O Homem Do Portão E A Capa!

O sábado estava nublado e o vento frio cortava a pele, quando aquele homem apareceu, parecia-me desconsertado.

O vi falando com vovó no portão do sitio.

À distância a que eu me encontrava, me impedia de reconhecê-lo.

Corri através dos jardins para saber o que ele queria, mas ao chegar ao portão, o tal homem havia desaparecido!

Vovó e eu, já estávamos de pijama, quando ouvi o ranger do portão que se abria lentamente; lembrei-me então do homem e perguntei à vovó:

- Você trancou o portão?

- Não, respondeu-me ela, pensei que você o tinha feito como sempre!

Fiquei toda arrepiada, pois lá fora estava um breu, e tremendo de medo falei: - Vó é aquele homem!

- Que homem querida? Perguntou-me perplexa...

- Aquele de hoje à tarde, respondi. Ela, carinhosamente me

disse:

- minha querida, há meses, em que não recebemos nenhuma visita, pois as estradas viraram um atoleiro só, nem carro de boi passa por aqui e se algum maluco tentar atravessar a ponte, o rio engole!

E estamos no mês das grandes águas, esqueceu?

Parecia-me tão segura que me abracei a ela e falei: - Vamos para o sótão vovó, lá é mais seguro e podemos nos esconder do frio...

- Se isso a deixa mais tranqüila, vamos, replicou.

Peguei a lamparina que vovô deixara no pé da escada.

Quando ainda vivo, ele me disse para deixar sempre com querosene e pavio longo, para uma emergência, e aquela, era mais que uma emergência!

Eu escutava a respiração ofegante de vovó e apertando-a contra meu peito dizia: - Já estamos chegando vó, mais um pouquinho, e você se deita para descansar!

Quando entramos no sótão, lá estava ele de pé, uma capa enorme o cobria de alto a baixo e me fazendo um sinal de silêncio, estendeu a mão para a vovó.

Como que hipnotizada ela o seguia, obedecendo ao seu comando, deitou-se e ele a cobriu, beijou-lhe as mãos e os olhos que se fecharam delicadamente.

Creio que adormeci no mesmo instante...

O sol já estava alto quando despertei, havia sobre mim uma capa, era a mesma que vovô usava quando morreu diante do portão, enquanto o concertava.

Virei-me para o lado, lá estava ela plácida, como que sorrindo e em suas mãos um rosário que ela nunca abandonava, tinha sido presente de vovô nas bodas de ouro, comemorada por eles naquele mesmo ano em se fora para sempre! Para sempre?

Não para vovó, que o esperava todos os dias!

- Senti um perfume suave de rosas, as mesmas cultivadas por vovó e que neste ano enchera o jardim de cor!

Aspirei suavemente, sentando-me ao seu lado tomei

suas mãos que se entrelaçavam sobre peito,frias mãos que beijei, como todos os dias, e disse: a bênção vozinha! Embora eu soubesse que não ouviria mais a sua voz suave e delicada!

- Lembrei-me do portão e corri até a janela, ele estava lá escancarado...

Desde a morte de vovô não o abríamos sem que vovó o permitisse, ela dizia que quando ele chegasse, ela ouviria o seu gemido; sim, era assim que se referia ao ranger do portão, como se fosse um lamento...

Agora, ela escancarava o portão, não havia mais som e nem espera.

Somente os pássaros cantavam em revoada e eu fiquei ali sentada, velando-a adormecida!

Feliz Natal Vô e Vó!

Maria Jose
Enviado por Maria Jose em 22/12/2012
Reeditado em 22/12/2012
Código do texto: T4048086
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