* SHAW DARKHOLME: PACTO DIABÓLICO ¹
[...] Fui amaldiçoado a viver em um universo sem brilho, na verdade, havia sido aprisionado além dos espelhos, e a cada noite, vagando por aquele universo sombrio, fazia visitas noturnas, onde podia apreciar a natureza humana, em seus mais sórdidos desejos, ou por vezes, em sua solidão mais profunda e intima. Assim, trilhava naquele universo, alimentando meu ódio pela vida, aprisionado por uma lenda na qual não acreditara estando vivo, e em uma noite, ao visitar um ambiente, fiquei deslumbrado com a beleza da jovem, que dançando na escuridão, exibia traços delicados, em uma silhueta formosa, delineada por curvas simétricas, onde toda abundancia e exuberância parecia haver esculpida por mãos habilidosas. Por um momento, dançando em meio a escuridão ao olhar em direção ao espelho, pareceu poder ver além de sua imagem refletida, uma sombra, algo que fez seu coração descompassar, apressadamente acendeu a luz, e a luminosidade fez com que apenas pudesse ver seu reflexo no espelho.
Do outro lado, fiquei olhando para aquele corpo, simetricamente desenhado, esculpido em uma formosura e delicadeza, que seria orgulho de qualquer grande artista, os olhos brilhantes e iluminados, poderia atrair qualquer homem, e naquela noite havia atraído minha atenção, irrestrita e total. Por longos minutos, a jovem ficou observando a silhueta refletida no espelho, por vezes, sorria maliciosamente, como imaginasse ser observada, ou soubesse que era apreciada em detalhes, em uma proximidade desconhecida por qualquer pessoa.
Após dançar sinuosamente diante do espelho por longos minutos, cansada, por um longo dia exaustivo de trabalho, e suada, começou a despir ficando apenas de lingerie, caminhou pelo quarto, movimentando todo corpo, em movimentos sinuosos, lentos e provocantes, como sentisse estar sendo observada. Foi para o banho, e trilhei pelos caminhos sombrios além do espelho em busca do que havia no banheiro da casa dela, ao encontrar, podia vislumbrar a silhueta formada atrás do vidro folhado do chuveiro, alisava todo corpo, com movimentos delicados, eu queria poder atravessar, ser materializado alem do espelho e surgir próximo dela, os longos cabelos úmidos, parecia moldar a pele, em uma tatuagem castanho avermelhada, como uma serpente envolvendo sua pele, em um abraço úmido. Ao sair, a nudez atraiu ainda mais minha atenção, a pele reluzia, como emanasse um brilho próprio, uma luz que atraia toda minha escuridão.
A jovem alheia a minha presença, e absorta nos cuidados, cobrira o corpo apenas com uma blusa de renda bege, que realçou a pele morena, e saiu do banheiro, novamente fiquei perdido nos labirintos, em cada espelho, minha ansiedade em reencontra a jovem, fazia apressar, pude vislumbrar diversos ambientes, ansiando por voltar ao quarto dela, e poder estar mais perto, mesmo que aprisionado além do espelho.
Ao reencontrar o quarto, a jovem estava debruçada na janela, parecia olhar atentamente algum ponto distante, um lugar além do olhar dela, e ao voltar para dentro, apagou a luz, fazendo todo ambiente mergulhar na escuridão, permaneci observando aquele corpo formoso, deitado, envolto no lençol, que parecia querer adormecer, mas inquieta, como pudesse sentir minha presença, ou estivesse incomodada com algo, remexia sobre a cama, foi quando pude vislumbrar uma outra silhueta formada pelas sombras surgir, com um olhar soturno, voltou sua atenção para o espelho e sorrindo maliciosamente, indagou:
- O que faria para sair desse lugar amaldiçoado, meu caro?
- Qual o preço que pagaria por ser liberto desse universo sombrio?
Aproximei do espelho, aquela criatura, ofertava a possibilidade de deixar aquele lugar, um universo frio, que permitia ver o calor do outro lado, um lugar para onde fui enviado como castigo por ser audacioso, por ser e querer alcançar meus intentos, foi quando a criatura sorriu, e disse:
- Oferto a você a liberdade provisória de transitar entre os dois universos.
- Mas qual o preço para isso?
- Saberá com o tempo, e em momento oportuno, meu caro.
Aquela seria uma proposta tentadora, caso não soubesse que o preço a pagar, poderia ser proporcional a possibilidade de transitar entre aqueles dois universos, luz e sombras unidas em um uníssono universo, foi quando olhando para mim, a criatura sussurrou:
- Venha, sinta a liberdade.
- Seja livre.
Avancei passo a passo, e pude voltar a sentir o calor da realidade, o aroma que aquele ambiente possuía, um frescor e aromatizado, que fez minha pele eriçar, senti a brisa acariciar meu rosto, e a criatura diante de mim, sorriu e disse:
- Posso dar a você a liberdade.
- Mas quero algo em troca, algo muito raro.
Voltei meu olhar para aquela silhueta sobre a cama, a possibilidade de poder sentir o calor do corpo da jovem, o cheiro e gosto da pele, apreciar milimetricamente cada sinuosidade do corpo dela, fez com que não hesitasse em responder:
- Aceito!
A criatura sorriu, voltou o olhar para o corpo da jovem e aproximou da cama, pareceu flutuar, e parando bem próximo da cama, disse:
- Hoje você retornará para o espelho
- Mas na próxima lua cheia, poderá ser livre de seu cárcere.
- Esse calabouço amaldiçoado onde estivera preso por tanto tempo.
Aquele acordo havia sido selado, aquela criatura havia ofertado a oportunidade de adentrar a realidade, mas iria descobrir que para toda redenção, para toda satisfação havia um preço, um custo que poderia ser de redenção ou maldição, e em cada noite, em que sombras e luz pudesse encontrar, a morte viria em meu encalço, buscando pelo seu justo benefício. Após aquela noite, ansiava por poder sair do espelho, e estar próximo daquela jovem, mas havia apenas uma condição, naquele acordo sinistro, que iria descobrir, e saberia que em cada noite, noite após noite, aquela liberdade iria custar a vida, de alguém, em um ritual de prazer e morte.
- Shaw Darkholme