O Valor de Uma Amizade - Minha Vida com Elisabete - Parte Final

Precisei fazer um trabalho especial para a serralheria, o que implicava numa viagem um tanto prolongada e numa estadia de aproximadamente cinco dias na Pensilvânia. Sabia ser aquela a terra natal de Melvin, mas não me importei muito com isto porque descobri que ele atacava em qualquer lugar com exceção do lugar onde nascera e fora criado. Segundo dizia não queria expor-se próximo a parentes e conhecidos; como se para um bandido isto fizesse alguma diferença.

A vida parece que havia reservado para mim e para o meu destino uma circunstância mais do que especial que veio a ser a grande amizade entre Elisabete e eu. Volta e meia cruzávamos os nossos caminhos e, quase que invariavelmente, alguma complicação me tirava o sossego e eu tinha em Elisabete a minha salvação. Mas o que aconteceu desta vez supera qualquer expectativa.

Fomos nos encontrar na Pensilvânia por ocasião de sua lua de mel, pois havia conhecido um novo amor e parecia imensamente feliz. Encontramo-nos em um supermercado bem no centro da cidade.

- Você não imagina a minha felicidade por reencontrá-la depois de todo esse tempo – eu disse enquanto a ajudava a colocar algumas coisas dentro do carinho no centro da loja.

- Quero te apresentar ao Pablo. Se você pensa que me deve alguma coisa depois de ter sido absolvido por minha influência, saiba que eu é que tenho que agradecê-lo pelo resto dos meus dias; acabo de casar com o homem da minha vida.

- Agradeço sua modéstia e humildade, mas você salvou uma vida.

- E você, o que acha que fez para mim? Eu amava o Richard, mas sempre desconfiei que jamais seria feliz ao seu lado; ele era independente demais e eu quero alguém que necessite de mim desesperadamente. Pablo é esse homem, não vive sem os meus cuidados.

- Eu sei mais ou menos do que você está falando. Você sabe como cuidar e alguém.

Enquanto mantínhamos esse diálogo ouvimos um rebuliço que veio na direção de onde ficavam os caixas; o supermercado estava sendo assaltado. Contei oito homens ao todo e, entre eles e comandando-os, Melvin, novamente Melvin no meu caminho.

Compreendi que a história de não atuar na Pensilvânia não passava mesmo de um boato, porque quem é bandido não escolhe hora e muito menos lugar quando as condições lhe são propícias a mais um ganho.

Era aquele o caso. O dia era um domingo e a maioria do comércio da área estava fechada; mas havia um grande movimento dentro na loja. Nada disse para Elisabete sobre os meus outros encontros com Melvin. Apenas fiquei ali, estático, apreciando de longe enquanto esvaziavam os caixas. De repente, uma correria louca aconteceu. Aos tiros de Melvin e dos seus capangas em direção ao teto, todos se dispersaram e ganharam a rua; ficaram apenas os marginais, as vítimas que estavam nos caixas e mais alguns fregueses ao fundo, entre eles eu e minha amiga Elisabete.

A polícia não custou a invadir o local e outro tiroteio aconteceu. Este foi sangrento porque dois dos comparsas caíram fuzilados. Alguns conseguiram escapar esgueirando-se entre as mercadorias. As balas não cessavam de cantar, o barulho era infernal. Vidros eram estraçalhados, latas, depois de furadas, esguichavam seus líquidos, volumes e volumes de mercadorias, empurradas pelo alvoroço dos homens da lei e pelo nervosismo dos bandidos, tombavam, rolando para todas as direções. Quase tudo vinha abaixo; o ambiente ia ficando irreconhecível. Pisavam agora em frutas, esmagando-as à medida que disparavam e se protegiam. Do lado de fora o trânsito que não era ruim, começou a se intensificar porque os curiosos não queriam perder as cenas dignas de um filme de faroeste. Outras viaturas estacionaram ali em frente depois de forçarem a passagem no meio dos outros carros. A situação dos bandidos tornava-se desesperadora; um a um iam sendo dominados quando não abatidos.

Mas Melvin não era um bandido comum. Já há algum tempo ele havia saído do tiroteio, demonstrando, muito mais do que sagacidade, uma covardia sem par. Ele agachara-se no meio de caixas que haviam descido das prateleiras e, feito um canguru, procurava ganhar o fundo da loja, não muito longe de onde nos encontrávamos.

- Ele está vindo na nossa direção! Não está vendo? – dizia Elisabete, desesperada.

- Deixa que venha; é isto mesmo o que eu quero.

- Você esta louco! Ele vai nos matar!

Minha amiga estava tão perplexa quanto apavorada com a minha reação amalucada. Mas era mesmo o que eu desejava: a aproximação de Melvin. Podia ser loucura o que eu fazia, pondo em risco não só a minha vida como a de minha grande amiga. Mas eu não estava na minha razão normal; apenas ódio e vingança me dominavam. Algo em mim, todavia, me dizia que o momento era chegado; que o que eu mais queria, acabar com aquele patife, estava prestes a acontecer.

Eu não ia me esconder e nem disfarçar como fizera nas vezes anteriores. Queria mesmo que ele me avistasse e fiz tudo para isso. A situação agora ficou um pouco mais complicada porque outro capanga juntou-se a ele no momento em que chegou, praticamente ao nosso lado, porém sem que soubéssemos da presença uns dos outros, pois havia a gôndola que se interpunha entre nós; soube pelas poucas palavras que trocaram ao se reencontrarem. Elisabete já nada falava; sua palidez acentuada denunciava seu quase estado de choque. Foi quando, pegando-a pela mão, contornei a gôndola e me fiz mostrar diante dos dois. A expressão debochada e sorridente de Melvin só fez acentuar os meus sentimentos.

- Então mais uma vez cruzamos nossos caminhos – ele disse.

Mal termina essas palavras, ouvimos um movimento ao redor. Dois homens vistoriavam a área. Melvin, pela ação que fez em seguida era como se já conhecesse cada canto daquele supermercado e cheguei a suspeitar de que não era a primeira vez que o assaltava.

- Que tal uma bela refém acompanhada de seu ousado namorado? Vamos, andem!

Enfiaram-nos por uma porta e nos fizeram subir dois lances de escada. Depois, seguimos por um corredor escuro e mal cheiroso, com caixas de frutas espalhadas para ambos os lados. De lá, pelas frestas de uma grade, conseguíamos ver uma boa parte da loja e o seu movimento sem sermos percebidos por quem lá se encontrava.Melvin abriu outra porta e me empurrou para uma sala fria e pouco iluminada. Em seguida, disse, segurando nas mãos de Elisabete:

- Vamos, beleza. Faça o favor de entrar.

Ela puxou com violência sua mãos da dele, arrancando-lhe, com isto, um sorriso vitorioso e debochado. Elisabete entrou e sentou-se ao meu lado em um sofá. Fechou, atrás de si, a porta com duas voltas da chave.

Não é uma gracinha, Bolacha? Quem vai ser o primeiro a se deliciar com este petisco?

- Pode ir primeiro chefe. Vou esperar, ansioso, a minha vez. – Vi que minha amiga tremia e tinha lagrimas nos olhos.

- Seu canalha! Se tocar nela eu te mato! – gritei, furioso.

- Como! Porque não aproveita e participa também? Ou melhor, fique olhando e morrendo de inveja do desempenho do velho Melvin. Ah! Ah! Ah! Bolacha: amarre o sujeito.

Ao vir o outro para cima de mim tentei reagir dando-lhe um soco no rosto, mas uma fortíssima coronhada tirou-me os sentidos e eu estatelei, desmaiado. Não sei por quanto tempo permaneci nesse estado, mas, ao vir a mim, o que vi deixou-me arrasado. Melvin, por cima do corpo de Elisabete, já com o vestido erguido até a cintura, tentava agora arrancar-lhe, com extrema violência, as calcinhas vermelhas. Ela gritava e se debatia e ele, temendo o barulho dava-lhe tapas no rosto ou tentava fechar-lhe os lábios, só não conseguindo por causa das mordidas que levava constantemente. Eu, amarrado, de bruços no chão da sala com as mãos para trás juntei, ao desespero de Elisabete, toda a minha aflição.

- Pare, seu desgraçado! Pare com isto! Gritava assim, do fundo das minhas entranhas. Parece que algo ocorreu porque o outro, que a tudo assistia contente, correu à janela e afastou a cortina.

- Chefe! Os guardas! Vêm vindo, os guardas!

Foi o momento em que sinalizei para Elisabete a fim de que me desamarrasse, enquanto os dois estavam de costas confirmando a aproximação dos policiais. Eu não continha de ódio e de aflição. Levantei-me sorrateiramente e, feito um felino, mergulhei na garganta de Melvin ao passo que, com a outra mão, sacava o revólver de sua cintura. Trouxe-o para trás, com a arma apontada para sua cabeça. Bolacha virou-se e olhou, espantado. Ele tinha também o revólver no colt.

- Se tentar alguma coisa será um homem morto – falei.

Ele não fez fé em minhas palavras e sacou, mas eu, já de arma em punho, mandei-o para o inferno com dois tiros bem no meio do peito; caiu por cima do sofá e ali ficou, de olhos arregalados, contemplando o vazio.

Apenas no dia seguinte, mais calmos, conversamos sobre o assunto e relatei a Elisabete os motivos da minha ação seguinte.

Lancei, com violência, Melvin para o sofá e ele caiu ao lado do outro defunto.

- Reze, seu desgraçado! Pois vai para o mesmo lugar que esse aí.

- Andy, não!

Mas não adiantou o pedido de minha amiga, tais eram o meu ódio e meu sangue frio. Ele ainda tentou reagir, num gesto desesperado, vindo para cima de mim a fim de me desarmar. Mas não teve sucesso, obviamente. Apertei o gatilho. Dois tiros no rosto foram o suficiente, seguidos do grito de Elisabete, para por fim a minha agonia e mais uma carreira de crimes.

É claro que fiz aquilo por causa de uma amizade que nunca deixou incertezas. Depois do choque o reconhecimento. Faria o que fiz quantas vezes se fizessem necessárias. Senti, em seguida ao ato cometido, o frio das algemas que mais uma vez me apertavam. Fui preso, julgado. Quem possui, no entanto, uma amizade igual a minha com Elisabete pode ter a certeza da absolvição porque será feita a justiça. Nisto eu posso confiar.

Professor Edgard Santos
Enviado por Professor Edgard Santos em 16/11/2012
Reeditado em 20/11/2012
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