A Cidade 3:Céu Noturno

As escadas estavam empoeiradas, embora em bom estado. O prédio era antigo, era um daqueles prédios que se destacava por ter apenas cinco andares, enquanto estava rodeado por arranha-céus, Tom morava ali desde que começou seu trabalho como contador numa grande compania há um ano. Tom abriu a porta que dava para o telhado com certo receio do que iria encontrar ali, a porta rangeu lentamente enquanto se abria, deixando o ar fresco da noite fazer os cabelos castanhos dele ondularem. A noite na cidade era singular, o céu negro envolvia a cidade como um manto que cobre um cadáver, não havia estrelas no céu, e o brilho da lua crescente era fraco, ofuscado pela lâmpada em cima da porta, Tom olhou para o lado e percebeu que seu vizinho, Harry, estava sentado no chão do telhado com as costas recostadas no parapeito, ele fumava um charuto, e seus olhos cinzentos pareciam procurar alguma coisa na noite. Tom deu alguns passos lentos, debruçou-se sobre o parapeito ao lado de Harry e observou a rua, os carros andavam freneticamente e as pessoas tinham passos apressados que os levavam para lugar nenhum, as luzes dos prédios ao redor eram fortes e espantavam a escuridão noturna, o charuto de Harry exalava um odor estimulante, e ele, olhando para Tom disse:- É cubano. Quer um trago? E Tom olhou para o homem de trinta e poucos anos e cabelos já grisalhos com um ar interrogativo, mas acabou aceitando, Tom sentou e por um momento observou o charuto queimar, depois de devolvê-lo a Harry, ele olhou para cima tentando lembrar o que pretendia fazer naquele telhado. Harry de repente perguntou:- O céu está tão escuro e provocante como essa cidade, não acha? Tom permaneceu calado por alguns minutos e depois respondeu:- Acho.

Um avião passava sozinho na escuridão daquele céu que parecia infinito, e Tom se perguntou o que as pessoas naquele avião veriam se olhassem para baixo, será que veriam apenas um ponto brilhante, pequeno o bastante para escapar da vista? Ou veriam um ponto negro, mais escuro que o próprio céu noturno? E ele não soube responder.

Uma chuva fina começava cair, e as frias gotas eram as únicas coisas que mantinham Tom acordado. Ele se levantou para tentar espantar o sono, as pernas por um momento fraquejaram, ele olhou para baixo, nas calçadas era possível ver centenas de guarda-chuvas movendo-se em um fluxo constante. Mas aquela sua contemplação foi interrompida pela voz forte de Harry:- Sabe, eu fui criado nessa Cidade, e tenho que admitir que tive uma bela infância, mas tudo mudou desde então, tudo se tornou mais sombrio, A Cidade cresceu, se tornou mais do que apenas um lugar, mais do que apenas uma cidade, você vai me chamar de louco, mas ela adquiriu quase que vida própria, você sabe, A Cidade muda as pessoas...

Tom olhou vagarosamente para Harry, tentando entender o que ele falava, mas o sono e a chuva só deixaram que ele ouvisse uma parte. Os cabelos já encharcados caíam-lhe sobre os olhos, mas ele viu Harry se levantar e olhar para baixo, e ele observou um guarda-chuva ser levado por uma súbita rajada de vento. Tom foi andando vagarosamente até a porta que dava para as escadas, ele reteve-se na porta e ficou observando Harry por alguns instantes e finalmente perguntou:-Você não vem?

Harry apenas fez um gesto com a mão para que Tom descesse, este deu de ombros e arrastou os pés pelas escadas. Harry olhou para o céu, e a escuridão mesclou-se à clara névoa que se formava, ele olhou mais uma vez para baixo e então deixou-se cair. Logo seu corpo imóvel interrompeu o fluxo de guarda-chuvas, a chuva misturou-se ao sangue que corria. Um homem com um terno surrado se abaixou, deixou um guarda-chuva protegendo o corpo e se foi na multidão, seus olhos vidrados refletiam a escuridão da noite.