela jovem havia sumido dando lugar àquela velha e bondosa senhora, então lhe perguntei:

Onde esta aquela bela jovem que estava aqui nestes dias?

Ela então disse:

Aquela jovem teve que ir à fonte buscar água para sua jarra, ela irá demorar algumas horas para voltar.

Então resolvi me despedir daquela senhora e seguir minha viagem.

Ao entrar no caminhão este não deu a partida novamente, fiquei assustado e então falei pra senhora, vou ficar mais um pouco.

No entanto, aquela noite foi muito diferente.

Barulhos horríveis tomaram conta do lugarejo, o visitante misterioso não apareceu naquela noite e nem mesmo a jarra d’água estava no lugar, havia somente um copo com liquido avermelhado.

No dia seguinte pela manha havia sangue por toda lanchonete, marcas de briga e quebradeira, o garoto que sumira desde a primeira noite apareceu assustado e faltando uma das mãos que no seu lugar havia apenas um pedaço de pano cobrindo o ferimento, nem a bondosa senhora e nem a bela jovem apareceram mais, olhei para o horizonte no lugarejo e não vi viva alma, então me dirige até o caminhão e este deu partida e segui viagem.

Em determinado momento da viagem ouvi um estrondo na carroceria do caminhão, ao parar notei que a porta do baú estava aberta então resolvi verificar e pra minha surpresa lá estavam misturados à mudança o corpo esquartejado da senhora e a mão do garoto, apavorado voltei para a cabine do caminhão, e lá estava a bela jovem, dela exalava um perfume inebriante estava sensualmente vestida e me olhou profundamente e falou:

Eu sabia que você retornaria, estava a sua espera desde que você partiu!

Então notei que ela tinha dentes pontiagudos e seus lábios estavam sujos de sangue, quase me caguei de medo, no entanto ela pegou em minhas mãos e como se fosse um filme me vi transformado em um ser disforme com longos dedos e dentes pontiagudos como os dela e cometendo atrocidades, matando e sugando o sangue da bondosa senhora e depois lhe rasgando ao meio e o garoto ao tentar intervir cortei-lhe a mão.

Foi quando a bela jovem me deu um longo beijo e disse:

Vamos seguir viagem meu príncipe das trevas!

Macapá-AP, 22/02/2013

Bert Noleto

Bert Noleto
Enviado por Bert Noleto em 22/02/2013
Reeditado em 09/04/2013
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