(Foto tirada do Google)

 

Eu sei que tem algo errado

 

Camuflando sua dor ele vivia, porque não podia aceitar seu sofrimento, que em sua concepção de vida e valores, significava fraqueza. Eu podia perceber pelo tempo que o conhecia, que algo no seu íntimo queria explodir, mas ele não deixava. Cresceu ouvindo seu pai dizer, homem não chora, só se for um maricas. Eu era um dos seus melhores amigos, brincamos e estudamos juntos, e tínhamos a mesma idade. Quando completamos doze anos, eu já não o via tanto, porque seu pai era muito rigoroso com ele. Quando não estava na escola, tinha suas tarefas estipuladas para fazer em casa, e ainda cursos de idiomas, aulas de judô e natação. Por isso só o via na escola. Ele já não ia mais à minha casa, nem eu na dele. Sei que seu pai queria garantir o seu futuro, mas era um tanto exagerado, e sua mãe era muito submissa ao marido, mas ao contrário dele, ela era muito carinhosa e meiga. E assim meu amigo cresceu, cheio de responsabilidades, não aproveitando sua infância. Formou-se em advocacia, e com vinte e três anos de idade começou a exercer sua profissão. Eu trabalhava com meu pai em sua concessionária, cuidando da parte burocrática e também como vendedor.    Continuamos nossa amizade e de vez em quando nos encontrávamos para tomar um chope e bater um papo, como também às vezes no clube de natação, pois eu também me exercitava. Por causa do trabalho, ele parou de praticar judô, porque também não gostava muito.

Fábio que era seu nome, tinha se casado com uma linda moça há oito anos, logo depois que se mudou da casa dos pais, e já tinham uma filha de cinco anos. Eu era noivo, com planos de casamento para o próximo ano. Que eu saiba, esta moça foi praticamente a sua primeira namorada, pois nunca o tinha visto antes com a mesma garota, mais de uma vez. Uma noite que fomos tomar um chope depois da natação, eu puxei um pouco por ele, até porque estava óbvio que ele precisava desabafar com alguém.

            — Fábio, eu tenho percebido já algum tempo que você parece triste, e demonstra certo nervosismo, porque você anda até bebendo mais do que o usual. Sabe amigo! Eu te conheço há muito, e sei como é difícil para você se abrir, mas você também me conhece, né? Poxa cara, deixa eu te ajudar! Eu sei que tem algo errado!

Ele baixou a cabeça e pude ver que lágrimas escorriam pelo seu rosto. Então falei para ele que ia pagar a conta e que era melhor a gente conversar em outro lugar. Como o bar era perto do meu apartamento, fomos para lá. Ele sentou-se no sofá, e eu numa poltrona em frente a ele. Ele me olhou com os olhos lacrimejando e começou a falar.

— Você sabe né, cara, que minha filha Isabela já está perto de completar seis anos. Desde que ela completou dois anos, Aninha parou com a pílula. Bom, tudo normal na época, mas aí o tempo foi passando e comecei a estranhar, porque temos uma vida sexual bem ativa, e queríamos mais filhos, pelo menos mais um. Aí comecei a perceber também outras coisas, que a Aninha tem cabelos lisos e eu também, mas minha filha tem cabelos encaracolados, e olhos azuis. Aninha sempre disse que ela puxou seus avós paternos, que são holandeses. Bom, eu comecei a suspeitar, por isso peguei uns fios de cabelos da minha filha e fiz um exame de DNA, e o resultado foi que ela não é minha filha, e para completar fiz outro exame descobrindo que sou estéril; aí a explicação porque a Aninha nunca mais engravidou.

Ele não aguentou e começou a chorar, então me sentei ao seu lado e o abracei. Não falei nada até que ele se acalmasse. Depois perguntei se ele queria um copo de água e ele acenou que sim com a cabeça, então fui à cozinha pegar e esperei ele beber, depois falei:

— Você ama sua esposa, Fábio?

— Claro, cara! Você sabe que antes dela só tive aventuras, e que ela foi minha única namorada séria.

— Olha, eu acho que você tem que se abrir com ela, e saber o que aconteceu. Eu vejo como ela é com você e sua filha, ela te ama, cara! Vocês estão casados há oito anos, e isso aconteceu no começo do casamento. Você não se lembra de nada? De algum cara?

— Não, sempre estávamos juntos.

Mas ficou pensativo, e de repente se exaltou levantando e disse:

— Pera aí! Antes da Isabela, lembro-me que tive que viajar por uma semana a trabalho, e ela aproveitou para ir para a casa de uma amiga, pois estava de férias da faculdade. Era uma casa de praia em Saquarema. Lembro-me agora que voltou atordoada e me disse que nunca mais queria ver a amiga. Eu perguntei a ela o que houve, e ela respondeu que a amiga não era quem ela pensava, pois não era confiável. Eu como sempre, tão preocupado com meu trabalho, nem insisti muito. Sabe, Pedro! Você tem razão, só ela pode me dizer o que aconteceu. Eu te peço que não fale sobre isso com ninguém, por favor. De qualquer maneira me sinto bem melhor. Até meu pai já tinha notado, e eu disse que estava um pouco cansado, mas ele fez aquela cara, como se lesse meus pensamentos. Você sabe como ele é, e imagine sua reação ao saber de toda essa história. Minha mãe só disse, não trabalhe tanto filho, você acaba ficando doente. Eu vou conversar com Aninha, e te ligo para a gente conversar de novo. Você me ajudou muito, amigo. Eu estava mesmo precisando botar isso tudo para fora.

Bom... Ele foi para casa mais calmo, resolvido a esclarecer tudo com a mulher. Só sei que me ligou dois dias depois querendo falar comigo. Marcamos no meu apartamento, para depois do nosso trabalho. O interfone tocou. Era ele.

— Oi, Fábio, sobe aí!

Abri a porta da minha casa e ele parecia bem mais calmo.

— Oi, Pedro, tudo bem?

— Tudo bem, Fábio.

Sentamos para conversar, e ele estava ansioso para falar.

— Poxa, cara, ela chorou muito e disse que não sabia que a Isabela não era minha filha, e contou sobre o que aconteceu. Foi mesmo naquela semana que eu e ela viajamos. Ela disse que foi num sábado, e que sua amiga convidou dois caras, dizendo que eram primos dela, para jogarem buraco, e aí tomaram também cerveja, mas que lembrava que só tomou umas duas, e que acordou no dia seguinte sem roupa deitada na cama. Sua amiga disse que não sabia o que tinha acontecido, que acordou com os dois em sua cama, mas depois confessou que não eram seus primos, que os conheceu na praia, e que estava a fim de um deles, por isso os convidou, e achava que tinham colocado algo na bebida delas. Aí a Aninha começou a chorar, disse que não acreditava que tinha sido tão idiota, porque a amiga disse que eram dois primos e uma prima, e só vieram os primos, que a prima não pôde vir. Que não me contou com medo que eu não acreditasse, e por estar muito envergonhada também. Eu me lembro de que nunca mais ela falou com esta amiga. Ela me pediu perdão, que não queria me perder, que eu era o pai da Isabela, que ela me adorava, e que não se importava se eu não pudesse ter filhos, que poderíamos adotar uma criança, um menino, como eu tanto queria. Eu a conheço e acreditei nela, pois vi o sofrimento em seus olhos, o medo de que eu não acreditasse. Então a abracei, pois eu a amo muito, e ela é uma ótima esposa e mãe. Ela me disse que vai continuar só lecionando de manhã, para poder cuidar da nossa casa e nossa família. Eu disse para ela que ninguém precisava saber que Isabela não é minha filha, só mesmo se for por imposição do destino, mas que por mim, eu a perdoava, que a amava muito.

— Que história, cara! Eu também acredito. Fico feliz que tudo terminou bem. Eu ouço muito sobre este negócio de colocarem droga em bebida, principalmente em boates. Você pode ficar tranquilo, que esta conversa morre aqui. Estou muito aliviado também, porque percebia o quanto você estava sofrendo.                                                                                                     

E assim o mistério acabou e tudo voltou ao normal. Continuamos nossa amizade sem falar mais no assunto. Casei-me no ano seguinte, e começamos a frequentar mais a casa de um e de outro, para almoços, jantares, jogos e bate papos. E assim o tempo foi passando...

 

Fim

 
( Este texto é uma obra de ficção )
Fernanda Goucher
Enviado por Fernanda Goucher em 12/02/2013
Reeditado em 20/09/2023
Código do texto: T4136996
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