A Barreira da Comunicação - reeditado
Jeremias estava sentado sob uma de tantas frondosas bananeiras que compunham aquela região imensa e desconhecida. Não fora a falta de avisos que o fizera saber-se agora perdido e sem perspectivas de achar o caminho de volta para a cidade. Os pés estavam avermelhados do muito que já havia caminhado até chegar aonde se achava naquele momento. Por sorte encontrara aquele refúgio para descansar um pouco e ver o que faria em seguida. Não tinha mais do que a roupa do corpo: uma bermuda Jean, uma camiseta vermelha de mangas e um tênis branco já agora encharcado de lama. Abrigara-se ali para esperar pelos primeiros pingos de uma chuva que se anunciava. Enquanto apreciava, meio que absorto, o pequeno córrego a sua frente, ia pensando no que fazer para sair desta situação inesperada. O vento, com a pequena refrega impulsionada pela mudança brusca do tempo, lançava, das árvores em derredor, folhas enegrecidas, já quase mortas, e parte delas caía na correnteza que as transportava; isto criava um rumor contínuo e refrescante. Jeremias olhava para essas folhas que voavam feito pétalas quando se desprendiam dos galhos, mas com o pensamento distante e o espírito aflito, carente de um consolo.
Há duas horas ou pouco mais se afastara do grupo; a excursão para ele e para os outros havia chegado ao fim, pois a preocupação devia rondar a todos. Para onde quer que olhasse não via mais do que árvores, pequenos córregos e algumas trilhas. Para um dos lados, uma imensa área de bananeiras formada por longas filas, com cachos enormes e abundantes; alguns, sem os corações, entortavam-se, quase tocando o solo, proporcionando um magnífico espetáculo. Frutos de um amarelo vivo, totalmente maduros para serem colhidos. Esta visão deve ter animado um pouco Jeremias que esboçou um leve e momentâneo sorriso. A área, muito bem cuidada, indicava que por perto haveria gente. A chuva apertou, o céu se encheu de trovões; ele se encolheu um pouco mais para dentro da bananeira, puxou contra si uma de suas enormes folhas e com este gesto se protegeu ali dentro, tremendo de frio e cheio de incertezas. Passaram-se quase quarenta minutos até que aquela atmosfera se dissipasse e só então Jeremias resolveu se arriscar um pouco mais e ver até onde o levaria a sua intuição.
Caminhou entre as fileiras esverdeadas, puxando, vez ou outra, uma banana, saboreando-a e lançando, por trás da cabeça, as cascas, se sentindo bem e revigorado com esta ação saudável de ingerir frutas. O caminho descia por uma encosta um tanto íngreme. Ao fim desta, uma estrada de terra. Nenhum sinal de veículos. Viu, no entanto, os primeiros sinais de civilização, o que há horas não acontecia. Além da estradinha telhados vermelhos e inclinados iam surgindo à visão de Jeremias à medida que ele descia a encosta. Depois vieram as janelas, todas iguais, com cortinas de renda branca; algumas afastadas expunham os mosquiteiros ou uma visão rápida do interior velado, impenetrável devido à distância. Dividiam essas casinhas muros baixos com emboços; para tirar a monotonia de alguns havia a hera verde que se alastrava encobrindo tudo. No lado de dentro, pequenos jardins ornamentavam as frentes das casas; chafarizes, duendes, quedas d’água artificiais, roseiras floridas formavam a criatividade dos moradores em aproveitar pequenos espaços.
Toda esta área ficava num trecho de pequena elevação que se perdia nas faldas de uma montanha. Eram várias ruas arborizadas com calçamento de pedra. Aqui e ali um automóvel estacionado sobre a calçada. Um começo de alegria fez Jeremias apressar um pouco mais suas passadas. Desceu o barranco, deslizando a sola do tênis molhado sobre a terra fofa com o perigo de escorregar e rolar desgovernado; mas se conteve a tempo e chegou embaixo. Aproveitou uma das poças que se formaram ali e limpou a lama de sua bermuda e melhorou a aparência do tênis. Cem metros adiante na estrada havia um contorno para automóveis sobre trecho limpo e asfaltado. Ele foi para lá, ganhou a rua do outro lado e penetrou no pequeno vilarejo; sua esperança era conseguir ajuda ou informações sobre onde se achava e como reencontrar ou fazer chegar até si os seus companheiros de excursão.
- Moço, o senhor poderia me ajudar? Faço parte de um grupo que está excursionando pela floresta e acabo de me perder; sequer sei onde estou.
Jeremias percebeu pela expressão do senhor de idade, que parara sua caminhada para lhe dar atenção, que ele não compreendera uma palavra do que fora dito. Algo estranho estava ocorrendo. É certo que o aspecto das casas e do lugar diferia um pouco de tudo que lhe era familiar em sua pequena cidade natal. Pensou que poderia ter parado no meio de alguma tribo indígena. Mas nem o panorama tampouco o homem que tinha a sua frente se assemelhavam a isto. Tentou mais algumas frases e constatou tratar-se de pessoa estrangeira.
Esforçou-se então, através de gestos, em descrever a sua situação, mas não obteve sucesso. Sendo assim, desistiu; deixou para trás o homem e seguiu caminhando. Virou em uma rua, agora com algum movimento. Havia comércio, pessoas que circulavam em bicicletas, residências coloridas em ambos os lados, senhoras em cadeiras sobre a calçada fugindo do calor que fazia dentro de casa. Aproximando-se de um letreiro, Jeremias, mesmo sem compreender o que dizia, reconheceu, por causa de uma palavra, o lugar onde se encontrava. A população negra, a língua que não compreendia, mas que sabia ser o francês e a palavra ‘Guiana’ ao final de uma frase de padaria esclareceram seu paradeiro.
Desprendendo-se do grupo e caminhando a esmo acabou por atravessar um trecho de mata amazônica que divide o Brasil da pequena Guiana Francesa. Viu-se, por momentos, desesperado, sem saber o que fazer, a quem recorrer e, acima de tudo com o grande empecilho da língua para se fazer entender. Com muito custo, diante de um casal que percebera sua agonia e o convidara a se sentar com eles, Jeremias tinha diante de si, além do casal, um copo com refresco, um sanduíche e o desafio de explicar o que o levara até aquele local. Encaminharam-no então a uma agência de turismo das proximidades e somente ali teve o auxílio certo e a solução para o seu problema.
Isto marcou demais a vida de Jeremias, um ainda adolescente de quinze anos. Decidiu que, daquele dia e diante, jamais a barreira do idioma o impediria de se fazer entender; e o francês seria o seu primeiro desafio. Estudou-o afincadamente e, aos vinte e um, dominando-o perfeitamente, estabeleceu-se na própria Guiana Francesa dando continuidade à carreira de agente de turismo. Hoje, aos trinta e três, comanda seu próprio negócio, administrando um dos maiores e mais populares hotéis daquela simpática região. Tudo partiu de uma ideia surgida após um percalço na vida de Jeremias, mas que serviu de trampolim que ele soube muito bem aproveitar para ser o homem bem sucedido que é hoje.
Jeremias estava sentado sob uma de tantas frondosas bananeiras que compunham aquela região imensa e desconhecida. Não fora a falta de avisos que o fizera saber-se agora perdido e sem perspectivas de achar o caminho de volta para a cidade. Os pés estavam avermelhados do muito que já havia caminhado até chegar aonde se achava naquele momento. Por sorte encontrara aquele refúgio para descansar um pouco e ver o que faria em seguida. Não tinha mais do que a roupa do corpo: uma bermuda Jean, uma camiseta vermelha de mangas e um tênis branco já agora encharcado de lama. Abrigara-se ali para esperar pelos primeiros pingos de uma chuva que se anunciava. Enquanto apreciava, meio que absorto, o pequeno córrego a sua frente, ia pensando no que fazer para sair desta situação inesperada. O vento, com a pequena refrega impulsionada pela mudança brusca do tempo, lançava, das árvores em derredor, folhas enegrecidas, já quase mortas, e parte delas caía na correnteza que as transportava; isto criava um rumor contínuo e refrescante. Jeremias olhava para essas folhas que voavam feito pétalas quando se desprendiam dos galhos, mas com o pensamento distante e o espírito aflito, carente de um consolo.
Há duas horas ou pouco mais se afastara do grupo; a excursão para ele e para os outros havia chegado ao fim, pois a preocupação devia rondar a todos. Para onde quer que olhasse não via mais do que árvores, pequenos córregos e algumas trilhas. Para um dos lados, uma imensa área de bananeiras formada por longas filas, com cachos enormes e abundantes; alguns, sem os corações, entortavam-se, quase tocando o solo, proporcionando um magnífico espetáculo. Frutos de um amarelo vivo, totalmente maduros para serem colhidos. Esta visão deve ter animado um pouco Jeremias que esboçou um leve e momentâneo sorriso. A área, muito bem cuidada, indicava que por perto haveria gente. A chuva apertou, o céu se encheu de trovões; ele se encolheu um pouco mais para dentro da bananeira, puxou contra si uma de suas enormes folhas e com este gesto se protegeu ali dentro, tremendo de frio e cheio de incertezas. Passaram-se quase quarenta minutos até que aquela atmosfera se dissipasse e só então Jeremias resolveu se arriscar um pouco mais e ver até onde o levaria a sua intuição.
Caminhou entre as fileiras esverdeadas, puxando, vez ou outra, uma banana, saboreando-a e lançando, por trás da cabeça, as cascas, se sentindo bem e revigorado com esta ação saudável de ingerir frutas. O caminho descia por uma encosta um tanto íngreme. Ao fim desta, uma estrada de terra. Nenhum sinal de veículos. Viu, no entanto, os primeiros sinais de civilização, o que há horas não acontecia. Além da estradinha telhados vermelhos e inclinados iam surgindo à visão de Jeremias à medida que ele descia a encosta. Depois vieram as janelas, todas iguais, com cortinas de renda branca; algumas afastadas expunham os mosquiteiros ou uma visão rápida do interior velado, impenetrável devido à distância. Dividiam essas casinhas muros baixos com emboços; para tirar a monotonia de alguns havia a hera verde que se alastrava encobrindo tudo. No lado de dentro, pequenos jardins ornamentavam as frentes das casas; chafarizes, duendes, quedas d’água artificiais, roseiras floridas formavam a criatividade dos moradores em aproveitar pequenos espaços.
Toda esta área ficava num trecho de pequena elevação que se perdia nas faldas de uma montanha. Eram várias ruas arborizadas com calçamento de pedra. Aqui e ali um automóvel estacionado sobre a calçada. Um começo de alegria fez Jeremias apressar um pouco mais suas passadas. Desceu o barranco, deslizando a sola do tênis molhado sobre a terra fofa com o perigo de escorregar e rolar desgovernado; mas se conteve a tempo e chegou embaixo. Aproveitou uma das poças que se formaram ali e limpou a lama de sua bermuda e melhorou a aparência do tênis. Cem metros adiante na estrada havia um contorno para automóveis sobre trecho limpo e asfaltado. Ele foi para lá, ganhou a rua do outro lado e penetrou no pequeno vilarejo; sua esperança era conseguir ajuda ou informações sobre onde se achava e como reencontrar ou fazer chegar até si os seus companheiros de excursão.
- Moço, o senhor poderia me ajudar? Faço parte de um grupo que está excursionando pela floresta e acabo de me perder; sequer sei onde estou.
Jeremias percebeu pela expressão do senhor de idade, que parara sua caminhada para lhe dar atenção, que ele não compreendera uma palavra do que fora dito. Algo estranho estava ocorrendo. É certo que o aspecto das casas e do lugar diferia um pouco de tudo que lhe era familiar em sua pequena cidade natal. Pensou que poderia ter parado no meio de alguma tribo indígena. Mas nem o panorama tampouco o homem que tinha a sua frente se assemelhavam a isto. Tentou mais algumas frases e constatou tratar-se de pessoa estrangeira.
Esforçou-se então, através de gestos, em descrever a sua situação, mas não obteve sucesso. Sendo assim, desistiu; deixou para trás o homem e seguiu caminhando. Virou em uma rua, agora com algum movimento. Havia comércio, pessoas que circulavam em bicicletas, residências coloridas em ambos os lados, senhoras em cadeiras sobre a calçada fugindo do calor que fazia dentro de casa. Aproximando-se de um letreiro, Jeremias, mesmo sem compreender o que dizia, reconheceu, por causa de uma palavra, o lugar onde se encontrava. A população negra, a língua que não compreendia, mas que sabia ser o francês e a palavra ‘Guiana’ ao final de uma frase de padaria esclareceram seu paradeiro.
Desprendendo-se do grupo e caminhando a esmo acabou por atravessar um trecho de mata amazônica que divide o Brasil da pequena Guiana Francesa. Viu-se, por momentos, desesperado, sem saber o que fazer, a quem recorrer e, acima de tudo com o grande empecilho da língua para se fazer entender. Com muito custo, diante de um casal que percebera sua agonia e o convidara a se sentar com eles, Jeremias tinha diante de si, além do casal, um copo com refresco, um sanduíche e o desafio de explicar o que o levara até aquele local. Encaminharam-no então a uma agência de turismo das proximidades e somente ali teve o auxílio certo e a solução para o seu problema.
Isto marcou demais a vida de Jeremias, um ainda adolescente de quinze anos. Decidiu que, daquele dia e diante, jamais a barreira do idioma o impediria de se fazer entender; e o francês seria o seu primeiro desafio. Estudou-o afincadamente e, aos vinte e um, dominando-o perfeitamente, estabeleceu-se na própria Guiana Francesa dando continuidade à carreira de agente de turismo. Hoje, aos trinta e três, comanda seu próprio negócio, administrando um dos maiores e mais populares hotéis daquela simpática região. Tudo partiu de uma ideia surgida após um percalço na vida de Jeremias, mas que serviu de trampolim que ele soube muito bem aproveitar para ser o homem bem sucedido que é hoje.