O Sangue do Palhaço
Era por volta de duas da tarde, quando a grande inauguração estava prestes á acontecer, na pacata cidade de Crawford. A fila enorme estava dobrando a esquina, para enfim abrir as portas do circo Luz, que de luz só passava do nome, os tambores ocos soavam em toda aquela região. O tempo era nublado e cinza, pais e filhos suspiravam enquanto entravam no estabelecimento e se assentavam nas poltronas almofadadas, o palco parecia triste, escuro e com uma enorme cortina vermelha. Eis que todo aquele silêncio é quebrado e antes mesmo da cortina abrir uma voz grave e vibrante entonava:
- Abram alas á mediocridade humana, Bem-vindos ao circo, que os protagonistas estão na plateia.
Logo a grande cortina cai, e ao despencar, é puxada para a esquerda, até desaparecer. Surge então a figura de um palhaço. Horrenda, cruel. Sua maquiagem estava toda escorrida, em preto, sua grande boca vermelha estava manchada, marcando o resto do rosto, e seus cabelos estavam ao ar, bagunçados e rebeldes. Todos sem entender nada, aplaudiram a grande figura obscura.
- Isso, aplausos ao palhaço, ao profano. Vocês me aplaudem por quê? Qual o motivo de tanta felicidade? Qual o motivo de tanta alegria? – terminou o palhaço encarando a plateia como os olhos no fundo.
O público entrou em gargalhadas, pensando ser apenas mais um teatro de circo, as crianças riam e estavam totalmente entretidos.
- Palhaço! Palhaço! Gritava a plateia suavemente.
- Vocês me chamam de palhaço só pelo meu grande nariz vermelho? Pois saibam – disse em tom de ironia – que o palhaço aqui não sou eu, ele não está no circo, ele está dentro de vocês, hipócritas! Conformistas! Imundos! – terminou o temível palhaço gritante e andando de um lado para o outro do grande palco de madeira.
- Pais ensinam as crianças o exemplo constante da traição, da violência da enganação, e estas, serão nossos cidadãos de amanhã! – terminou ele.
Eis que um som surge no fundo por um piano, um som cujo arranhavam os ouvidos alheios. De pavor, medo e pânico.
- Os palhaços acordam cedo, cegos, surdos e mudos. Diante de seu governo, diante de falsas apologias. Sangues inocentes estão sendo derramados todos os dias, e todos os dias vocês se conformam.
Logo a plateia se entreolhava entre si, não entendendo tal façanha. Algumas crianças assustadas com a fisionomia e o tom em sua voz.
- Estão com medo? Por quê? O medo está lá fora, a verdade é o medo… – sem que pudesse terminar os seguranças do circo estavam o retirando do local – Não encostem as mãos em mim, isso é um reality show, mais divertido do que os que estão sendo exibidos por ai, todos os dias…
Nisso, ele retira de seu bolso uma grande faca, á encara, ergue-a ao alto soando um grito mesclado á um riso assombroso:
- Hoje mais um sangue inocente vai ser derramado, amanhã e depois e depois… – e atingiu com força seu próprio abdômen. O sangue se espalhou pelo palco e pela plateia… As crianças choramingando, e os pais assustados, não sabiam o que fazer ou o que dizer se retiravam do local, que logo estaria interditado pela polícia, e o grande ocorrido ficara guardado na mente de todos naquele dia.
Até hoje, o grande ocorrido passa pela cabeça dos que presenciaram a morte do palhaço, de pais para filhos e descendentes, até hoje a risada do palhaço antes de seu suicídio, grunhe nos ouvidos alheios, perturbando-os na grande e constante prisão social.