SMS

Era agosto e mais uma vez recomeçava as aulas na faculdade. Marcio seguia junto com sua namorada, Ana Claudia, pelo caminho de entrada da faculdade. Ele com cara de exausto, mais parecendo um soldado indo pra guerra, afinal iria voltar a velha e odiosa rotina de trabalho e faculdade, faculdade e trabalho. Ana Claudia por sua vez parecia uma criança numa loja de brinquedos, tudo era novidade, não é a toa, era seu primeiro dia de aula.

O calor de agosto era sufocante, o clima estava tão seco que partículas de poluição voavam em volta da luz, formando uma penumbra estranha e sinistra.

Os dois passaram o cartão pela catraca meio que por instinto, pois elas estavam liberadas nas primeiras semanas de aula do segundo semestre.

Andaram até a classe de Ana Claudia, um espaço que cabia mais de 100 pessoas. Ela estudava biomedicina. Marcio deu um leve beijo em seus lábios e nem teve tempo de observar o paraíso que era a sala, 90% composto apenas por mulheres, muitas delas, lindíssimas. Estava tão cansado e sem animo, que nada naquela hora parecia atraente, só uma boa cama. Mas não sabia ele, que logo teria a noite mais eletrizante e aterrorizante de sua vida.

Marcio seguiu para o outro bloco e enquanto atravessa o espaço ao ar livre entre os dois, ouviu o barulhinho de mensagem chegando na caixa de entrada de seu celular, retirou o aparelho do bolso, quando abriu a mensagem, seu semblante se retorceu confuso.

“JÁ PREPAROU AS LÁGRIMAS P/ MORTE D ALGUÉM, HJE”

Percebeu que o remetente era desconhecido e suspeitando de alguma corrente idiota ou piadinha de péssimo gosto, excluiu imediatamente.

Seguiu até a sua sala e descobriu que não haveria aula, o professor havia faltado, pois seu carro tinha sido roubado e não havia ninguém para substituir.

Com um suspiro de frustração, Marcio seguiu até o prédio principal. Não acreditava que tinha se arrastado por 50 km dentro do “busão” lotado, quente, mofado para chegar na faculdade e não ter aula. Será que ainda podia piorar? Claro que não. Mas sim, poderia e iria piorar.

Sem ter o que fazer, pegou um lanche e sentou numa das mesas que ficam no centro do pátio principal. Abriu o nootbook que trazia na mochila e pôs a ver como que ele ficou após passar por manutenção duas semanas atrás, depois de um vírus maldito ter destruído o disco rígido. Conferiu, olhou, abriu as pastas e notou que ele voltara ao normal, e até um pouco mais rápido, procurou algo mais interessante do que apenas abrir pastas, um joguinho bobo que fosse, para esperar o tempo passar até o fim da aula de Ana Claudia.

Foi no momento que recebeu outra mensagem, Maior, mais reveladora e mais assustadora.

“A MORTE VEM AI, VEM DOCE E RÁPIDA PRA PGAR E DEVORAR ALGUÉM Q AMA. HJ, SEM FALTA. CORRA O TEMPO TÁ ACABANDO”.

Aquilo definitivamente assustou Marcio, um arrepio gelado feito a morte de verdade assombrou a espinha e sentiu uma fisgada nas pernas que sentiu-as vacilar. Era só uma mensagem, só uma mensagem. Olhou para o lado direito da tela do celular e percebeu que havia mais.

O restante da mensagem.

Abaixou a barra o texto até a parte que não havia visto e completou a leitura.

“SUA NAMORADA TÁ EM AULA? Q PENA, SERÁ A PRIMEIRA E ÚLTIMA DELA E ELA TAVA TÃO FELIZ, A AULA TÁ ACABANDO E A VIDA DELA TB”.

O tremor correu-lhe toda a espinha e esfriou todo o corpo, mas o final da mensagem deixou o rapaz totalmente angustiado, sem fôlego e tremendo com um pavor dentro de si que crescia a cada momento. A última frase o fez ficar branco e se levantar num pulo no meio do pátio, olhando alucinado para todos os lados em volta dele, procurando algo que na mensagem o perturbou completamente. As pessoas ao lado, olhavam e viam como fosse um louco ou alguém com problemas mentais.

“E VC AI PARADO, BRINCANDO COM O PC, VENDO SE ELE FOI BEM CONSERTADO, ACHANDO TUDO ISSO UMA PIADA COMO NA 1ª MNSAGEM. AGORA FICA Q NEM BOBO PROCURANDO, ACHOU?”

Pôs a mão nos cabelos e os atravessou com os dedos como fosse uma roçadeira, ficou alguns segundos em silêncio até que pegou o computador da mesa, fechou, jogou dentro da mochila e desceu e, disparada pelas escadarias da faculdade. Saiu do pátio principal e desceu ao primeiro subsolo indo em direção a sala de Ana Claudia.sua respiração ofegante o fazia arfar como um cachorro vira-lata fugindo de um cão maior.

Atravessou o restante do bloco principal e mais um bloco interno até chegar na sala dela. O que viu o deixou ainda mais desesperado. Ela estava sozinha e em perigo, pois quem quer que fosse que estava mandando as mensagens estava dentro da faculdade.

A sala estava vazia e escura, Marcio olhava aquele espaço submerso nas trevas enquanto sai mente começava a construir peças de onde ela pode estar, com quem e.... se ainda está viva. Não, não podia pensar assim.

Voltou para luminosidade branca do corredor quando uma ideia incorreu de repente. Pegou o celular uma xerife sacando uma arma naqueles filmes típicos de faroeste, e ligou para Ana Claudia. Ninguém atendia. O celular dela tocava, e apenas tocava. “Atende, atende, pensava em gritos consigo mesmo”. Olhou em volta e antes de entrar em pavor total, olhou em volta e percebeu que a quantidade excessiva de concreto em volta dele estava dificultando a ligação. Correu para área que ligava os dois blocos, tentou novamente.... e alguém atendeu.

Era Ana Claudia, ela ainda estava viva.

Marcio tentava falar, mas só ouvia a voz dela dizendo “alô”, “alô, “alô” entrecortado junto com chiado muito forte. Por fim, a ligação caiu.

O rapaz olhou o celular, teve vontade de jogá-lo contra a parede ou pisar com toda força até que virasse caquinho.

Respirou fundo novamente e pôs a cabeça no lugar, respirou fundo e ouviu o toque mais uma vez. Outra mensagem, o que será dessa vez? Imagens de Ana Claudia estrangulada.

“NOSSA, ANA CLAUDIA TÁ TÃO LIND COM AQLA BLUSA E SAIA, TENHO ATÉ PENA DO Q VOU FAZER COM ELA, AINDA MAIS + PERTO DO AUDITÓRIO, FICARIA AINDA + FÁCIL”.

O coração deu um pulo dentro do peito de Marcio. A ameaça estava realmente dentro da faculdade e ainda por cima, estava muito perto de Ana Claudia. Mas a pergunta principal, que não queria calar-se era: quem era essa pessoa? Ele ficou pensando por uns cinco segundos, até que se lembrou do anfiteatro. “O anfiteatro. É lá, ela está lá”. Recomeçou a correria desenfreada, passou pela porta que dava acesso aos dois blocos como um foguete, quase a arrancando; desceu as escadas e pelo estacionamento chegou pela porta lateral do auditório, tentou abri-la, mas estava trancada.

O anfiteatro ou auditório que normalmente está vivo com alguma apresentação de TCC ou algum evento “da semana” de algum curso, estava naquela hora mais frio e mais morto do que madrugada em pleno inverno.

Andou em volta, pelos corredores e não encontrou nada. Até que bateu os olhos na porta central do auditório, olhou com atenção e percebeu que ela estava entreaberta. “Eles entraram ali”. Com cuidado, adentrou na escuridão, não sabendo o que iria encontrar pela frente.

O ambiente ali era inóspito e estranhamente mais frio em relação ao calor extenuante de fora. Andou com cautela, virou, tudo vazio, as cadeiras, a sala de áudio, tudo sem vida e sem movimento.

Chegou perto da primeira pilastra quando uma luz forte acendeu num ponto do palco. Marcio deu um pulo para trás, com a adrenalina furiosamente eclodindo estava com medo de tudo, seu senso de percepção estava tão confuso e ao mesmo tão apurado, que qualquer barulho ele sentia. Respirou forte e se aproximou da fonte da luz, na parede estava uma tela azul. Marcio correu os olhos e reconheceu o ponto que a luz saia, um datashow de apresentação.

“Porque aquilo estava ali”, “Quem o colocou”eram perguntas que passavam na cabeça de Marcio.... e além do mais, ele sentia que alguém estava perto.

O bipe de mensagem tocou mais uma vez e Marcio teve um sobressalto forte, daqueles que parece que estamos caindo num sonho.

“USE SEU ‘NOOT’ E DESCUBRA A VDD, QEUM SOU. CONECTE COM O DATA-SHOW E ABRA A PASTA “VERDADE” NOS SEUS DOCUMENTOS, E PONHA A APRESENTAÇÃO PARA TOCAR”.

Marcio segue a mensagem e tira o nootbook da mochila e o liga, coloca o cabo de vídeo preto no computador e viu a imagem de sua tela ser rapidamente reproduzida na parede, iluminado-a com cores coloridas.

Procurou a pasta especificada e sem acreditar a encontrou e dentro dela, o arquivo de apresentação.ao clicar, iniciou o arquivo com uma música romântica e logo uma série de fotos de Marcio e Ana Claudia, que na hora o rapaz reconheceu como as fotos que estavam no seu computador, mas como essa pessoa conseguiu. Ele só tinha elas dentro do PC, pensava Marcio vendo aquilo.

Logo na apresentação surge uma música mais dramática e apresentação desaparece, Marcio fica na escuridão. Ela recomeça agora com as fotos de Ana Claudia junto de outro homem. “Quem era aquele, afinal...”, pensou Marcio afinal. A apresentação continua numa sequência de imagens aterradora e macabra, imagens de mortes, corpos despedaçados, uma onde de ânsia e vomito tomou conta de Marcio e antes que ele botasse tudo pra fora, cortou a apresentação. Respirou e voltou ao normal e deu sequência, quando ele terminou com a foto do homem desconhecido junto de Ana Claudia numa foto feliz com a frase escrita em letras que lembravam sangue:

“O FIM DELA CHEGOU, SEU VERDADEIRO AMOR, TRAÍDO, ESQUECIDO SERÁ VINGADO”

A apresentação tinha terminando, paralisando na imagem de sua namorada junto daquele homem, que estava envolvida com aquelas torrentes de ameaças. Marcio continuou ali, meio fora da realidade, pelo que sabia sua namorada estava viva, mas não sabia por quanto tempo. E olhou para a foto e um lampejo e lógica e compreensão pegou Marcio de surpresa. Duas coisas se juntaram e se entrelaçou com um nó cego, formando a verdade. Era isso.

Marcio se lembrou daquele rosto. A imagem dele veio a mente como uma bala. Ele era o técnico que ficara responsável pelo conserto de seu computador duas semanas atrás. No dia em questão, Marcio entregou seu nootbook ao rapaz, que falou do problema do vírus e dia da entrega, que seria semana que vem. No dia em questão, no entanto, ele não viera trabalhar. Estava doente, justificou um dos colegas de serviço, “doente de amor”, falou o outro em tom de deboche.

A outra imagem, que se juntou a essa como um zíper foi um comentário de Ana Claudia sobre seu último namorada, ela disse que ele era possessivo e estranho, o abandonou por esse fato, mas nunca mais soubera dele.

Agora tudo estava claro feito dia.

Ele era o psicótico namorado em busca de vingança. Ao consertar o computador, ele vasculhou as fotos pessoais e encontrou as inúmeras que eles se fotografaram juntos. Não acreditando que o amor de sua vida tinha encontrado outro possivelmente tenha enlouquecido e agora queria resolver pessoalmente. De uma vez por todas.

Marcio continuou naquela hipnose quando uma porta bateu ao longe o acordou.

Sem pensar duas vezes, Marcio recolheu o computador e saiu em disparada. Era preciso achar Ana Claudia o mais urgente possível. O tempo está acabando.

Estava terminando de subir as escadas para o outro andar, quando outro toque, outra mensagem surgiu em seu celular.

“SUBA AS ESCADAS!”

Aquela ordem veio como um choque em si mesmo, tremendo ele subiu as escadas, degrau por degrau.

A cada patamar seus pensamentos subiam um pouco. “Será ele me esperando para o juízo final”? “Será ele com Ana Claudia me esperando subir para mata-la diante dos meus olhos”? “Ou será que ela já está morta, e ele quer que eu veja?”.

Aquilo vinha a mente de Marcio como facadas na sua alma, a cada minuto mais forte e mais intenso.

Terminou de subir e chegou ao andar térreo do bloco principal. Virou o corpo para o lado direito quando algo o envolveu de forma veemente, impetuosa, abraçando forte e imobilizando-o como a ação de um veneno.

Os pensamentos de Marcio num turbilhão de pensamentos e emoções não percebeu nada, só sentiu um apertão forte em seu corpo.

Sua mente voltou a normalidade a ouvir uma voz.

- Sou eu seu bobo!

Neste momento Marcio percebeu quem estava abraçando-o. uma surpresa. Uma pessoa.

Era Ana Claudia. Viva. Bem. Junto de seus braços, apertando o seu corpo com força.

Marcio ainda atordoado continuou procurando a ameaça quando Ana Claudia rindo levou o rapaz até uma das mesas e explicou tudo.

Ela fizer aquilo para anima-lo, agitar um pouco, afinal ele estava cansado e sem animo, com um abatido, por isso aproveitou que estava sem aula e ele também para pregar está peça.

Marcio ainda estava com a adrenalina em alta, respirando ofegante, esperando que todas aquelas imagens vistas naquela noite desaparecessem, sumissem. Ana Claudia fez aquilo. Quase o enlouqueceu, num breve momento teve vontade de esfola-la, Marcio quase morreu de desespero. Mas sentia, no fundo da alma, que havia alguma coisa mais profunda nessa brincadeira macabra de sua namorada.

Marcio retomando a calma perguntou da foto, do data show, as imagens, que ainda perturbavam e iriam o perturbar por muito tempo. Ana Claudia explicou que aquele era um primo, que há muito tempo não vê, pois mora no Japão, e as fotos têm algumas edições, como corte de pessoas ao lado, o data show foi conseguido com uma amiga, cúmplice no plano na tentativa de assusta-lo e comprovar algo maior.

“Algo maior”, perguntou-se Marcio.

Ana revela que fez tudo aquilo por algo mais importante do que deixa-lo animado: queria ver o tamanho do amor de Marcio por ela e viu que era maior que o mundo, quase infinito, e por isso, queria pedir a ele uma união maior, eterna e duradora.

Abriu a bolsa que sempre trazia consigo e tirou uma caixinha preta com uma bela aliança dourada em seu interior.

- Casa comigo?

Marcio ficou enrubescido e paralisado. Outro turbilhão de emoções. Há alguns minutos estava em situação mais aterrorizante de sua vida e agora no momento mais importante dela. A resposta, porém, demorou, demorou.

O rosto de Ana Claudia foi se fechando, Marcio não respondia, apenas olhava ainda sem acreditar.

Sim – disse ele finalmente.

Ana Claudia sorri espontaneamente e o abraça novamente com força e carinho, dizendo um caloroso “Eu te amo”. Os dois levantam e seguem abraçados até a catraca da saída. O pesadelo tinha fim ali, felizmente tudo não passou de um grande susto, e que susto! Ao passar a roleta, um novo bipe, e o velho toquinho no celular de Marcio.

Ele olhou.

Uma nova mensagem.

Tudo de novo.