A MULHER QUE DORMIU COM O DIABO

A manhã cinzenta de agosto era um prenúncio de chuva, apesar de já ter chovido um pouco durante a noite. Pelas ruas enlameadas de um vilarejo um carro da Polícia circulava vagarosamente, parando em frente ao portão de uma antiga mansão onde morava um senhor de atitudes estranhas. Um corpo de mulher encontrado nos jardins da residência era então recolhido, apresentando sinais de estrangulamento. Questionado sobre o fato o Senhor Walt nada soube explicar, apenas informando que ouvira barulhos e gritos na noite anterior.

Sentada na varanda de sua casa, que ficava em frente a mansão, Samantha tudo observava, estava a par dos fatos estranhos que ali aconteciam com mulheres, apenas com mulheres. Essas pobres criaturas eram atraídas para aquele local e dificilmente eram vistas novamente com vida. As poucas que escapavam contavam histórias horripilantes e jamais se atreviam a sequer passar pelo local. O Senhor Walt nunca foi acusado pelos crimes, nada era provado contra ele, continuando imune a qualquer acusação. Pouco circulava pela cidade, principalmente durante o dia, o que era raro. Preferia a calada da noite e as ruas silenciosas, quando era visto e temido, vestindo uma capa preta e um chapéu também preto. A luz dos lampiões não chegavam ao seu rosto, os seus passos eram quase lentos, porém rapidamente sumia da visão humana num piscar de olhos. Usava às vezes um automóvel preto e quando adentrava ou saía da sua mansão ninguém via quem abria e fechava o imenso portão de ferro.

Samantha sentia uma irresistível atração pelo Senhor Walt, ficava horas na varanda só a espioná-lo, quando ali ele estava, ora na sacada do imóvel, ora na janela. Parecia gostar de ser admirado por ela, parecia tentar atraí-la para si, essa era a idéia de Samantha. Tinha certeza que aquele homem solitário matava mulheres, amando-as primeiro, sentindo o perfume de seus corpos, para em seguida estrangulá-las, muitas vezes sumindo com os corpos. Mas ela tinha vontade de chegar bem perto dele, queria atraí-lo em vez de ser atraída, queria descobrir a razão daqueles crimes.

Geralmente era o que acontecia, a Polícia recolhia os corpos, investigava mas nada encontrava que pudesse incriminar o Senhor Walt. O homem era bastante esperto, sabia eliminar qualquer pista que porventura pudesse ser encontrada. Mas Samantha sabia da sua culpa, sabia que ele era o grande responsável pela matança. Sonhara inúmeras vezes sendo possuída pelo Senhor Walt apesar de detestá-lo, porém uma estranha força a induzia a ir até ele, a impulsionava para os seus braços, tentava sua mente para seduzi-lo, mesmo tendo consciência de que poderia estar assinando a sua sentença de morte.

A chuva caiu forte, encharcou a já enlameada rua do vilarejo, onde a Polícia acabara de recolher mais um corpo. Samantha a tudo assistiu da sua varanda, olhava atentamente a mansão, os movimentos do Senhor Walt. Muitas vezes da sua janela ele se deixava observar, parecia sentir prazer com isso, estava certo de que a atraía, de que seria a sua próxima vítima. Pareciam estar sintonizados mentalmente, Samantha e o Senhor Walt tinham uma certa atração mútua, uma coisa que eles mesmo não sabiam explicar.

A chuva passou e ela decidiu que essa noite poria tudo em pratos limpos, resolveria de uma vez por todas essa questão, saberia o que realmente se passa na cabeça doentia desse homem cruel, desse assassino de mulheres. Esperou a penumbra da noite e se vestiu de uma forma que o deixasse excitado, se mantendo provocante, dando toda impressão de que queria ser atraída por ele. Desceu e ganhou a rua, não se importando que a lama sujasse os seus sapatos, indo então ao seu encontro. Ele percebeu que ela era uma vítima fácil, sabia que Samantha havia resistido muito aos seus apelos mentais, mas agora finalmente ela caíra na armadilha, teria o mesmo fim das outras. Não seria mais necessário ficar olhando aquela mulher na varanda de sua casa, ela estava ali bem perto, vindo ao seu encontro, para os seus braços e depois para a morte. Iria saciar então esse antigo desejo sexual que tanto esperava e Samantha sabia, mas ela vinha preparada, tinha uma carta nas mangas, não se entregaria assim facilmente.

O portão se abriu e ele saiu, sempre era assim quando saía em busca de suas vítimas. Aproximou-se de Samantha sem mostrar totalmente seu rosto, deixando que ela apenas visse o seu sorriso falso na penumbra, na sombra do seu chapéu. Levou-a para dentro imaginando que ela estava hipnotizada pelo seu olhar. Abriu a porta da mansão e adentraram encontrando a sala com pouca luz, abraçou-a, sentiu que aquele corpo era totalmente seu. O Senhor Walt então afastou levemente o véu que Samantha usava, cobrindo sua testa, percebendo um desenho tatuado que o deixou perplexo, parado, sem conseguir fazer nenhum movimento mais. Era uma cruz que o fez perder toda a sua coordenação, todo o seu poder, ficando à mercê dela, que o levou para o quarto, posicionando-o na cama. Tomaram um drink naquela cama macia, confortável e quente, tendo Samantha total confiança de que sairia com vida dali, pois a cruz tatuada em sua testa o dominou, quebrou sua força mental. Ele confessou que jamais gostara de mulher por ter sido enganado por algumas delas e tendo grande prejuízo financeiro, prometendo eliminá-las para saciar essa psicose, esse trauma que se abateu em sua vida. Dormiram tranquilamente após Samantha descobrir que o Senhor Walt estava dominado por uma entidade satânica e que ela deveria acabar com a matança de mulheres.

O dia amanheceu, a chuva persistia deixando a rua quase intransitável. Um carro da Polícia parou novamente na frente do portão da mansão, pois alguém teria chamado essa viatura, que agora recolhia mais um corpo, só que desta vez não era um corpo de mulher e sim o corpo do Senhor Walt, que tinha uma estaca cravada em seu coração. Da janela da sua casa Samantha a tudo assistia e como sempre ninguém soube informar nada a respeito do crime.

Moacir Rodrigues
Enviado por Moacir Rodrigues em 05/09/2012
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