Só mais uma História

Estava escuro. A pouca luz que havia naquele lugar provinha de algumas tochas antigas suspensas nas paredes daquele corredor. Não pense caro amigo que aquela luz servia para algo bom, pelo contrário, a sensação de medo e perigo somente crescia. Enquanto eu caminhava podia ouvir os sons das pegadas do homem que se encontrava atrás de mim. Quem era ele? Eu não tinha nem sequer ideia. Onde eu estava? Ainda hoje me pergunto.

Estávamos descendo pela escada em passos lentos, talvez alguém se encontrasse dormindo, não sei. O barulho era nulo. Aquelas paredes feitas de pedra, lembrando uma construção medieval, me assombravam. Não sei exatamente o que senti naquele momento, quando os degraus terminaram. Talvez medo. Quiçá ansiedade. Preciso assumir que a curiosidade estava tomando conta de mim, deixando que o medo inicial se esvaísse.

Os degraus terminaram, mas isto tu já sabes. O seu fim nos levou, a mim e ao homem com feições estranhas, à uma enorme sala. Um hall de entrada. O estilo da construção não diferia de tudo o que tinha visto até agora, pedras e mais pedras, tochas antiguíssimas e tapetes vermelhos. Típico cenário de terror. Ou não, em meu íntimo algo tentava dizer-me que aquilo era obra de um rico excêntrico e que, talvez, ele quisesse apenas conversar. Pobre ilusão.

Caminhamos pela sala. Não posso negar que a imagem de obras antigas e valiosíssimas ainda toma conta de meus pensamentos. O porquê não sei. O mais normal seria lembrar-me dos horrores que lá vi, mas não, disto pouco me recordo. Preciso assumir, caro leitor, que tenho uma tendência a valorizar o que é belo. Pois bem, deves te perguntar o que aconteceu de tão importante naquele lugar, a ponto de levar-me a descrever o fato. Eis que depois de atravessar o hall, entramos em uma outra sala. Muito diferente da anterior.

Havia algo de diferente naquele lugar. Não sei o que,mas havia. Talvez fosse o altar de pedra ou as espadas estendidas sobre uma mesa. Talvez fosse a mulher que se encontrava em frente ao altar.

Acredito que até aqui esta história anda um pouco confusa, afinal, como uma pessoa aparece do nada em uma construção antiga? Pois bem, antes de voltar a cena que interrompo, contar-te-ei, paciente leitor, como fui chegar a isto.

Estava claro ainda. O sol estava se pondo. Eu e mais duas pessoas andávamos desorientadas, sem saber onde estávamos. Preciso dizer que mal sabíamos quem éramos. Na realidade eu sabia quem era, mas não sabia o que havia acontecido nas últimas horas. Enquanto caminhávamos – lê-se corríamos – algo dizia-me que tínhamos que fugir. De quem e porque não posso responder. O sol estava se pondo, a noite estava por chegar. Vi então um lugar conhecido. Era a minha casa. Estávamos seguras. Digo-lhe leitor que estávamos seguras pois tratava-se de três damas. Eu, minha mãe e outra moça a qual não reconheço. Corremos. Corri como nunca em minha vida. Sentia, ao chegar próxima a minha casa, que talvez não sobrevivesse. Mas sobrevivi, como podes perceber.

Caminhamos até a casa, de forma lenta e discreta. Tudo se encontrava em silêncio. Ao entrarmos no terreno, dirigimos-nos à garagem da casa. Havia alguém em minha casa. O homem que mais tarde desceria aqueles degraus comigo. Ele era alto, seus olhos eram negros e algo nele, não sei o que, me fazia querer ir embora. Junto dele, no jardim, encontrava-se mais um homem, não pude ver seu rosto. A conversa parecia séria.

Havíamos conseguido chegar até a casa, mas ela não estava vazia como deveria. Tínhamos de nos esconder, meu instinto dizia isto. Caminhamos, encostadas à parede. A sensação de perigo presente. Foi aí que uma mulher apareceu. Ela era muito parecida com o homem que havíamos visto no jardim, exceto por uma coisa: ela não representava perigo. Ela sabia quem éramos e porque fugíamos, algo me dizia que ela sabia. Não tive tempo de perguntar. Ela mandou que minha mãe e a moça estranha se escondessem na garagem, em um tipo de armário. Não havia espaço para três. Foi aí que nos separamos.

Corri, nunca gostei de correr, mas corri. Entrei na minha casa. Mas ela estava diferente. Segui para onde deveria ser meu quarto. Tudo estava mudado. No quarto havia três portas, cada uma levava a um quarto menor. Entrei em um deles e me escondi. O lugar era estranho. Algo ali me lembrava os livros de mitologia que costumava ler quando era criança. Claro, de forma um pouco mais assustadora. Aquilo se parecia com uma mini biblioteca. De certa forma, recordo-me, agora, que esta me pareceu com o que sempre imaginei que fosse uma estante da biblioteca secreta do Vaticano. Livros antigos, escritos em línguas mortas. Do outro lado, um retrato do homem que vira no jardim, ou então de algum antepassado. A foto parecia muito antiga. Aquilo era estranho. Como meu quarto mudara tanto em poucas horas? Se é que havia se passado apenas algumas horas. Eu começava a duvidar disso.

Me escondi, ao menos pensei que estava escondida, atrás de uma estante muito bonita. Lembre-se, caro leitor, sou uma amante do que é belo. Não sei se realmente ouvi,ou se foi fruto de minha imaginação, mas uma voz me mandou correr. Me mandou sair dali. Como explicar isto? Não sou dada a acreditar em vozes. Permaneci onde estava. Deveria ter corrido. Mas não, por que acreditar em vozes? Afinal, meu dia estava tão normal até agora. Teimosia, eis aí uma péssima conselheira.

Foi aí que tive o desprazer de conhecer o senhor do jardim. Aqueles olhos negros. De alguma maneira ele encontrou-me facilmente. Preciso confessar que inicialmente tive ideias ridículas a respeito de como ele foi tão rápido. Cheguei a supor que ele era um vampiro, um ser mitológico, algo do gênero. Vã ilusão causada pela Literatura excessiva. Era apenas um homem. Disse apenas? Eis aí novamente a vã ilusão que costuma me perseguir. Era a piorar criatura do mundo. Até aquele momento, ao menos.

O que poderia eu ter feito? Tentei acertar-lhe a cabeça com um vaso que se encontrava próximo. O vaso quebrou. Eu acabei sendo sendo arrastada porta a fora. Prometi à mim mesma, naquele momento, que se sobrevivesse aprenderia algum tipo de arte marcial. Sim, se eu sobrevivesse. Estava começando a acreditar que estava metida em algo sério. Seria a Máfia? Não me lembro de ter conversado com italianos. Nem com chineses. Bem, também não me lembro do que aconteceu antes deste dia. Talvez fosse a máfia.

Enquanto era arrastada podia ouvir a voz de uma mulher suplicando, provavelmente a mulher que encontrara na garagem. Só esperava que o destino de minhas companheiras tivesse sido diferente. Fui jogada em um carro. No porta-malas para ser exata. Não foi uma viagem muito agradável. Nunca me dei muito bem com lugares fechados. Tudo bem, lugares fechados, medo e ansiedade. Tente você viajar em um carro, trancado e cheio de dúvidas.Não, não tente. Não é agradável.

Preciso iniciar um parágrafo para justificar a falta de diálogos nessa narração. O que posso dizer? Não houve entre mim e qualquer pessoa citada até agora alguma conversa que valesse a pena ser escrita. Além de “Ande”, “Depressa”etc. Preciso dizer que tudo se reduziu a um monólogo. Comandado por minha parte. Sempre fui de muito falar. Infelizmente, não obtive muitas respostas.

O motor do carro desligou. Paramos. Um momento de silêncio. De repente ouvi sussurros indecifráveis. Alguns minutos depois o gentil cavalheiro abriu a porta. Ele estava vestido de forma diferente. Com um tipo de capa sobre si. Agora entendo porque nunca gostei de Harry Potter. Eu previa que não era algo bom. Déjà vú? Quem sabe. Era uma capa bonita. Algumas insígnias desenhadas, nada parecido com os símbolos que conhecera através dos livros. Era uma bela túnica. Ou capa. Tinham algo de místico. Aterrorizante.

Desci do carro. Ou melhor, fui jogada porta-malas à fora. Aí iniciou-se uma breve e entediante caminhada. Depois de longos minutos chegamos. Suponho que chegamos, afinal o homem de capa parou. A minha frente se encontrava uma pedra talhada. Havia belos desenhos aí. Algo que me lembrou os antigos egípcios. Não sei porquê ou como, mas algo dentro de mim fez com que inconscientemente minha mão se movesse até o último desenho. Havia naquelas letras estranhas algo magnético. Era uma chave. Uma espécie de chave. Como surgiu não sei, mas vi a minha frente uma enorme entrada. Algo digno da admiração dos grandes arquitetos. Entramos. Estava escuro. E o resto tu já sabes.

Voltemos a parte na qual a história foi interrompida. Entramos em uma sala, com altares e tudo o que quiseres imaginar. Fica tudo à disposição de tua imaginação. Preciso assumir que não pude prestar muita atenção aos detalhes arquitetônicos ou artísticos da sala. Altares. Espadas. Eis o tipo de coisa que rouba minha atenção. E a mulher.

Se tu, alguma vez, já leste algo sobre algum povo antigo, com certeza tens uma imagem muito interessante referente a uma sacerdotisa. Ou não. Pois bem, irei defini-la. Inicialmente pareceu-me assustadora. De uma beleza olimpiana. Inicialmente. Sua pele alva, seus cabelos cor de bronze. Era linda. Mas os olhos, havia algo neles capaz de acabar com a beleza. Não digo que não eram belos. Eram. Mas havia algo neles, algo de serpente. Algo de Harpia. Não sei como dizê-lo. Talvez fosse ela a deusa dos sonhos de muitos garotos. A mim, ela só transmitia perigo. Uma fúria passional contida nos olhos. Ódio banhado em uma aparência de calma. Quando ela olhou-me nos olhos não me viu. Foi esta a impressão que tive. Ela procurava por algo dentro de mim. Não era eu. Mas era.

Depois deste instante de observação fui lançada a um canto. Parei aos pés do altar. Meu sangue congelou. Lançaram-me então um espada. Dourada. Com pedras vermelhas. Realmente muito bonita. Hipnotizante. Preciso dizer que a admiração não durou muito. Vi avançando sobre mim o homem de capa. Sua expressão era funesta. Parecia estar em uma luta de vida ou morte. Ele possuía também uma espada. Parecida com a que se encontrava em minhas mãos. Era feita de um material transparente, desconhecido.

Ouvi um estalo. Estava sendo atacada. Estava me defendendo. Não podia ser verdade. Eu não sei lutar. Muito menos com uma espada. Levantei-me. Fui atacada e novamente realizei uma bela defesa. O que aconteceu? Eis um mistério. Eu lutara como uma verdadeira esgrimista. A cada ataque minha defesa era superior. A face do homem estava sangrando. Eu o havia atacado. Podia ver a raiva em seus olhos. Ódio. E eu não conseguia entender o motivo deste sentimento contra mim. Eu estava me saindo bem. Estava vencendo. Porém havia me esquecido da sacerdotisa. Ao esquivar-me de um golpe pude olhar em direção à bruxa de cabelos vermelhos. Algo estava acontecendo. Ela estava em transe. Duas espadas em suas mãos. Ela viria em nossa direção? As espadas giravam. Podia ouvir o zunido do metal cortando o ar. O que seria de mim? Talvez eu conseguisse lutar contra o homem. De alguma maneira eu podia. Mas contra aquela mulher... Havia algo de sobrenatural ali.

Concentrei-me em meu primeiro adversário. A mulher parecia estar estática próxima ao altar. Talvez houvesse nela algum senso de justiça. Talvez buscasse uma luta justa. Não sei o porquê da luta. Eles me tinham em cativeiro. Fraca. Não precisavam lutar.

Percebi de relance o ataque do homem de olhos negros. Defendi-me. A mulher continuava em sua cerimônia. Cerimônia? O altar. As pedras. A espada. O medo percorreu-me. Mesmo que eu vencesse o homem, se o vencesse, o que seria de mim? Eu estava trancada. Algo estranho acontecia ali. Por que eu me encontrava naquele lugar? Com aquelas pessoas. O homem atacou-me. Ouvi batidas ritmadas. Estaria morrendo? Seria assim a passagem da vida para a morte? Vi de relance o homem. Ainda não se encontrava próximo a mim. Minha espada estava erguida. Vi a sacerdotisa. As espadas girando. O zunido. Fechei meus olhos. Silêncio? Não. O barulho continuava. Cerrei os olhos. Tinha medo do que veria. Talvez não soubesse lutar, não conseguisse defender-me. Talvez minha habilidade fosse descarga de adrenalina. Seria o fim?

Abri os olhos. Estava escuro. A música soava. Estava em meu quarto. Meu celular tocava. Eram sete horas.

(Março de 2012)

A K Burg
Enviado por A K Burg em 06/10/2012
Reeditado em 06/10/2012
Código do texto: T3919828
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