(Foto tirada do Google)

O espelho

            

            

Caminhando bem despreocupado por uma ruela sossegada, deparei-me em frente a uma pequena loja de antiguidades. Com tempo de sobra, resolvi entrar para dar uma olhada, muitas peças dali com certeza, despertavam curiosidades. Os detalhes minuciosos; tanta preocupação com a perfeição, outrora tão considerada, mas não nos nossos dias de hoje, onde o mundo é completamente regido pela capitalização, pelo barato, pelo imediato, pelo prático, pois o tempo urge.

Um senhor já idoso, me viu entrando e veio falar comigo, muito gentil. Pude perceber que tinha um leve sotaque.

— Senhor! Temos também peças lá no andar debaixo. E temos também algumas relíquias que estão em destaque!

Desci lentamente a escada que era em curva e bem estreita, e deparei-me com uma sala de algum lugar do passado. O chão brilhava muito e a arrumação parecia-me perfeita, com um lindo candelabro dourado no centro pendurado. Tinham alguns quadros na parede com moldura trabalhada; pareciam-me Paris à noite, com todo o seu glamour figurado. Uma poltrona no canto estampada, majestosamente delicada, que parecia em seu aconchego, expressar um convite calado. No canto embaixo da escada tinha uma escrivaninha bem antiga, parecia ser de madeira imbuia, e continha muitos escaninhos. Também o acabamento não foi usado verniz e sim goma-laca, deduzi que a peça tinha pelo menos uns cento e cinquenta anos. Esta relíquia era acompanhada por uma cadeira muito confortável; sentei-me imaginando-me, como se tivesse no século dezenove. Do lado desta, continha um jogo de chá de porcelana indubitável, em uma bandeja prateada, em cima de uma mesinha de metal nobre.

Levantei-me e comecei a andar, até que algo me chamou a atenção! Era comprido e estava coberto por um pano bege, num canto da sala. Cheguei perto e o descobri; era um espelho me refletindo com exatidão, esculpido em sólida madeira cobreada e com alguns detalhes em prata. Uma etiqueta na borda tinha o preço, e que era originário da Inglaterra, e também do século XIX, do ano de mil oitocentos e sessenta e cinco. Fiquei ali parado em frente a ele, como que hipnotizado pelo mesmo, e comecei a ver eu mesmo com uma mulher e três crianças à nossa volta. Estávamos em um parque que eu não reconhecia, com árvores e um lindo lago, quando ouvi uma das crianças gritando: Papai, olha os patinhos nadando! ... Assustado e olhando com atenção, percebi que as crianças se pareciam comigo, deduzindo que eram os três meus filhos, e por que eu não estava lembrando? Envolvido em minha aflição, me veio à dedução de que algo não estava certo, eu estaria perdendo minha sanidade, ou eu estaria sonhando outra realidade! Perdido em meus pensamentos, tudo começava a se distanciar pouco a pouco, até ver minha suposta esposa e filhos, desaparecerem da minha visibilidade.

Meus olhos foram se abrindo devagar, e fui olhando ao redor meio assustado, pelo que tudo demonstrava, eu tinha adormecido com a cabeça na escrivaninha. Levantei-me e caminhei até o objeto coberto com o pano bege, como no sonho, o descobri e cobri no mesmo instante, aumentando mais ainda minha agonia. Era o mesmo espelho com o qual eu havia sonhado. Tudo parecia muito estranho, e também o dono do estabelecimento, até aquele momento não ter ido falar comigo. Peguei um dos quadros que tinha gostado mais, e fui subindo as escadas confuso, sem entender nada, na esperança de obter uma explicação do que tinha ocorrido. O proprietário da loja estava atrás do balcão, sentado em um banco, lendo um livro. Caminhei até ele com o quadro para pagar, ele me olhou e disse calmamente:

Eu fui lá embaixo e o vi dormindo, achei que o senhor poderia estar muito cansado, então resolvi não o acordar, também porque a chuva já tinha começado fortemente.

Eu lhe respondi: — Muito obrigado pela consideração! O senhor é mesmo muito gentil!

Paguei o quadro, agradeci e fui saindo, quando estava perto da porta, o ouvi dizer:

— O senhor não gostou do espelho? Achei que poderia se interessar. O senhor não o viu?

Engoli a seco, mas respondi: — Vi sim, mas já tenho um antigo, outro não posso ter.

Agradeci e saí da loja mais assustado ainda. Por que ele me perguntou sobre o espelho, por pura coincidência, ou ele sabia de alguma coisa?! Acho melhor eu esquecer tudo. E se eu fui realmente até o espelho e tive uma visão do meu futuro?! Posso ter desmaiado, e ele ter me colocado sentado na cadeira. Acho que saberei a resposta um dia, eu espero.

E assim o tempo passou, e esqueci-me desta história, até o dia que conheci minha esposa, que era justamente a mesma mulher do meu sonho, casamos e tivemos três filhos lindos. A cena do parque aconteceu também, com o meu filho me chamando, tudo a mesma coisa. Como no sonho ou previsão, meus filhos eram a minha cara, todos três muito parecidos.

Voltei àquela loja depois, logo que conheci a minha esposa, até para tirar minha dúvida, mas a loja já não estava mais lá; o prédio era velho e tinha sido demolido há um ano.

Perguntei então pelos arredores sobre o dono da loja, mas do seu paradeiro ninguém sabia, me deixando frustrado, e na condição de aceitar, que a resposta talvez não chegasse jamais.

Um dia, passeando com a minha esposa, cruzamos com um senhor de bengala, que reconheci; era ele! Pedi um instante a ela e voltei para encontrá-lo, e prontamente lhe perguntando, ele logo me respondeu:

— Meu senhor! Acho que já tem a sua resposta, está logo ali! (Apontando para a minha esposa. E completou:) — Fique em paz! O senhor não é um insano!

Então despediu-se e foi desaparecendo em meio ao nevoeiro, para eu nunca mais vê-lo. E assim, voltei para a minha esposa e para a minha vida; um futuro mostrado em meu passado. Aquele espelho me mostrou este futuro, me fazendo pensar naquela possibilidade. As coisas são misteriosas, e às vezes podem ter padrões diferentes da nossa realidade.

 

Fernanda Goucher
Enviado por Fernanda Goucher em 31/10/2012
Reeditado em 04/02/2023
Código do texto: T3961112
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2012. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.