Brucutu Negro - O vizinho do Terror

A vizinhança estranhou quando aquele homem alto, de tez alva e de musculatura avantajada havia alugado o velho sótão da rua 13. Um sujeito calado, estampando uma carranca na cara, olhando sempre para o chão, quando andava pela calçada -,se quer cumprimentava a vizinhança quando passava pelos moradores. Gostava de usar uma botina marrom militar, calça jeans com os joelhos rasgados, cinto de couro cru. O seu andar era de alguém decidido,de palavra segura - daqueles que sabiam o que queriam da vida. Sempre usava um boné, parecia querer esconder o rosto. A camisa sempre por fora do cinto, como se andasse armado, desejando assim, esconder o cabo da mesma na folga da camisa.

Os gestos, posturas falam; identificam quem você é, acredite. O olhar no chão não era o de um derrotado, era o olhar de quem não suportava ter á sua frente os fracos, medíocres, acomodados. Cultiva um hábito fora de moda, uma cigarrilha fina pendia entre os dois lábios, as vezes apagada, so a tinha ali, parecia, por força do hábito.

Os horários eram irregulares - isso causava estranheza mais ainda.

- Não deve ter uma ocupação fixa. Vejo ele muitas vezes de dia, a qualquer hora, como se fosse um sujeito ocioso, um desocupado.

Dizia um dos seus vizinhos, um antigo morador.

- Hum...

Observou uma senhora, daquelas que vivem besbilhotando a vida alheia.

- Conheço essa gente, de procedência duvidosa, acho estranho, e tenha medo dessas figuras que vivem longe da família. Acho que não estamos seguros com esse indivíduo por aqui. Não escolheu a nossa rua a toa

- A Clotilde alugou o velho porão para complementar a sua renda familiar, depois que o velho morreu, as coisas ficaram mais difíceis. Os seus filhos pouco aparecem, ela é velha e a aposentadoria não ajuda muito a manter as suas despesas com os medicamentos. Botou a placa de aluga-se, esse aí apareceu do nada numa noite fria, quase ás dez da noite.

Naquela noite, o sujeito, que era alvo das más linguas saiu ás 18:00 h. Estava todo de preto. Os passos firmes na calçada - e, diversos pares de olhos a observá-lo à espreita. Levava uma mochila nas costas, volumosa.

- Agora ele so chega ao amanhecer. O que será que tanto carrega nessa mochila? Não larga dela.

Disse, da janela, protegido pela cortina, Raimundo. Um coroa aposentado, tinha quase setenta.

- Deve ser assaltante. Vamos fazer uma denúncia anônima para a polícia. E, se for um perigoso traficante?

Vamos convidar os nossos vizinhos para fazer a tal denúncia.

Disse a sua esposa, professora aposentada, de 60.

- Assim não vai ser denúncia anônima, burra.

- É verdade, sozinha eu não faço, tenho medo. Pára de me xingar, que mania essa sua.

- Isso, fique na sua, em boca fechada mosca não entra. Quem manda ser burra.

Nunca o viram pegar um ônibus ou metrô. Tomar um refrigerante, uma cerveja ou fazer um lanche nas proximidades. Jamais o viram trazer uma mulher para o sótão -não, minto, ocorreu uma vez, apenas. Estavam meio tomados e ele a todo momento apalpava a bunda dela por cima da saia, apertava os seios - ela reclamava,não largava de uma garrafa de vodca. Esta foi a única vez que o viram numa situação, digamos assim, de normalidade. Depois se embrenharam sótão a dentro. Surgiram dali alguns gemidos, risadinhas e um silêncio absoluto. Jamais viram a mulher sair de la de dentro. Muitos olhos vigiaram o sótão, noite e dia, nada de alguém ter visto a mulher branca, loira, de cabelos cor de caju, olhos amendoados, de lábios grossos, pintados de negro, os seios fartos. Vestida de saia de couro, botas de salto Luíz XV, dali sair.

- Ja o vi com uma pá. Saiu com ela nos ombros ás 18:00, so retornando às 23:00. A pa estava suja de terra. Quanado esteve com a mulher ele saiu com a mochila grande e parecia cheia e pesada.

Disse o padeiro aposentado conhecido por Zé Curió.

- Será que...

Observou a sua senhora, levando uma das mãos a sua boca,esbugalhou os olhos das órbitas, fazendo uma carranca. Precisamos criar coragem.

Causa muita estranheza quando ás vezes ficava o fim de semana enclausurado no sótão. A única janelinha fechada. Dizia a aposentada que o alugara que ele jamais a incomodava, não era como os demais inquilinos que pediam água gelada, uma xícara de café, uma porção de açúcar ou dinheiro emprestado. A porta que dava para a cozinha da residência estava bloqueada, ele adentrava para o sótão pela entrada lateral, após descer uma escada com alguns degraus.

- Ouço apenas o som dos seus dedos, como se digitasse, quando fica em casa. Fora isso, parece que nem rádio,tv, essas coisas ele tenha. Eu so ouço o som de suas botas, quando ele sai ou chega.

Falava para os vizinhos curiosos, a sua locatária.

- Ele é muito suspeito, e no dia que ele trouxe a mulher, a senhora ouviu algumas coisa? UM grito de dor, discussão, talvez, usaram drogas.

Perguntou uma das senhoras.

- Sim.

- O quê?

- Alguns...

falou, com interrupção, exibindo um leve sorriso na sua enrugada face.

- Fala...

Pedia, com curiosidade a sua comadre.

- Ouvi alguns gemidos, e a garrafa se partiu ao solo, após risadas.

Para espanto de todos. Gemidos, naquela hora remetiam mais a dores, do que prazeres noturnos, de fim de madrugada.

A lua cheia despontava na alta madrugada. E, ali, no sótão, disputando espaço com baratas, aranhas e alguns ratos calungas, la estava o homem estranho frente a um notebook. Uma lâmpada pendia sob a sua cabeça. Digitava de forma frenética, enquanto algumas muriçocas lhe rodeavam as mãos, tentando dar a primeira picada da noite - impossível para os insetos acompanhar o bailado das munhecas frente ao teclado. Vez ou outra, fechava as mãos em concha e as esmagava com sucesso.

Numa mesinha ao lado estavam pilhas de papel ofício, com rabiscos. Livros espalhados pelo piso de madeira encardida, muitas bolinhas de papel. O frio adentrava pelas frestas de madeira açoitando as suas costas - parecia não dar importância - parecia hipnotizado diante da luminosidade que erradiava do monitor do notebook.

A lua podia ser avistada pela janelinha, de vidros rachados, outros quebrados. Ele a observou, com um olhar penetrante, como se a desejasse feito um astronauta amante das estrelas. Dividia-se entre o teclado e o olhar para as estrelas. O ritual foi interropido quando um carro morreu o motor de forma vagarosa. Um casal trocava carícias ousadas e do rádio saia um reggae que falava de paixões proíbidas e de um amor que nada durou. Ele fixou, displicentemtente, olhares no carro. Fizeram rápido. Logo os pneus cantaram de forma sonora.

- Pensei que fossem parceiros dele.

Falou um dos bisbilhoteiros, da janela, escondendo-se atrás das cortinas.

- Nada, foi aquele casal que sempre pára o carro aqui na porta, fazem aquelas coisas nogentas e depois vão embora naquele velho fusca amarelo. Como geme aquela vadia, parece de propósito.

O homem alto, forte, de tez clara, cabelos loiros e cara de mau. Silencioso. A única vez que falava com a locatária era no dia do pagamento do sótão, que era feito de forma religiosa, sem atrasos. Pagava num envelope, dizia uma frase monossilábica e logo lhe dava as costas. Sentia no olhar a vontade da velhinha em lhe perguntar algo. A sede da curiosidade estava estampada nos seus miúdos olhos lacrimejantes.

A mulher bonita e jovem, de cabelos de cor de caju nunca mais foi vista, e ele era visto de forma irregular, ora durante á noite, tarde, ou logo ao amanhecer . Não sabia como se virava diante do frio cruel das madrugadas. Fumava uma cigarrilha fininha, que cheirava bem.

Era comum vê-lo retornar sujo, com as roupas encardidas, com pó de terra, ou com sujeira sabe-se la do que. Muitas vezes o viram com livros nas mãos, talvez gostasse de leitura.

- Ele tem gosto estranho. Estava com um livro daquele tal de Poe, que escrevia contos macabros. Vi também, títulos de Kafka. Outro dia, vestia uma camisa com a foto do Tche Guevara, e tinha um livro biográfico do Fidel castro.

- Gente perigosa, leitura perigosa. Fui educadora sei como é isso. Os marginais gostam de funk, os psicopatas de leituras de autores sombrios.

Naquela tarde de sábado, os meninos da rua estavam brincado de bola no asfalto, enquanto não passava mais um carro; a rua era tranquila, não fazia parte do roteiro de trânsito intenso. Num chute displicente, a bola rolou e foi parar próximo ao sótão, junto da janelinha. Joãozinho correu para pegá-la. Ao pôr as mãos na bola, acidentalmente deu com o rosto voltado para a janelinha - e, ali o viu sentado diante do notebook usando um brucutu negro.

O menino ligou aquela imagem aos muitos noticiários policiais que ja vira na tv. Ficou espantado, amedrontado, quase sem fôlego.

saiu correndo dando um grito, foi para sua casa, deixando os amiguinhos no asfalto sem a bola. Todos correram, também, assustados sem procurar saber o por quê do espanto e da correria do coleguinha.

- Não diga nada para ninguém, sei como são essas coisas. A polícia prende, a justiça solta. Depois ele volta e vem dar conta de todos.

Dizia o pai do menino, com a família reunida.

Nunca mais o homem alto, forte, loiro, calado, de botinas marron militar, e que usava um brucutu negro no rosto, diante do notebok foi visto pela vizinhança. Não sabiam, os curiosos se o mesmo ainda habitava no sótão, pois, a velhinha que o alugara, não dava mais com a cara na rua. O fusquinha amarelo continuava parando na frente do sótão, na madrugada, e o casal fazia aquelas coisas nogentas, depois cantava os pneus no asfalto e seguia. A lua cheia decorava a abóboda celestial, desprovida de estrelas.

Para surpresa daquela vizinhança de velhinhos curiosos, naquela manhã ,estava na capa dos jornais nas bancas de revistas do bairro, estampada o rosto de um homem de brucutu negro. Dizia a matéria: "Escritor Brucutu Negro, enfim, após, recolher-se, sabe la aonde, para escrever o seu último livro de contos macabros-A Lua Cheia. Desta vez velhinhos são personagens em sua história de terror."

Leônidas Grego
Enviado por Leônidas Grego em 15/09/2012
Reeditado em 02/05/2013
Código do texto: T3883834
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2012. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.