Crocodilos Também Choram
 
           



         Nunca tivera coragem de conversar com a vizinha, Leandra. Achava-se indigno, feio, tendo o rosto emoldurado por grossas armações negras e quadradas. Franzino, via-se o pior dos homens, o menor, o mais aviltante. Se não fosse pelo costume de ter que fazer barba e pentear o cabelo, nem espelho teria em casa.
            Leandra, ao contrário, era a mulher dos sonhos de qualquer homem naquela faixa febril dos 20 anos. Alta, loira e encorpada. Moravam em um bairro do subúrbio, frente-a-frente e à vista dela suas pernas tremiam e o coração disparava.
            Vivia com seu padrasto, após a morte da mãe e sua vida era praticamente solitária. Mal se falavam, pouco se viam e apenas se suportavam.
            Estudante de biologia viu, em uma noite, um indivíduo mal encarado, corpulento, trajando negro invadir a casa de Leandra. Naquela época telefone era questão de luxo. Não tinham. Como avisar a polícia? Como avisar alguém? A moça estava sozinha, pois vira os pais saírem. O padrasto também não estava e, assim, resolveu ajudá-la custasse o que fosse.
            Quando no meio da rua, ouviu-a dar um grito. Sem pensar, arrebentou com o peso do corpo a porta frágil e subiu as escadarias do pequeno sobrado. O meliante estava deitado sobre a moça estrangulando-a. Sem saber da força que tinha, chutou o homem na barriga. Esse quedou de lado contorcendo-se. Em seguida acudiu à moça.
            O bandido, refazendo-se, percebendo, devido à movimentação na rua que mais pessoas estavam para chegar, tratou de fugir. Era tarde para Leandra. Frágil, seu pescoço de vidro não suportou a agressão.
            Os vizinhos, esses infelizes, não viram ninguém além do nosso apaixonado, entrar ou sair. A culpa lhe caiu com toda a força. Sabiam da sua paixão, das vezes em que a seguira, dos momentos todos em que fora surpreendido nas ruas, nas esquinas, na sua janela a encará-la com aquela calma sinistra que cerca a aura dos psicopatas.
            O julgamento atraiu a opinião pública e naquele país a pena era a morte.
            Todas as provas, ou o que achavam que fossem provas, o condenavam. Esperou anos no corredor da morte, vivendo a calma dos justos, esperando o encontro com a cadeira elétrica. Escreveu apelos, declarou-se infinitas vezes inocente e chorou lágrimas que a humanidade declarou: crocodilos também choram.



            No momento crucial, sentado para receber a descarga da fatalidade, perguntaram-lhe as últimas palavras:
            - Não matei por amor, não matei ninguém, mas morrerei por amar demais.
            Quando o oficial encarregado estava pronto a descer a chave ligando o dispositivo letal, eis que as lâmpadas da sala piscaram sem cessar. Os pais de Leandra, atrás do vidro que separava as testemunhas do condenado, começaram, desesperados, a bater contra o mesmo. Devido à pane, a execução seria adiada para uma checagem completa nos circuitos. Os pais da jovem, apavorados, pediram ao governador e imploraram para que a pena fosse adiada. Todos ficaram atônitos ao declararem que viram a filha Leandra diante do réu, em amplo desespero, acenando com gestos que não fizessem nada e que parassem a execução. O advogado dos mesmos fez um apelo formal escrito.
        
           Àquela altura, a lei humana não lhes deu crédito e a execução seguiu assim mesmo. Sua ação em prol da jovem resultou em um indesejável efeito colateral. Quando tudo terminou, nosso amigo se viu, após toda a carga que seu corpo sofreu, sendo conduzido pela mão direita da amada Leandra, que lhe confortava:
            - Existe um lugar em que a justiça realmente é perfeita e que aqueles que são bons e puros como você não sofrem pela imperfeição dos demais.
            Infelizmente, para ele, aqui era tarde, mas naquele Mundo Paralelo a felicidade lhe seria possível...