A VIDA POR UM FIO

Naquela manhã de inverno, Carlos acordou com uma grande preocupação - enquanto isso na cozinha a chaleira avisava que a água estava quente. Carlos precisava levantar e ir ao Médico levar o resultado do seu exame.

Sua mãe já o havia chamado para o café da manhã. Ela o acompanharia ao Consultório Médico. Carlos acordou, abriu os olhos devagar, sabia que tinha que enfrentar a realidade, não podia mais fugir, mas seu desejo era se fechar do mundo naqueles poucos metros quadrados do seu quarto.

Desde criança Carlos sofria de fortes dores de cabeça, as vezes sua mãe o tratava em casa medicando-lhe analgésicos, que nem sempre deu resultado. Com o passar dos anos as dores se intensificaram, obrigando o a procurar um especialista.

Carlos levantou-se, fez sua higiene costumeira, vestiu-se e logo estava de pé na cozinha, chamando sua mãe para acompanhá-lo. Ele já tinha ido ao Médico que lhe pediu uma série de exames. De posse dos resultados, só lhe restava levá-los ao Médico, para assim acabar com tanta angustia.

Após o desjejum, seguiram para o Consultório Médico, pegaram um táxi que os deixou na porta do Consultório. Carlos caminhava apreensivo, pelo resultado dos exames. Ao girar a maçaneta da porta, ele sentiu uma vontade insana de sair correndo dali, se afastando o máximo possível. Naquele momento um turbilhão de pensamentos invadiu-lhe a mente: - E se eu tivesse uma doença grave! - E se não houvesse cura! - E se eu tivesse pouco tempo de vida! - E pensava assim, quando foi interrompido por um paciente, que lhe pedia licença para entrar, trazendo o de volta a realidade.

Finalmente Carlos tomou coragem e entrou no Consultório, se anunciou na recepção, e aguardou ser chamado pelo Médico. O consultório tinha as paredes em tons claros, contribuindo assim para aumentar a iluminação do recinto, na parede um quadro de Monet, na outra havia um relógio. Aquelas foram as horas mais longas de sua vida. Fixado no relógio, Carlos contava os segundos passarem, e parecia que nunca chegaria sua vez de ser chamado. Ele gostaria de fugir dali, mas precisava enfrentar a realidade.

Após o que lhe pareceu uma eternidade, Carlos ouviu seu nome sendo chamado por um paciente que acabara de sair do Consultório. Ele levantou-se e caminhou até a porta do Consultório. Então entrou, sua mãe entrou com ele. E agora - pensava ele, o que será que o Médico irá dizer?

O Médico tomou os envelopes e começou a abri-los, Carlos observava atentamente, enquanto sua mãe orava em silêncio. Finalmente o Médico analisou os resultados, quando mordeu os lábios. Carlos atento a cada movimento do Médico, enquanto pensou consigo: - Por que ele não diz logo que tenho uma doença em fase terminal? Me livra assim desse tormento. Ele foi interrompido pelo Medico, que falou:

- Carlos vejo aqui que você tem um tumor na cabeça e o resultado deu maligno. Creio eu que não há muito o que se fazer. Vejo que está em estado avançado, impossibilitando de qualquer tratamento. Daqui por diante as dores se intensificarão, chegando mesmo ao ponto de uma internação para suportar a dor, esse é somente um paliativo.

Por que Carlos não ficou surpreso? Ele já esperava o pior, afinal foram anos e anos sentindo aquela dor infernal. E pensou: - Será que se tivesse buscado ajuda mais cedo não seria diferente?

Sua mãe derramou-se em lágrimas, ela não se conformou, na mente dela uma mãe jamais deveria ir ao enterro de um filho, pois pela ordem natural das coisas o certo seria o contrário.

Os dias foram passando e Carlos entrou em depressão, enterrou-se mais cedo, não saia mais do quarto, não levantou mais da cama. Ficou prostrado na cama a olhar o teto. A vida corria lá fora, enquanto ele não percebia mais nada, nem a janela do quarto ele deixou a mãe abrir, não ia mais ao trabalho e alimentava-se muito mal.

Como era de se esperar em pouco tempo começaram as dores de cabeça, que se intensificavam cada vez mais. Carlos quis ir se internar, mas sua mãe se negava a ficar longe do filho, como se dessa maneira ela o mantivesse longe da morte. Mas as dores passaram a ficar tão fortes, que Carlos gritava dia e noite, não deixando alternativa senão interná-lo.

Naquela manhã de uma quarta-feira, a ambulância foi chamada, quando sua mãe viu aquela cena, com um paramédico adentrando a sua casa e levando seu filho, foi como lhe arrancar seu coração. Carlos então já pre-medicado caiu em sonolência. Sua mãe o acompanhou e na maioria das vezes ficou ao seu lado. Aquela foi a última vez que ela o viu com consciência.

Chegando ao hospital, Carlos foi entubado. Sua mãe passava os dias orando a Deus, suplicando que não levasse seu filho.

Carlos foi levado para um quarto particular, com dimensões medianas, as paredes em tons claros, em frente ao leito uma TV, o ar condicionado gelava o ambiente, na parede uma figura envelhecida pelo tempo. Sua mãe agasalhava Carlos. Os dias se passavam e ele não apresentava melhora, para aflição de sua mãe que se recusava a aceitar sua morte. Ela quase não dormia, não se alimentava direito e pouco ia em casa.

Certo dia o Médico a aconselhou a ir em casa, tomar um bom banho se alimentar direito e dormir um pouco. Muito contra gosto ela foi. Dormiu como a muito não dormia, caiu na cama e apagou. Ela teve um sonho com seu filho, onde ele dizia:

- Mãe venha comigo, veja aonde vou morar. É lindo!

E tomando a mãe pela mão, Carlos a levou por um lugar muito lindo, com belas vegetações, um lindo lago, um campo verde e um jardim belíssimo, diversos chalés lindos. Parecia um conto encantado.

Enquanto ela observava a beleza daquele lugar, via a felicidade de Carlos em estar ali.

Eles passavam por diversas pessoas,como se ali fosse realmente um mundo. Carlos encantado pelo lugar não poupava elogios.

Após uma boa caminhada chegaram a um chalé lindo, da chaminé saia fumaça. Carlos entrou, como se morasse ali. Sua mãe entrou com ele e para sua surpresa encontrou seus antepassados, sua mãe, seu pai, seus avós, e foi só felicidade. Se abraçaram longamente, aliviando a saudade.

Depois de tamanha recepção, a mãe de Carlos se acalmou, então foi a oportunidade que ele teve para falar:

- Mãe eu te amo muito e sempre amarei, mas minha hora já chegou. Você precisa deixar-me partir, agora aqui é minha casa, veja estou cercado por entes queridos. Você precisa entender e me deixar vir. Eu só estou preso aquele mundo por sua causa.

Veja mãe aqui serei feliz! É uma outra etapa da minha vida, aquela já cumpri. Por favor mãe entenda e me libera.

Pela manhã ao acordar sentiu-se mais animada, como se estivesse irradiando luz. Orou a Deus e disse-lhe que fosse feita a sua vontade. Em seguida dirigiu-se ao hospital, aproximou-se de seu filho ainda em coma e conversou com ele, segurou sua mão e disse-lhe:

- Filho segue em paz.

E ao terminar de pronunciar estas palavras, Carlos suspirou e partiu.

Poucos dias depois a mãe de Carlos recebeu um telefonema do Médico que cuidou de Carlos, disse ele:

- Tenho aqui uma menina, que nasceu com deficiência nas pernas, a mãe a abandonou aqui, pensei em você. Você gostaria de adotá-la?

E assim vemos os desígnios de Deus.