Calibre 12 - Parte I

Cheguei por voltas das onze da noite. Terno preto, camisa branca. Meu tipo não chamava mais atenção naquele lugar desde a década de noventa. Aquelas vielas imundas ficaram famosas naquela época. Engravatados buscavam, ali, o prazer que perderam em algum lugar da vida enquanto estavam preocupados com a capa de couro dos bancos da mercedes nova.

A cada passo, um novo ruído vinha dos inúmeros becos escuros. Sinceramente, na primeira vez que estive naquele lugar não era assim. Ou talvez era, cara. Eu fui um dos patrocinadores daquele lugar. Cliente assíduo. Minha fome por morfina emocional me cegara. Não percebera a água do poço sob os meus pés. Lúcido, percebo o quão longe cheguei a ir.

Uma coisa não mudou: estava sentindo dezenas de olhos sobre mim. Ansiedade, claro. Mais isso não era verdade. Sabia que não havia ninguém mais que homens armados em cada porta chamativa daqueles becos. Se ouvisse um gemido, saberia que era mais um sujeito jogado em meio aos sacos de lixo. Por alguns segundos poderia calcular se fora jogado de algum andar ou se fora mais um que abusara de cocaína.

Em sete minutos, que mais pareceram dois anos, cheguei à porta preta. Amigo, confesso que quis voltar. Não fazia sentido ela ter me ligado daquela maneira na noite anterior. Minha mente fugia do controle. Lembranças me atormentavam. Eu a imaginava deitada e perfurada por três balas de calibre 38. Mente maldita. Eu abriria a porta e conversaria. Não havia acontecido nada. Meu autocontrole falhava miseravelmente.

Levantei a mão direita em direção à porta. Como se o destino quisesse repetir curiosamente a primeira vez que estive ali, a porta se abriu antes de eu lograr tocá-la. Puta merda, ela estava linda. Desafio você a me explicar como, após vinte anos, uma pessoa é capaz de não mudar nada. Nenhuma olheira. Nenhuma marca no rosto. Parceiro, não se esqueça que ela era uma prostituta.

Com um ar sério e olhos que me diziam que precisavam me ver, ela fez um sinal vagarosamente com a mão. Entrei. Ela fechou a porta como se estivesse prestes a cometer um assassinato. Ela Tremia. Eu não dizia uma palavra. O fato de ela estar com medo e eu não saber o motivo me assustava ainda mais. Mas não deixava isso transbordar por sinais perceptíveis. Minha mão girava a chave no bolso incontrolavelmente. Minha face era de um guarda real britânico.

No primeiro “a”, ela chorou. Olhei ao redor. Lembrei-me da última vez. Parecia que um ar jovial havia entrado por aquela janela que antes fora quase esquecida por estar sempre trancada com um cadeado de dez centímetros. Voltei meu olhar a ela. Estava se recompondo. Meu autocontrole voltava.

“Eu não conseguirei lhe explicar” ela balbuciou. “Você me chamou aqui... vamos”. Eu disse.

Tratei-a com rispidez. Era um modo de me proteger, de não parecer fraco, com medo. Foi algo imaturo, eu sei, cara. Mas você já fez isso. Não minta para si mesmo. Eu estava, de fato, com medo. Não fazia ideia do que poderia ser. “Pare, mente maldita” eu pensava. Meu autocontrole novamente me dizia adeus.

“Adriana” ela chamou, olhando para o corredor a minha esquerda.

Esse chamado me destruiu. Entendi tudo. Por todos esses anos, cara. Naquele momento minha mente superava em muito a de um usuário de cocaína. Eu estava alucinado. Não, não poderia ser. Eu não poderia ter uma filha. Não depois de tudo que fiz. Não, definitivamente não.

Eu fiquei estático fitando o pranto dela. Não queria me virar. Não sabia o que me esperava. Não, não sabia mesmo. Poderia não ser uma mulher que fosse minha filha. Poderia não ser uma mulher.

Não tinha vindo até ali para me esquivar de decisões. Minha pressão aumentava. A gota de suor que descia pela minha têmpora me denunciava. Num movimento de pálpebras, onde tudo o que se queria era avistar era destino, ignorando o caminho, me virei...

Domenato
Enviado por Domenato em 21/01/2013
Código do texto: T4097531
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