Penumbra

Penumbra

Emily sempre ia à cafeteria da Rua Scotland, para tomar um café e ler algo enquanto divagava. Hoje não seria diferente, mas antes de seguir para o café aconchegante, ela tinha algumas tarefas a cumprir: primeiro, passar na biblioteca e entregar o exemplar surrado de Hell Paris 75016 de Lolita Pille e Desespero de Stephen King, e logo em seguida, passar na locadora e devolver alguns filmes.

Depois cumpridas às tarefas, Emily seguiria para a cafeteria. E assim ela fez; foi caminhando tranquilamente, até que um vento frio soprou bagunçando seus cabelos, fazendo-a apressar os passos enquanto chegava perto do seu destino. Ao entrar na cafeteria e sentir aquele cheiro gostoso de café fumegante e donuts, ela se sentou à mesa costumeira e fez o pedido de sempre, apenas aproveitando o momento com tranquilidade.

Passou o resto da tarde ali, notando pelo vidro embaçado, que o tempo estava se fechando, como se não bastasse a neve e o frio além do normal em janeiro. Era realmente necessário chover?

O céu estava anormalmente escuro, ninguém diria que eram apenas cinco e quarenta da tarde. Temerosa pelo temporal que ameaçava cair, Emily levantou-se rapidamente, pagou a conta e decidiu, antes, ir ao banheiro.

Entrou no toalete e olhou o reflexo no espelho como se não se reconhecesse.

De repente um silêncio assustador pairou no ambiente monótono, fazendo-a segurar a respiração sem nem ao menos saber o porquê. Esperou certo tempo e saiu do banheiro às pressas, ignorando o mau pressentimento que lhe varria cada fibra do corpo tenso.

A cena ali era horrível: corpos jogados no chão, alguns sobre as mesas onde estavam sentados. Era impossível saber o que acontecera, durante o breve instante em que estivera dentro do banheiro. O mais estranho era que não havia uma gota de sangue sequer.

Poderia ser um ataque alienígena? Não, impossível que todos fossem ficar tão calados na presença de um alien. Ela saiu correndo da cafeteria sem olhar para trás, e à medida que seus pulmões iam reclamando pela falta de ar, e seu corpo, do cansaço por conta da velocidade, ela foi notando que tudo se encontrava absolutamente calmo, talvez calmo até demais.

De súbito, mudou o curso e correu em direção do parque ali perto; afinal, mesmo no inverno, lá sempre vivia abarrotado de gente. Depois de minutos caminhando apressadamente, ela alcançou os portões do parque que, para sua surpresa, estava totalmente...

Vazio.

O lugar se encontrava assustadoramente vazio e a situação só piorava, pois já escurecia e levaria uma eternidade para ela chegar à segurança de sua casa. O jeito seria pegar um táxi; Emily saiu do parque caminhando em direção à calçada e notou que não havia movimento de carros, ônibus ou o que quer que fosse comum àquela hora. O curioso em toda a situação era que uma das avenidas mais movimentadas da cidade encontrava-se inexplicavelmente deserta, e a cada passo que a jovem dava, olhando de vez em quando para trás a fim de ter certeza de que vinha alguém, sentia que não estava só.

As luzes da rua começaram a acender e isso apenas piorava o fato de que havia anoitecido mais depressa que o esperado, fazendo a jovem se apavorar, até que notou que poderia ligar para a polícia. Então o fez.

- Tenente Smith, com quem falo? – perguntou uma voz séria do outro lado.

- C-com Emily Wood. – soltou rápido demais e gaguejou.

- Em que posso ajudá-la, senhorita Wood? – perguntou o policial.

- É que houve um incidente na cafeteria da Scotland com a Brooke. – disse ela temerosa.

- E você tem certeza disso? – perguntou ele sério.

- Sim, absoluta. – afirmou ela.

- Iremos checar e entraremos em contato. – disse ele desligando o telefone.

O estranho era que à medida que a moça avançava parecia sentir a inesperada impressão de haver movimento ao redor, o que estava totalmente em falta lá atrás.

Ela andou mais alguns metros e encontrou tudo exatamente normal, como estava antes de ela adentrar a cafeteria. Emily viu que poderia ir para casa andando, já que havia movimento e não existia chance de algo errado acontecer, não é mesmo? - Pensara consigo mesma.

A garota caminhava tranquilamente pelas ruas de Nothing como se fosse outro dia qualquer, mas no fundo sabia que tinha algo errado com aquela parte da cidade onde havia ocorrido o misterioso incidente há menos de uma hora. Ela estava lidando muito bem com tudo isso no momento.

Emily era uma mulher bonita, apesar de ninguém dar a ela a idade que realmente possuía; era morena, dona de profundos olhos azuis cerúleo, as maçãs de seu rosto pareciam pêssegos, de tão suaves, em suas feições suaves sempre havia um sorriso encantador e um pouco tímido. Ela não passava dos um e sessenta e oito de altura e sempre se manteve no peso certo, ninguém nunca diria que Emily teria 24 anos.

O celular tocou tirando-a de seus devaneios.

- Sim? – atendeu temerosa.

- Emily Wood? – perguntou uma voz séria.

- Sim, é ela, quem é? – perguntou com medo.

- Estamos ligando para saber se gostaria de mudar seu provedor. – disse a voz calma do outro lado.

- O quê?! – perguntou ela incrédula - Não obrigada. – respondeu encerrando a ligação.

Ela jurava que era o policial com quem havia falado agora a pouco, logo, não havia motivo para entrar em desespero por falar com ele, na verdade ela deveria ficar aliviada, mas por alguma razão desconhecida não conseguia se sentir assim.

Ao guardar o celular na bolsa, notou que o movimento que havia na rua de baixo cessara e não passava nenhum veiculo, nem mesmo uma pessoa.

Parecia uma praga, e na medida em que a jovem ia avançando, as coisas iam piorando ainda mais; era como correr do tempo: algo extremamente impossível.

Emily parou o primeiro táxi que viu e entrou com uma feição desesperada.

- Para onde, senhorita? – perguntou o senhor com certo sotaque.

- Senhorita? – perguntou o taxista novamente.

- Ah sim... Para Avenida vinte e cinco de setembro. – disse ela automaticamente.

- Sim, senhora. – disse ele brincando, mas ela não havia notado

Emily estava presa em seus pensamentos, tentando entender o que estava acontecendo naquela pequena cidade.

- O senhor está vindo da Scotland? – perguntou.

- Não, lá está interditado – disse ele.

- Ah é? E sabe o porquê? – perguntou como quem não sabia de nada.

- Parece que houve um tipo de assassinato em massa, contaram mais de dezessete pessoas mortas, e dizem que não havia uma gota de sangue sequer para contar a historia. – disse ele, e o carro parou bruscamente.

- O que houve? – perguntou Emily assustada.

- Vou olhar, pode ser algo bobo no motor. – disse ele saindo do carro.

Emily viu o motorista seguir para frente do carro e mexer em algumas coisas; ela estava entrando em desespero, imaginando que deveria ser impossível que tudo desse errado em um só dia; a moça olhara pela janela de onde estava e decidira sair do carro.

- Toma, isso deve pagar a corrida. – disse, entregando trinta dólares para o taxista.

Emily saiu correndo na direção de onde havia acabado de vir e o celular tocara novamente, assustando-a.

- Alô? -

- Emily Wood? – perguntou uma voz feminina.•.

- Sim, já disse que não quero provedor nenhum. – disse ela exasperada.

- Me desculpe senhora? – perguntou a voz feminina confusa.

- Vocês não são o pessoal do provedor que ligou agora a pouco? – perguntou confusa

- Não, é a sargento Miller, estamos ligando porque você entrou em contato conosco mais cedo sobre o incidente na cafeteria. – disse a mulher.

- Ah sim, então me desculpe. Sim, liguei e o que aconteceu? – perguntou ela

- Precisamos que venha até a delegacia, porque você terá que prestar depoimento. – disse a mulher calmamente.

- Devo comparecer em que dia? – perguntou

- De preferência ainda hoje.

- Ok, farei o possível. – disse ela meio surpresa.

- Muito obrigada. – agradeceu a sargento encerrando a ligação.

Como iria explicar que ela não vira simplesmente nada? Com certeza achariam que era tudo mentira e que ela, de alguma forma, estava envolvida.

Emily então tomou uma decisão estranha: ela voltaria até lá, talvez achasse respostas.

Estava em um ponto alto da cidade onde se via quase tudo. Olhando de lá, notou que a cidade parecia morta, não havia movimento em lugar nenhum; manteve a idéia e começou a descer a rua. Quando estava quase na esquina do parque, viu algo que a assustou profundamente.

Ele era estranho, um pouco calvo talvez, sua roupa estava ensanguentada e possuía um tipo de facão na mão direita; parecia ser um homem alto, mas à distância era difícil de definir. Ela correu até o parque e se escondeu na penumbra que havia; a jovem nem sequer olhara o que tinha ali, apenas permanecia abaixada e observando a entrada do parque para caso de que ele entrasse.

Ela nada viu, apenas sentiu uma mão tampando sua boca e puxando-a para trás; tentou gritar, mas era inútil, e escutara apenas um enrouquecido “shhh” antes de desmaiar.

# Gustavo PDV#

A intenção não era assustá-la, mas ela estava tão concentrada na entrada do parque que nem ao menos, me viu chegando, mesmo eu tendo pisado em um galho seco que havia ali. Tampei sua boca apenas para ela não gritar, e quem disse que adiantou?

Vira-o chegando e matando todos que estavam presentes, como consegui escapar? No fundo não fazia à mínima idéia, mas eu não tinha mais nada, afinal ele havia executado todos que me importavam, e o pior é que não havia um motivo. Ele apenas chegou lá e matou todos.

A jovem estava acordando e seria melhor eu me apresentar para evitar mais acontecimentos inesperados.

# ponto de vista 3ª pessoa#

Emily despertava devagar e sentia-se meio tonta, no fundo, torcendo para que tudo fosse só mais um pesadelo; olhou em volta e observou o parque quase deserto, a não ser por um ser humano, o que ela não encontrara há umas longas três horas.

- Prazer, Gustavo. – disse ele estendendo a mão ajudando-a levantar.

- Emily. – disse ela.

- Desculpe tê-la assustado; não era a minha intenção, mas se eu chegasse do nada você iria gritar e isso só pioraria as coisas. – disse ele se explicando.

- É eu entendo. Você também o viu? – perguntou ela temerosa.

- O “carrasco”? – inquiriu ele, fazendo as aspas no ar.

- Não sei o que ele é, mas é estranho. – disse ela.

- Sim, ele matou a minha família. – respondeu triste.

- Sinto muito, eu não tenho família aqui, eles estão em Londres. – disse ela com um sorriso amarelo.

- Sorte a sua, ele parece ter matado a cidade inteira, não há movimento em canto algum. – disse ele preocupado.

- É eu notei; consegui falar com a polícia mais cedo. – disse ela pegando o celular.

Emily ligou esperançosa e o telefone caia na caixa postal. Ela olhou para o rapaz com um olhar de desespero.

- Não se preocupe, vai dar tudo certo. – disse ele.

- E como você sabe disso? – perguntou Emily assustada.

- Não sei, mas prefiro acreditar que vai. – disse ele, e os dois sorriam.

Ambos começaram a caminhar em direção ao lago que havia no parque, porque lá era o único lugar iluminado do mesmo; foram conversando e se fazendo perguntas durante o percurso.

- E o seu nome é Gustavo, por quê? É diferente dos nomes americanos – disse ela justificando a pergunta.

- É uma longa história, mas para resumir: foi em homenagem ao meu avô por parte de pai, ele era brasileiro. – disse ele sorrindo.

- Ah sim, bem interessante. – disse ela.

Ambos caíram em silêncio ao chegar ao lago. O lugar estava iluminado, mas havia algo estranho, eles apenas não sabiam dizer necessariamente o que seria.

Chegaram à beirada do lago e ficaram conversando até um som estranho interromper o momento.

Ele vinha caminhando arrastando algo, mas de longe não dava para descrever. À medida que ia se aproximando, dava para saber o que era: um corpo.

Um sorriso maligno brincava em sua face e um olhar tão cheio de ódio e maldade pairava ali, chegando a dar medo encarar os seus olhos, que eram estranhamente negros como a noite.

Eles sabiam que não adiantaria correr, sabiam que o Carrasco poderia matá-los com apenas uma facada e isso os deixava paralisados.

- Sabe eu poderia simplesmente ter vindo ao parque quando senti o seu cheiro, ou até mesmo tê-la matado no banheiro da cafeteria. – disse ele surpreendendo Emily.

- O quê e como você tem tanta certeza de que era eu quem estava lá? – perguntou ela.

- Bom... Primeiro você acabou de confirmar quando eu disse e o medo dançou em seus olhos; segundo, senti o seu cheiro, o odor mágico do seu sangue adocicado, e, terceiro, sou um ótimo caçador. – disse ele abrindo um enorme sorriso mostrando todos os dentes reluzentes.

- Você matou a minha família. – disse Gustavo.

- Sim, eu matei. – afirmou o assassino.

- Por quê? – perguntou Gustavo.

- Porque é assim que eu ganho a vida. – disse ele sorrindo novamente.

- Você é pago pra isso? – perguntou Gustavo incrédulo.

- Depende do que você considera pagamento, se for, em dinheiro, não sou pago. Se for a satisfação de ver e sentir o sofrimento e o desespero dos humanos, sim eu sou. – disse calmamente.

- Você é doente. – rugiram Emily e Gustavo juntos.

- Não, eu não sou; vocês é que são normais demais. – disse ele jogando o corpo no chão.

- Você não é humano. – disse Emily.

- Me considere um Anjo da morte. – disse ele calmamente.

- Um anjo da morte, e você matou, uma cidade inteira por ser um anjo? – perguntou Gustavo.

- Não, apenas me descontrolei. – disse ele parecendo sincero.

- O que quer afinal? – perguntou Emily.

Ele não respondeu, apenas pegou o facão e cortou o braço esquerdo de Gustavo.

Emily deu um grito estridente o assassino gargalhou alto.

Gustavo estava no chão agonizando de dor; ao seu redor, a neve ficava vermelha.

- Acabe logo com isso, seu pedaço de merda. – disse Gustavo.

Ele não ousou responder de novo, apenas lhe cortou a cabeça.

Emily não conseguiu gritar e muito menos correr, estava petrificada, olhando o corpo de Gustavo, até que sem mais suportar a dor, começou a chorar e o assassino voltar a gargalhar mais alto dessa vez.

- Eu vou te poupar dor e tempo, porque eles estão chegando. – disse sério.

- Eles quem? – perguntou Emily sem entender.

- Você verá, ou melhor, você não verá. – disse

E em um simples golpe partiu Emily horizontalmente ao meio. O corpo dela caiu ali e havia certo brilho estranho nos olhos dele.

Ele permaneceu no local por mais alguns minutos.

De longe se ouvia o barulho do helicóptero, que sobrevoava aquela cidade, e quem estava ali a bordo se surpreendia com o que via. Grande parte da neve extremamente branca, por onde se localizava o lago, estava em um vivo vermelho escarlate, e o mais estranho não era isso, mas sim o que fora escrito com o sangue:

“Eu não pretendia levar a cidade inteira comigo, mas além de medrosos, eram todos egoístas e eu não resisti.”

Ninguém sabia ao certo o que havia acontecido, não havia sobrado ninguém para contar a história. O helicóptero só havia chegado ali porque o Tenente Smith havia pedido ajuda achando que era uma ameaça alienígena. A história que eles repassaram foi que uma epidemia – que já havia sido controlada - havia devastado a cidade.

FIM

Isabella Rosa
Enviado por Isabella Rosa em 28/11/2012
Código do texto: T4009316
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