O PRISIONEIRO

Ele estava preso e não sabia, aprisionado em si mesmo. Seguia sua simples rotina, acordava sempre com o canto do galo (nem um minuto a mais, nem um minuto a menos), tomava aquela caneca de café amargo e morno, que sempre sobrava da noite passada, lavava o rosto, escovava os poucos dentes que te sobrou na boca, ligava o rádio e sentava na sua velha cadeira de balanço. O som daquele velho rádio era a única coisa que se ouvia naquela casa fria de paredes tão brancas que pareciam de um hospital, uma casa grande com poucos móveis, vivia de janelas fechadas deixando sempre um clima meio sombrio, um lugar pouco convidativo.

Saia pouco, geralmente para ir ao banco buscar sua miséria de aposentadoria, ou para comprar cigarros e bebidas no boteco da esquina, tinha uma diarista para realizar as poucas tarefas do lar, na maioria das vezes a usava em outros serviços mais pessoais, porém com sua idade elevada, beirando os 70, eram cada vez menos frequentes seus atos de luxuria com aquela pobre e desesperada mulher.

Na hora do almoço era tudo um, um prato, um copo, uma colher, um garfo e uma faca, sentava-se só a mesa, no mais puro e inquietante silêncio, interrompido apenas pela sua torce seca, normal de um fumante, seus pulmões já estavam falhando. Depois do almoço pegava um cigarro e começava a fumar, tão quieto e pensante, estava preso e não sabia.

Tinha cabelos brancos, um rosto cheio de ruga, um olhar morto. Lembro-me, daquele velho homem que estava tão só, esperando sua única companheira chegar, a morte, que considerava sua fuga, sua liberdade, já não tinha boas expectativas, sonhos, não tinha nada, não tinha ninguém, família espalhada pelo mundo, filhos crescidos e morando bem longe, e sua esposa já tinha falecido, vitima de uma doença rara.

Nunca foi ter tantos amigos, pelo menos amigos de verdade, ficou velho, fraco, doente e esquecido, aprisionado em sua casa. Assistia televisão para matar o tempo, antes que o tempo o matasse, chorava poucas lágrimas antes de dormir, talvez de saudade, talvez de dor, e quem sabe de arrependimento, pois nunca imaginou terminar assim, tão sem ninguém, preso sem em si mesmo, nas piores das celas, mofando junto à solidão. Ás vezes ligava para os filhos, mas nunca recebia a visita deles, talvez por ser um pai rigoroso que bebia e fumava muito, um homem rude, que os reprendiam, que traia a mulher, que assustava com suas atitudes exageradas.

Essa solidão toda era como uma punição para ele, o tempo foi cruel, ele sabia dos erros que tinha cometido, mas como voltar atrás?Como refazer? Retratar? Pedir desculpas, ou até mesmo não cometer tudo que tinha feito, não há uma resposta, nossas atitudes são como um copo de vidro jogado ao chão, não tem mais conserto, não tem como voltar atrás e impedir dele se quebrar, não existe maquina que volte o tempo, cada minuto que passou, leva consigo nossas escolhas, e cada minuto que virá é o resultado delas.

Morreu assim velho, aos 73 anos, um câncer no pulmão finalmente o libertou daquela dor infinita, que a solidão causou, da agonia, do silêncio, de si mesmo.

Diêgo Vinicius
Enviado por Diêgo Vinicius em 16/02/2013
Código do texto: T4144093
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2013. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.