O Velho - III

Quando atravessei o portão, passei a acalmar o passo; caminhando lentamente com os olhos baixos, mas sem perder o velho de vista.

Ele caminhava em direção aos túmulos de chão e não aos que ficam em paredes, pois seguia andando pelo térreo, passando pelas estátuas dos dois anjos protetores. Eu tentava andar furtivamente só para saber aonde ele iria, sem que ele me visse para não fazê-lo desistir de cumprir seu local de destino. Quando o observava, não percebi a pequena peça de porcelana que havia no canto inferior externo no final do corredor, e a quebrei com os pés; fazendo com que o velho olhasse para trás e visse o meu desastre.

Cumprimentou-me de longe, que me fez ficar ainda mais constrangido, mas acalmou-me quando se aproximou e me perguntou se também gostava de visitar os mortos. Naquele momento eu tive que improvisar alguma resposta para ele; e disse que sim, gostava do cemitério por ser um local longe de toda realidade agitada e obsessiva da cidade. Isso parece ter quebrado com as muralhas no velho, que pediu-me para acompanhá-lo e seguiu conversando.

Começou a falar que gostava do cemitério, pois era o único local onde ele podia pensar sem nenhuma impulsão externa, apesar da sociedade criticar seus visitantes que andam por lá sem motivo de luto. Ele disse que depois de trabalhar durante anos na cidade, um trabalho exaustivo e cansativo, que o fez perder sua família, ele aprendeu a se libertar das amarras dela. Mas a perda sempre traz algo de ruim para vida de todo mundo, por isso ele visitava o bar todos os dias, se viciando em bebidas e charutos, tudo isso para poder lembrar das coisas que deixou para trás.

Perguntou-me se havia alguém em especial que ali poderia estar. E lentamente, respondi sobre meu pai, seu trabalho, sobre mim e sobre a sua morte. Isso fez a face do velho se hidratar com lágrimas e a continuar falando.

Eu segui os passos do velho, pois os meus já não tinham mais alvos; ele disse que ali estava um grande amigo, que viveu por toda a vida, cresceu e trabalhou junto á ele, e que visitara todos os dias, prestando luto eterno até a hora de sua própria morte.

A minha necessidade de conhecê-lo já havia se esgotado, já não precisava mais segui-lo e nem ouvi-lo, mas suas palavras eram tão fortes e profundas que me fez andar ao seu lado durante todo o trajeto; que nos levou até um grande túmulo de mármore, perto de uma outra estátua de um anjo, branca, limpa e opaca. Quando paramos frente á ele, o velho simplesmente tirou o chapéu se desculpou. Eu não estava entendendo a circunstância do pedido de perdão, mas quando li o epitáfio...

“Trabalhei pelo meu filho. O perdi pelo trabalho”

- Foi para sua própria segurança. Disse Izac.