* SHAW DARKHOLME: INTIMIDADE SOMBRIA ¹
Inverno rigoroso, o vento gélido, parecia cortar a pele, poucas pessoas ainda permaneciam perambulando pela cidade naquela noite, eram quase meia noite, noite de lua cheia, Anya deixara o emprego no presídio estadual, era psicóloga forense, formada há seis anos, trabalhava com os criminosos mais cruéis e sanguinários do sistema prisional, e estava acostumada com relatos minuciosos dos criminosos, a principio ficara horrorizada, mas com o tempo, aprendera a lidar com a situação, e gostava do que fazia, principalmente por que sabia que a maioria daqueles algozes, permaneceriam aprisionados por toda vida. No estacionamento, enquanto tentava encontrar as chaves na bolsa, sentiu como estivesse sendo observada, ficou em alerta, embora soubesse que os patrulheiros rondava o local a cada dez minutos, salvaguardando a segurança dos profissionais da instituição prisional.
Abriu o veiculo e sentou a direção, imaginando um banho quente e o aconchego da cama, geralmente dispensava jantar, haja visto que sempre tinha pesadelos terríveis, e relacionava esses pesadelos a refeição, dirigiria por aproximadamente uns quinze minutos até o destino, um prédio localizado no centro comercial da cidade, que dividia com uma amiga, aeromoça de uma empresa aérea conceituada, e que apenas duas vezes na semana dormia no apartamento. Estacionou o veiculo na garagem do edifício, apanhou as bolsas no banco traseiro, e ao desembarcar, antes de fechar a porta, sentiu novamente que estava sendo observada, era uma sensação estranha, e que estava ocorrendo com freqüência, tentava amenizar alegando cansaço e fluxo de trabalho, principalmente por que lidar com criminosos classificados em grau máximo de periculosidade mantinha um profissional em estado constante de estresse.
Caminhou até o elevador, ouvindo o ruído do salto do sapato batendo contra o piso, que ecoava por todo ambiente, no elevador novamente a tranqüilidade e ao abrir a porta do apartamento, descobriu que alexia estava em casa. O aroma aprazível, orginado da cozinha significava que não resistiria ao jantar preparado pela amiga, e ao entrar na cozinha, surpreendeu alexia, dizendo:
- Boa noite, tudo bem com você?
- Boa noite, estava preocupada, sabe que horas são?
- Meia noite e quinze, por que?
- Não deveria estar em casa?
- Sim, mas tive um contratempo...
- E você, o que faz na cidade?
- Bem, desembarquei há duas horas...
- Tivemos problemas com alguns passageiros...
- E fomos substituídos por um novo comissariado de bordo.
- Assédio?
- Não. Mas não quero falar sobre isso...
- Tudo bem, e o que temos para o jantar?
- Um macarrão com queijo, vinho, e peixe...
- Nossa, está pronto?
- AInda não.
- Então vou tomar um banho...
- Tudo bem, fico esperando por você.
Anya entrou no quarto, desfez das roupas e entrou sob a água quente, precisava de um banho para amenizar o cansaço, foram longos quinze minutos, e após sair do banheiro, escolheu uma bermuda e um blusão para poder jantar. Escovava os cabelos diante do espelho, quando a janela do quarto foi repentinamente aberta por uma rajada de vento, um vento gélido, que fez todo seu corpo arrepiar, apressou em fechar a janela, que tinha certeza havia sido trancada na manhã anterior, antes de sair para o trabalho. Ao retornar para a cozinha, alexia apreciava uma taça de vinho, ouvindo musica e dançando sozinha, um hábito normal para um jovem no auge de seus vinte e cinco anos. Recomeçaram a conversar apreciando o jantar, e alexia parecia pensativa, foi quando anya, indagou:
- Que foi, algum problema?
- Nada, tudo bem.
- Parece preocupada...
- Não é nada, foi apenas um pensamento triste.
Alexia permaneceu em silencio, sorveu um gole generoso da taça de vinho, e sorrindo disse:
- Mas amanhã, é outro dia, não é mesmo?
- Com certeza.
Mal havia terminado o jantar, e o aparelho celular de Alexia toca insistentemente, que parecendo querer ignorar esperou pela terceira chamada consecutiva, e ao atender, afastou de anya dizendo:
- Não, eu não posso...
- Por favor, amanhã conversamos, tudo bem?
- Mas agora? Não posso sair hoje...
- Tudo bem, em uma hora, no mesmo lugar?
- Não, apenas vamos conversar...
Alexia encerrou a ligação, e ficou andando de um lado para o outro, e Anya preocupada com a atitude da amiga, indagou:
- Algum problema, Alexia?
- Não, nenhum...
- Preciso sair.
- Onde vai a essa hora da noite?
- Depois conversamos, tudo bem?
- Tem certeza que não é nenhum problema?
- Não quer minha companhia?
- Posso ir com você!
- Fica tranqüila, Anya.
Alexia beijou ternamente o rosto de Anya, e foi para o quarto, retornando uns quinze minutos depois, completamente transformada, exalando uma sensualidade que parecia haver produzido para mais do que uma conversa, Anya ainda insistiu, dizendo:
- Tem certeza que não precisa de companhia?
- Quer que espere você chegar?
- Não precisa, espero não demorar...
- Qualquer coisa, entre em contato.
Anya demonstrou preocupação com a atitude de Alexia, ao ponto de expressar no semblante, foi quando Alexia sorrindo, apanhou a chave e disse:
- Não tem problema algum.
- E se tivesse levaria você comigo.
Alexia abriu a porta, e saiu rapidamente, Anya permaneceu sentada no sofá, imaginando que assunto poderia arrancar Alexia do conforto de casa, e ir ao encontro de alguém. Foram longos minutos, absorta em pensamentos, e resolveu ir dormir, teria mais um dia de trabalho e precisava realmente descansar.
Deitou de bruços, ouvindo o ruído do vento, e adormeceu em seguida. Anya teve um pesadelo horrível, acordou sobressaltada, ainda com as lembranças vividas em sua mente, estava caminhando pelos corredores da instituição prisional, quando foi convocada para reconhecer um corpo, ao descobrir o cadáver, assustou com o corpo de Alexia, completamente pálida e mutilada, estava seminua, os arranhões pelo corpo indicava um ataque feroz, no relatório da policia, o corpo havia sido encontrado em um posto de gasolina, dentro do veiculo, pelos sinais e marcas no corpo, parecia haver debatido e lutado com seu agressor, mas foi subjugada, marcas vermelhas espalhadas pelo pescoço, rosto e braços indicava que havia sido dominada, e alguns peritos estavam suspeitando de um crime sexual, haja visto que estava seminua.
Anya levantou e foi até o quarto de Alexia, que para alivio, estava dormindo profundamente, caminhou pelo apartamento, e novamente sentiu aquela sensação inquietante, de estar sendo observada. Ficou parada no corredor, durante alguns segundos, e pareceu vislumbrar uma sombra caminhar em direção ao imenso espelho da sala, uma caminhada de passadas lentas, como esperasse ser acompanhado.
Foi a cozinha, e preparou um copo de água para tomar um cha, acompanhado de um comprimido, assim poderia dormir mais tranqüila, mas não conseguia deixar de pensar na imagem da amiga, morta em uma sala fria, tendo suspeita de haver sido assassinada.
Anya voltou para cama, mas não conseguiu dormir, e viu o sol nascer, levantou e após um banho rápido, preparou para sair, e dirigiu até o instituto prisional. Diferentemente de outros dias, os prisioneiros estavam agitados, ao ponto de um funcionário ser atacado, e quase ser morto, toda aquela agitação teve uma repercussão, infelizmente teve que permanecer até mais tarde no instituto prisional. Eram quase vinte e três horas, quando reunia seus pertences pessoais, foi interrompida pelo diretor do instituto que disse:
- Anya, preciso falar com você em minha sala, agora.
- Diretor Carter, o que houve?
- Algum problema?
- bem, venha a minha sala.
- É um assunto delicado, por favor, venha comigo.
Anya percebeu todo nervosismo e apreensão do diretor, que era um sujeito sissudo, mas possuía um bom coração, digno e honesto, não foi corrompido pelo sistema, estava próximo da aposentadoria por tempo de serviço, e era respeitado por prisioneiros e funcionários, e acompanhou até a sala da direção, e ao entrar, o diretor, foi até a mesa, e ficou olhando para o rosto dela, e disse:
- Sente, minha jovem...
- Não, o que está acontecendo, diretor?
- Preciso dar uma noticia para você.
- Que notícia é essa?
- O que houve?
Anya imaginou que o pudesse ser algo relacionado aos acontecimentos do dia, inclusive por que um funcionário subordinado a equipe dela, havia sido ferido durante o exercício do trabalho, e tentou falar:
- Diretor, estou ficando nervosa, o que houve?
- Anya, fique tranqüila...
- Quero que fique calma!
Anya aproximou da mesa, e olhando para o diretor, percebeu toda tensão no rosto dele, era uma boa profissional, e sabia que toda aquela ausência de tranquilidade dele, significava algo grave, foi quando indagou:
- Diretor, o problema é comigo?
- Não, minha jovem...
- E não sei como falar a respeito disso...
- Disso o que?
- Sente, por favor! E vou contar o que precisa saber.
Anya ficou quieta, ouvindo o relato do diretor Carter, que falava a respeito de um crime ocorrido na cidade, durante a perícia do local, foi constatado que a vitima havia sofrido uma agressão muito grave, e que apenas foi reconhecida pela analise das impressões digitais, o rosto havia sido desfigurado, foi quando concluiu, dizendo:
- Você conhece Alexia Blackwood?
- Alexia?
- O que houve, Diretor?
- Onde está minha amiga?
Anya suspirou profundamente, sendo acometida das lembranças do pesadelo, e levantando da cadeira disse:
- Sim, é minha amiga...
- Foi encontrada morta em seu apartamento.
- Morta?
- Sim, morta! O corpo foi removido para o Instituto de Criminalística.
- Não pode ser, estava bem hoje de manhã...
- Você tem certeza?
Anya suspirou novamente, passou a mão pelos cabelos, e abaixou o rosto, na verdade, não tinha certeza, havia visto apenas a silhueta do corpo sob o lençol, parecia dormir, e não querendo incomodar, apenas cerrou a porta, e indo em direção a porta, indagou:
- Quero ir ao instituto de criminalística...
- Não acredito que possa entrar nesse horário, minha jovem...
- Mas vou ligar para um amigo.
- Quem sabe não possa ajudar você.
Anya cruzou os braços, esperou pela ligação e sentia remorso por não haver tido cuidado em verificar antes de sair, de saber o que acontecera após a ligação da noite anterior, e abrindo a porta disse:
- E conseguiu falar com quem precisava, Diretor Carter?
- Sim, Dr. Smith, irá receber você.
- Mas tenha calma! Ouça o que precisa saber.
Anya atravessou todo complexo prisional, com passos rápidos, chegou ao estacionamento e antes de abrir a porta do veiculo, sentiu a presença novamente, parecia mais perto naquele momento, e respirando fundo, disse alto:
- Maldição! Maldição!
Sentou diante da direção do veiculo, e saiu rapidamente, indo parar no Instituto de Criminalística, onde foi encaminhada por um funcionário a sala do Dr. Smith, que recebendo a jovem, disse:
- Anya, espero poder ajudar.
- O que quer saber?
- Preciso ver minha amiga.
- Não acredito que esteja morta!
- É mentira, isso não está acontecendo!
- Calma Anya! Fique Calma!
- Espere um momento.
Após uma ligação, Dr. Smith acompanhou Anya até o necrotério, onde um funcionário abriu uma gaveta, e descobrindo o corpo da mulher, disse:
- Nunca imaginei que um ser humano pudesse fazer algo parecido...
- É impressionante, a profundidade e simetria dos cortes...
- Além da quantidade de ferimentos e lesões...
- E parece que o crime ocorreu durante horas.
- Qual foi o tempo estimado da morte?
- Aproximadamente seis horas...
- Fomos informados por um vizinho que a porta estava arrombada...
- E ao entrar o oficial descobriu o corpo.
- Foi encontrada alguma lãmina?
- Qual foi o tipo de arma utilizada?
- Bem, a perícia não localizou a arma...
- E pode ser qualquer tipo de lâmina.
- Havia digitais?
- Apenas duas por todo apartamento...
- Duas?
- Sim, da vitima e de uma outra pessoa...
- Do agressor?
- Não sabemos, ainda iremos investigar.
Anya saiu do necrotério, amparada pelo Dr. Smith, que tentava amenizar e confortar a jovem psicóloga, que começou a chorar, dizendo:
- Como alguém pode fazer isso com uma pessoa?
- Calma, minha filha!
- Calma?
- Mnha amiga está morta.
- Completamente mutilada e deformada.
- E pior, sonhei que estava na noite passada...
Anya permaneceu em silêncio, e após uma breve conversa com Dr. Smith, deixou o Instituto de Criminalística, retornando ao apartamento onde morava, ao subir descobriu que a porta havia sido lacrada, e que não poderia dormir no local até as investigações serem encerradas.
Perambulou pelo estacionamento durante aproximadamente uma hora, e decidiu voltar ao Instituto Prisional, onde pelo menos poderia tomar um banho e descansar, eram quase quatro horas da manhã, e ainda não havia dormido, embora tivesse certeza absoluta que não iria poder repousar, ainda recordava do pesadelo da noite anterior, e a imagem da amiga, naquele necrotério gélido, um cadáver, vitima da bestialidade sanguinária de um psicopata.
Anya estacionou o veiculo, e em meio a neblina, vislumbrou a silhueta de uma pessoa, que permaneceu parada, apenas observando, fez um gesto com a mão, e começou a afastar lentamente. Anya imaginou ser algum dos seguranças, e caminhou até a entrada dos funcionários, e entrou indo falar com o Diretor Carter, mas sem imaginar ou sonhar, que seria o período mais sombrio e tenebroso em sua vida, e que iria mudar para sempre todos seus conceitos sobre vida e morte.
Anya nunca poderia imaginar, que um pesadelo, fosse apenas e somente uma premonição de morte, e que ao redor dela, uma criatura sombria e sanguinária começaria um jogo de sedução, morte e terror.
* Damien Lockheart / 2012