O senhor da discórdia: Capítulo 12, 13 e 14

CAPÍTULO 12

Artur estava sentado no canto, observando aquelas pessoas naquele lugar estranho. Começara a garoar e eles estavam desprotegidos. Além do frio que também fazia.

Ele olhou para sua tia, Natalina. Fazia tempo que não a via. Parecia ter envelhecido um século. Pelo menos suas olheiras mostravam isso. Olhou para seu tio Almir e o desgraçado do Ézio. Estavam de pé, segurando nas grades, talvez a espera de uma salvação. E essa salvação tinha nome. Adriana.

Agora ele começava pensar no idiota que havia sido. Empurrar sua irmã da escada só pra ela não ir atrás do dinheiro. Talvez agora ela estivesse num hospital, gravemente ferida. Quem sabe? Ele se sentiu um completo idiota. Começava a se arrepender do que tinha feito, mesmo que fosse duro demais pra ele.

Olhou para Samira, sua prima que não desgrudava os olhos dele. ‘’Ela é bonita’’, pensou sorrindo de volta pra ela. Gabriel observando em silêncio sussurrou.

- Você é um idiota, Artur.

Gabriel sentou ao seu lado e assim ficaram durante minutos. O local estava silencioso. Todos pareciam estar ansiosos pra saber o que ia acontecer.

- Se arrependeu também? – perguntou Gabriel observando sua prima fora da jaula, que estava com os olhos arregalados de medo.

- Por que ela está ali?

- Não sabemos. Talvez pra ser usada como refém?

Artur encarou Gabriel.

- Como refém?

- Pelo menos parece que sim. Fomos sequestrados, Artur. A caça ao tesouro na verdade era uma armadilha.

Artur assentiu nervoso.

- E Adriana vai ser a próxima. Ela não queria vir, mas sabendo que todos sumiram, ela vai procurar a gente...

- E vai parar aqui também.

Natalina observava a conversa atenta.

- O pior é que não podemos fazer nada. – disse Artur.

- Você? Quer ajudar? – zombou Gabriel. Em seguida soltou uma sonora risada de desdém.

Artur o encarou.

- Como você me perguntou, irmãozinho? Se eu me arrependi? Sim, eu me arrependi. Tenho que pedir desculpas a ela.

Artur não podia falar do que havia feito com a irmã. Poderia ser linchado naquela jaula. Se bem que o único que tinha força ali era Gabriel.

Ainda estavam em silêncio quando Pedra e Rocha apareceram carregando mais duas pessoas desacordadas.

....

Pereira e Adriana estavam a toda velocidade pelas ruas de São Paulo. Aquele caso havia tomado proporções inimagináveis, e Pereira se via numa busca incessante pelas pessoas desaparecidas. Era uma corrida pela vida. E a dele e de Adriana estava em jogo. Manoel Bastos estava vivo e o que ele podia fazer com todos era um mistério. O velho depois de muito tempo voltava a atacar. Mas Pereira só pensava em pegá-lo, agradecer por ele ter salvo a vida de sua mulher e depois prendê-lo.

O semáforo fechou e quase que Pereira não conseguiu frear o carro, a tempo de sair batendo em todos os que estavam na frente. Adriana que estava sem o cinto, foi pra frente de uma vez e por pouco não bateu a cabeça no vidro.

- É melhor pôr o cinto. – aconselhou Pereira, e assim ela o fez.

Mas ela tinha muitas perguntas em vez de se preocupar com o cinto.

- Como você descobriu que meu pai está vivo?

- Bem... por alguns fatores. Depois que eu sai da mansão ontem a noite, fui me encontrar com uma pessoa que mantinha relações amorosas com o seu pai.

- Que pessoa é essa?

- Prefiro não falar. Prometi que manteria sigilo.

Adriana assentiu e fez um gesto para ele continuar. O sinal permanecia vermelho.

- Então, como ia dizendo, ela me fez sérias revelações sobre seu pai. Uma delas é que ele disse que seria capaz de inventar o próprio assassinato para fazer vocês voltarem pra mansão. E então ele iria fazer essa caça ao tesouro no testamento. Só não me pergunte o que ele queria com isso.

A expressão de Adriana se fechou. O sinal ainda era vermelho.

- Que inferno! – grito um homem no carro ao lado.

- Eu acho que essa caça ao tesouro é uma armadilha. – revelou Adriana.

- Uma armadilha?

- Sim. Talvez seria uma forma dele brincar com a gente. Controlar, melhor dizendo. E então por isso ele deixou essa caça só pra mim e meus irmãos.

- Ele deixou só pra vocês? Estranho...

- Sim. Muito estranho.

Enfim o sinal abriu e pouco a pouco os carros foram saindo. Pereira queria acelerar, não tinha tempo a perder.

- E não é só isso, Adriana. – disse prestando atenção no trânsito. – Foi uma mulher ontem a noite dar queixa de que seu marido tinha desaparecido. E bem na mesma noite que supostamente seu pai foi assassinado. Ela mostrou uma foto do marido, e... eles são idênticos.

Adriana ficou perplexa.

- Eu odeio o meu pai.

E quando Pereira viu uma oportunidade, pisou fundo no acelerador.

....

O velho estava sentado em seu sofá pensativo quando o telefone tocou.

- Xin? A moça está vindo aí. Deixe-a brincar mais um pouco.

- Brincar... mais um pouco?

- É seu verme. Dê a segunda pista a ela.

- Tudo bem. – e desligou.

Ele se acomodou melhor no sofá e começou esperar.

....

Pereira estacionou o carro frente à casa em que Adriana dissera.

- É aqui mesmo. – murmurou Adriana. – Você vem?

- Vou.

- É melhor assim.

Desceram do carro e foram até o portão. Bateram palmas durante uns quinze minutos, até que um velho de aparentemente noventa anos apareceu na porta.

- Ahh, olá! – saudou sorridente. Falava um português fluente.

- Olá. Podemos entrar?

- Claro que sim. O portão está aberto. Entre. Entre você também. – disse olhando para Pereira, que só assentiu.

Abriram o portão e caminharam até a porta, entrando numa sala pequena e esfumaçada, com o aroma impossível de suportar. Adriana quase se sufocou. Pereira permaneceu firme.

- Sentem-se. – ofereceu o velho sentando em sua poltrona.

Adriana sentou e Pereira ficou de pé.

- Faz tempo que não recebo visitas. – disse o velho com sua voz trêmula.

- Faz tempo? Tem certeza? – perguntou Adriana desconfiada. Olhou para Pereira que só balançou os ombros.

O velho permaneceu em silêncio, fingindo não entender a pergunta de Adriana.

- Deixa pra lá.

Ele era um velho magricelo, com os ossos quase perfurando sua pele velha e desgastada. Usava um óculos com armação gigantesca, que pegava quase todo o seu rosto enrugado. Mas apesar de tudo isso, ele aparentava ser um velho disposto.

A pequena sala em que estavam era quase toda ocupada pelo sofá em que estava sentada. E ali só tinha um rádio velho em cima de uma mesinha. A estante que ficava do lado estava vazia. E parecia estar caindo aos pedaços. Mas apesar da sala ser pequena, a casa aparentava ser grande. Ou pelo menos dava essa impressão.

- Quer falar sobre o que? Aceitam um cafezinho?

Adriana e Pereira ignoraram com um gesto de mão.

- Eu espero ser breve. – desculpou-se Adriana. Pereira observava a conversa em silêncio, encostado na porta.

- Breve? Gostaria de conversar bastante com você. Me parece ser uma boa pessoa.

Ela soltou um tímido sorriso.

- Meu nome é Xin. – disse o velho. – E o seu?

- Adriana.

- Adriana...

- Bastos. Sou filha de Manoel Bastos. E acho que o senhor sabe disso.

Ela viu Xin abaixar a cabeça e não sabia se ele estava chorando ou rindo. Quando se ergueu, ela viu que ele estava sorrindo e chorando ao mesmo tempo. Pelo menos ela achou isso.

- Manoel Bastos. – suspirou Xin – Grande homem.

- Grande homem? O senhor o conheceu?

Ele assentiu e sorriu em seguida. Depois deu uma bebericada em seu café.

- Sim, eu conheci. E diria que conheci muito bem.

Adriana olhou para Pereira que encarava o velho, tentando detectar qualquer tipo de mentira. Mas o velho parecia estar falando a verdade.

- Pode me falar mais sobre ele? Sei que é estranho, sou a filha dele. Mas eu nunca tive tanto contato com ele. Sei poucas coisas a seu respeito.

- Eu sei que ele era péssimo com vocês e principalmente com a sua mãe. Ele nunca me escondeu isso.

A expressão de Adriana se fechou.

- Ele era uma pessoa extremamente inteligente. Pena que também usava essa inteligência para o mal. – lamentou Xin.

- Ele ainda é inteligente.

Xin a encarou.

- Ele é? Minha filha, você não viu as noticias? Seu pai está morto. – repreendeu o velho com a voz firme.

- Não, ele não está morto. – retrucou Adriana. – E o senhor sabe disso. Pelo menos deveria saber.

Xin largou sua xícara de porcelana sobre uma pequena mesinha ao lado da poltrona e encarou Adriana mais uma vez. Agora seu olhar não era nervoso.

- Eu vou te contar o que sei. – disse ajeitando o óculos. – Eu passei a minha vida toda viajando com meu pai. Ele adorava conhecer lugares, mas não era por isso que a gente viajava. Era por trabalho mesmo. Ah, se eu te contasse o tanto de coisas que eu vi. O tanto de pessoas que eu conheci. Ora boas, ora más. Nunca se sabe o que esperar. – fez uma pausa observando que Pereira permanecia em pé e calado. Observando. Depois continuou: - Eu aprendi muita coisa sobre a vida. Pode parecer que não, mas eu conheço todos os atalhos dela. Também aprendi muitos idiomas e dialetos diferentes, inclusive o português.

Adriana sorriu. Ele continuou.

- Conheci pessoas incríveis. Monges, padres, fiéis. Conheci lugares incríveis. Você não imagina a beleza que esse mundo esconde.

- Eu imagino...

- Pois é, passei grande parte da minha vida dedicando ao aprendizado. Hoje... sou só mais um velho caquético.

- Não acho isso.

Xin sorriu. Em seguida pegou seu café novamente.

- Você é uma moça gentil. Começo achar que não puxou para o seu pai.

- Não puxei? E por que o senhor acha isso?

- Adriana, seu pai era um homem incrível. Não digo incrível pelas bondades que ele fazia. Mas sim pela sua capacidade mental. Ele chegava a ser maldoso ás vezes. Muito maldoso.

Adriana abaixou a cabeça pensativa. Pereira começava a ficar inquieto. Queria sair dali logo. Descobrir qual a próxima pista. Estavam perdendo tempo demais.

- Ele ainda pode ser maldoso. – disse Adriana percebendo que o velho se alterava mais uma vez ao ouvir ela dizer isso.

- Não, ele não pode. – negou o velho bruscamente. Depois caiu numa crise de tosse.

Adriana esperou passar pra continuar.

- Eu vim até aqui porque em seu testamento ele deixou uma caça ao tesouro. Sei que pode parecer um absurdo, mas o senhor é a primeira pista.

- Eu sou a primeira pista? – perguntou controlando a tosse.

- Sim. E segundo ele, o senhor diria qual é a segunda.

O velho esquivou o olhar e sorriu.

- Eu passei muito tempo com o seu pai. Inclusive fui treinador de esgrima dele. Mas o desgraçado nunca conseguiu se aperfeiçoar...

- Está bem. Eu já entendi. – interrompeu Adriana nervosa. – Pode me dizer qual é a segunda pista?

Xin pensou e manteve uma expressão fechada.

- Eu não sei de segunda pista. Mas se quiser descobrir alguma coisa, vai mexer nas coisas dele.

‘’Mexer nas coisas dele?’’. ‘’Essa é a segunda pista?’’, Adriana e Pereira pensaram ao mesmo tempo.

E sem se despedirem do velho, saíram voando de volta para a mansão.

CAPÍTULO 13

O boliviano Hugo Perez desembarcou no Brasil com sangue nos olhos. Era um homem de proporções gigantescas, com os olhos arregalados e vermelhos. Ele olhava para todos os lados, como se estivesse procurando alguém. As pessoas notavam isso, e passavam longe dele. Depois que ele estava longe, elas cochichavam, ‘’que sujeito estranho’’. Tinha os dentes amarelos e alguns podres, quase pretos. Seu rosto era enrugado, mesmo ele sendo jovem. Aparentava ter pouco mais do que trinta anos. Era careca, e sua cabeça era cheia de caroços e veias, prontas para estourarem.

Atravessou o saguão do aeroporto a passos decididos, e a multidão se sobressaltava com o homem. Ele as encarava e elas andavam mais rápido. Sem dúvida ele era um estranho.

Hugo Perez era um traficante, muito bem sucedido, que exportava suas mercadorias para todos os países da América do Sul, e recentemente, começara a exportar para alguns países da África e Europa.

Ele poderia dizer que era rico, mas preferia manter o sigilo. Andava sempre da mesma forma, parecendo ser um andarilho, com roupas sujas e rasgadas. Pensava que a policia jamais o pegaria. Era esperto demais para isso acontecer.

Desembarcara no Brasil porque tinha uma conta a acertar. Essa pessoa não escaparia das suas garras. Ele estava decidido. Seus olhos inflamavam de raiva. Queria acabar aquilo de uma vez.

Saiu do aeroporto e ficou esperando que passasse um táxi. Ele estava sem rumo, perdido na grande São Paulo. Mas era questão de tempo até encontrar essa pessoa. Ele pertencia a uma das mais famosas famílias do Brasil. Era só perguntar, mesmo que seu português fosse uma lástima.

O sol apareceu timidamente entre as muitas nuvens, deixando o dia um pouco frio, ajudado pela leve garoa que caía. Ele observou as pessoas indo e voltando. Era outro mundo. Disso tinha que concordar. Elas pareciam robôs. Andavam sem olhar para os lados e sem piscar. O mais incrível é que quase não trombavam umas nas outras. Parecia ensaiado.

Conforme os taxis passavam, ele acenava. Mas quando os taxistas viam aquele tipo de pessoa, ignoravam. Quem sabe não era um fugitivo? Ou pior, um assassino?

Demorou até que um táxi parasse. Ele entrou e deu a localização do hotel em que ficaria. Em seguida partiram.

Ele não falava nada e isso deixava o motorista preocupado. Não queria demonstrar, mas tremia de medo. De vez em quando lançava algumas olhadelas pra trás e se assustava com a aparência do homem. Acelerou firme para chegar logo no destino informado.

Enfim chegaram e Hugo Perez pagou a corrida. O taxista sentiu-se aliviado.

Ele entrou na recepção do descuidado hotel e despertou a atenção das pessoas que ali estavam. Pediu um quarto e foi atendido por uma moça tremendo de medo do homem. Entregou a chave a ele e lhe desejou boa estadia. Hugo a ignorou e partiu para o seu quarto.

Não havia levado malas, pois seria um serviço rápido. Deitou na desconfortável cama e cochilou. Quando acordou lembrou que já tinha um compromisso marcado. Um amigo de tráfico brasileiro ficara de lhe emprestar uma arma.

Ele calçou os sapatos e saiu. Com sangue nos olhos.

CAPÍTULO 14

O carro de Pereira voava, costurando os carros e motos. Eles não tinham tempo a perder. Suas vidas e as vidas de muitos outros estavam em jogo. O que Manoel queria com isso ele não sabia.

‘’Vai mexer em suas coisas’’, dissera o velho. Então essa era a segunda pista?

Adriana se perguntava porque seus irmãos não tinham ido atrás da segunda, já que foram atrás da primeira. Ela sabia que poderia ser uma armadilha, mas por que não a pegaram então? Ela, mesmo com o cinto de segurança, segurava-se pelos muitos solavancos que o carro dava. Ainda estavam muito longe da mansão. O tempo estava correndo. Contra eles.

Pereira refletia no rumo que o caso havia tomado. As pessoas não iriam gostar nada de saber que o tão adorado Manoel Bastos era um assassino, e que simulara o próprio assassinato. Simplesmente para brincar com os filhos. Realmente o homem tinha uma cabeça terrível.

O dia esquentava vagarosamente e Adriana sentiu fome pela primeira vez. Ela tinha se metido numa jornada intensa. As únicas horas de sono que tivera foram... as horas com Silva. Então ela se lembrou do que havia passado. Ainda sentia-se imunda e precisava de um banho. Mas não tinha tempo a perder. Queria acabar com aquilo de uma vez só e enfim descansar. Ela evitou lembrar no marido e na filha novamente, senão choraria na frente de Pereira, que pilotava o carro como podia.

Olhando melhor pra ele, Adriana percebeu que as primeiras impressões que tivera ao vê-lo eram falsas. Ela pensava que ele pudesse ser um daqueles detetives chatos, que ignoram os sentimentos da pessoa interrogada e as pressionam. Pereira não. Ele fora compreensivo e esperou até que Adriana tomasse coragem para contar o que sabia. Mesmo assim não havia contado tudo.

Ela então sentiu vontade de contar a ele o que Silva tinha feito com ela. Mas sentiu-se travada. Ainda estava em choque. Lembrou-se do pênis faminto de Silva e teve ânsia. Pereira olhou pra ela, mas logo fixou sua atenção na direção. Lembrou-se do corpo do mordomo, cheio de marcas, vergões e hematomas. Parecia que ele se flagelava a si mesmo. Quem sabe ele não pertencia a uma dessas sociedades que tem esse tipo de ritual? Ela não sabia e nem queria saber. Só queria salvar a vida de todos.

- Você tem ideia do que pode ser a segunda pista? – perguntava Pereira com a atenção no trânsito.

- Nenhuma. Vamos ter que revirar a mansão.

‘’Revirar a mansão?’’, pensou Pereira. ‘’Ela tá achando que aquilo é uma casinha de bonecas?’’.

E sem pestanejar, pisou fundo.

....

Siqueira tentava controlar um Augusto vermelho de raiva. Ele estava assim porque havia sido deixado de lado por Pereira.

- Você tem que entender que o caso tomou proporções gigantescas. – tentava explicar Siqueira. – É muito delicado.

- Mas como vou aprender se não posso o acompanhar?

- Você já o acompanhou...

- Não, só vi ele fazer um interrogatório. Na parte boa eu to de fora?

Siqueira balançou a cabeça. Tinha que fazer alguma coisa pra se livrar do moleque.

- Então tá, no próximo caso você assume.

Os olhos de Augusto brilharam e ele se acalmou no mesmo instante.

- Jura?

- Juro. Agora sai porque tenho coisas importantes pra resolver.

- Sim.

Augusto saiu saltitante e radiante. Enfim assumiria um caso. Não aguentaria esperar até o próximo crime.

Siqueira soltou uma baforada de ar aliviado.

- O que eu não faço por você, Pereira?

....

Xin ficou um bom tempo parado, decidindo se faria ou não aquilo que desejava. Não teria nada a perder. Era um velho sem utilidade que havia feito uma coisa terrível.

Tentou se lembrar de tudo o que vivera junto com seu pai. Também tentou não lembrar de sua morte, fato esse que fez ele ficar no Brasil para sempre.

Lágrimas começaram a escorrer em seu rosto e ele caminhou lentamente até a cozinha. Foi até o armário e abriu a gaveta de cima, tirando uma faca reluzente. Era uma raridade. Olhou bem a faca e ficou a girando entre as mãos, observando e pensando. Se fizesse rápido, doeria menos.

E sem hesitar, ele passou a faca com toda força que lhe restava, na sua jugular.

....

Pereira e Adriana entraram correndo na mansão, sem saber pra onde iam primeiro.

- A biblioteca. – sugeriu Adriana.

Subiram a escadaria correndo e Adriana nem sentia mais dor. O desespero por achar os desaparecidos funcionara como uma forte anestesia. E também nem se lembrava mais de Silva e das coisas horríveis que aparentemente ele tinha feito com ela.

Atravessaram o imenso corredor cheio de portas correndo em silêncio e ofegantes. Chegaram até a porta da biblioteca e viu que estava arrombada.

- Artur. – murmurou Adriana.

Entraram sem saber o que fazer. Ficaram olhando aquelas imensas prateleiras cheias de livros parados, respirando rapidamente.

- Você procura nas duas da direita e eu nas da esquerda. A do meio a gente vasculha junto. – decidiu Pereira.

Adriana assentiu e assim foram, desesperados e ansiosos ao mesmo tempo. Queriam encontrar qualquer coisa que pudesse ser uma pista, ou algo do tipo. ‘’O que poderia ser?’’, se perguntou Pereira encarando os milhares de livros. Ele não saberia por onde começar. Mas foi então que se lembrou dos documentos que vira ao entrar na biblioteca no dia anterior. Estavam na prateleira ao lado. Ele foi esperançoso até lá. Quando chegou, viu que haviam sumido. Alguém tinha pegado. ‘’Não pode ter sido Artur. Pelo que Adriana me disse ele estava muito apavorado atrás da primeira. Nem notaria que a segunda estava embaixo do seu nariz’’, raciocinava Pereira enquanto Adriana do outro lado jogava livros e mais livros pelos ares, procurando por alguma coisa que ajudasse.

Ela passava a mão derrubando os livros como se estivessem num efeito dominó. Mas não achava nada. Começou a se perguntar se essa pista realmente existia. Talvez fosse só uma estratégia para o seu pai ganhar tempo, pra fazer sabe lá o que. Então ela sentiu ódio do seu pai, teve vontade de gritar e rasgar o peito para que o sangue imundo daquele velho saísse do seu corpo. Ela queria mata-lo.

- Não tem nada aqui, Adriana! – gritou Pereira do outro lado.

- Nem aqui. Vamos procurar na do meio.

Os dois saíram de onde estavam e foram até a prateleira do meio, mas pelo visto também não tinha nada de diferente. Livros e mais livros.

- E se estiver no meio de um desses livros? – perguntou Pereira sabendo que sua pergunta era ridícula.

- Impossível. Ele deve ter deixado em um lugar mais fácil. Ele quer que a gente ache.

Pereira assentiu cansado. Eles tinham mais um lugar para ir.

- O escritório do meu pai!

....

Silva estava ajoelhado em seu pequeno quarto completamente nu, e a sua frente estava uma bíblia aberta avulsamente. A janela entreaberta deixava escapar um ventinho dentro do quarto que virava as páginas, mas Silva estava concentrado demais para ficar pondo na página certa.

Ele sussurrava palavras num idioma indistinguível. Falava sem parar e com os olhos fechados. Suas mãos abertas mirando o teto do quarto, que seria na verdade o céu.

Sua religião não permitia estupros. Ele fora fraco e se rendera ao desejo carnal contra a vontade da pessoa. ‘’E se ela estiver grávida?’’, pensava depois que refletira melhor no que havia feito. Além disso, ele também ajudara na trama de Manoel, e isso ia contra todas as regras. Ele havia infligido as duas leis mais pesadas, que era o sexo e o crime. Sua religião só aceitava silêncio e trabalho. Além de adorarem ao seu Deus. Agora ele teria que punir a si mesmo, antes de fazer a vontade do seu Deus.

Pegou uma cinta de couro e com fortes pancadas, começou a bater nas costas e na barriga. E a cada pancada ele soltava um grunhido de dor, chegando até gritar algumas vezes. Ele continuou repetindo em ritmo forte até que começou a sangrar gradativamente. Deixou-se cair no chão e assim ficou durante um bom tempo. Agora estava limpo com sua religião e principalmente com seu Deus. O castigo estava comprido. Então era só encerrar.

Abriu a gaveta de baixo da cômoda e tirou um revólver. Apontou para o coração e disparou.

....

Pereira e Adriana correram até o escritório de Manoel e se depararam com uma porta trancada.

- Vou arrombar. – disse Pereira pegando distância. Correu até a porta e com o ombro a derrubou no chão.

- Muito bom, detetive. Poderia fazer o papel do James Bond. – brincou Adriana.

Pereira riu vendo que ela tentava descontrair, mesmo com tantos problemas.

Eles entraram e avistaram um escritório cheio de teias de aranhas e totalmente desarrumado. Era pequeno e em cima de uma mesa de madeira reforçada havia um monte de papéis jogados. Quem sabe não estivesse ali?

Pereira foi desesperado até os papéis e começou procurar, olhando um por um, enquanto Adriana vasculhava as gavetas da mesa a procura de alguma coisa. Todas estavam vazias. O escritório parecia isolado. Então veio uma imagem em sua cabeça, há muitos anos atrás quando ela invadira o escritório sem o seu pai ver. O que ela achara ali mesmo, naquelas gavetas ainda a aterrorizava. ‘’Meu pai era um monstro’’, pensou fitando a gaveta aberta e vazia.

- O que foi? Encontrou alguma coisa? – perguntou Pereira a observando atentamente.

- Não. Apenas lembranças...

- Sei.

Voltaram a revirar os papéis e nenhum parecia ser a segunda pista. Eram documentos, cartas, contas, rabiscos, mas nada de segunda pista. Adriana foi até um armarinho no canto direito do escritório e abriu. Estava vazio e de lá de dentro saiu um rato desesperado, passando por Pereira sem o temer. Os dois ficaram observando ele sair do escritório.

- Parece que ainda estamos zerados. – murmurou Adriana cansada.

- Tem mais algum lugar?

Ela refletiu e disse aquilo que não queria dizer.

- O porão.

....

O quintal era enorme, cheio de ferros enferrujados e outras coisas inúteis como alguns pedaços de madeira podre. Mas lá no meio estava fixada a jaula. E encostada nela estava Silvia, a filha de Natalina.

Eles estavam desesperados, querendo entender porque estavam ali. Artur e Gabriel permaneciam sentados em silêncio, enquanto Almir, Ézio e Samira permaneciam em pé, esperando que alguém aparecesse pra ajudar. Natalina estava olhando para a filha, preocupada com o que pudesse acontecer com ela.

- Você está bem, filha?

Ela só assentiu, já que não podia falar.

Deitados e desacordados no meio da jaula, estavam uma moça linda e aparentemente uma vagabunda. E ao seu lado estava um homem gordo e parcialmente careca. Segundo os grandalhões que os pegaram, só faltava mais uma pessoa: Adriana.

O sol começava a aparecer e pela sua localização já devia estar passando do meio-dia. Artur olhou em seu relógio e viu que eram meio-dia e vinte.

Olhou pra cima e se perguntou mais uma vez o porque estavam ali.

....

Adriana correu até o seu quarto para buscar uma lanterna e quando voltou, Pereira já havia arrombado a pequena porta que dava para o porão. Fica embaixo da escada e era aquela mesma porta que atraíra o olhar fixo de Adriana no dia anterior. Ela queria falar para Pereira que não poderia ir. Aquele lugar não.

- Eu desço e você ilumina. – disse Pereira.

Em seguida começou a descer a enorme escada enquanto Adriana iluminava lá dentro. Pereira chegou até o chão e ficou esperando ela descer. Adriana encarava aquele lugar com os olhos marejados e teve vontade de correr dali. Se matar.

- Vem logo! – chamou Pereira lá do escuro.

Ela assentiu e tremendo mais do que vara verde, desceu lentamente a escada com as lágrimas descendo sobre o seu delicado e branco rosto. Cada degrau era uma forte pancada em seu coração. Quando ela atingiu o chão, as lembranças vieram de uma vez.

‘’Adriana tinha doze anos e Gabriel dez. Artur havia fugido de casa há exatamente um ano. Ainda criança, ela se perguntava porque seu irmão os haviam abandonado, deixando eles sozinho com o monstro que era seu pai. Ela ouvia seu pai bater na sua mãe todo dia, até que um dia seu pai a trancou no porão. Naquele porão. Sua mãe ficou dias trancada e sem comida. Manoel só dava água e de vez em quando um pedaço de pão. Adriana queria mata-lo e tirar sua mãe de lá, mas a porta do porão vivia trancada. Ela tinha que achar a chave. Um dia Manoel saiu de casa e esqueceu a porta do seu escritório aberta. Foi a oportunidade que Adriana sempre esperara. Esperou ele sair e entrou. Procurou nas gavetas e achou um molho de chaves. Uma delas tinha que ser do porão. Ela correu até a pequena porta embaixo da escada e testou uma por uma das chaves, até que encontrou a certa. Ela abriu a porta desesperada e assustou-se com o breu que era lá dentro. Correu até o seu quarto e pegou uma lanterna. Antes de descer pediu que Gabriel fosse com ela, pois tinha medo do escuro. Os dois desceram com medo a escada e quando tocaram o solo, sentiram seus pés baterem em algo no chão. Era sua mãe. Estava morta. Eles a abraçaram e choraram como nunca haviam chorado, e assim ficaram durante horas até que Manoel chegou. Quando viu as duas crianças ali ele virou uma fera, seus olhos ficaram vermelhos e então ele espancou os filhos. Sem piedade. Mas as duas crianças estavam abaladas demais pra deixar a dor aflorar. Manoel pegou a mulher no colo e a levou até o jardim. Adriana e Gabriel foram atrás. Com uma pá, Manoel cavou um grande buraco, e conforme cavava olhava para seus filhos e ria. Os dois choravam desesperadamente vendo sua mãe morta, jogada no jardim. Quando o buraco atingiu uma grande profundidade, Manoel a pegou no colo e a jogou com força, fazendo com que seu corpo levantasse uma grande nuvem de poeira. E enquanto jogava a terra de volta para o buraco, continuava rindo para os filhos que nesse momento estavam inconsoláveis. Adriana não ia aguentar, correu para a cozinha e pegou uma faca. Ia matar o seu pai. Mas Gabriel não deixou. Eles não conseguiriam. No mesmo momento eles correram para seus quartos e arrumaram suas coisas. No mesmo dia foram embora pra casa de sua tia Natalina. Desde então aquela casa havia se tornado um fantasma para Adriana, o mesmo acontecendo com o jardim. E o porão. ’’

Adriana estava caída no chão, chorando da mesma forma como havia chorado quase vinte anos atrás. Pereira a observava.

- Lembranças ruins?

- Péssimas. – respondeu Adriana com a voz embargada. – Mas vamos rápido. Temos algumas vidas pra salvar.

- Sim.

Com a lanterna ela começou iluminar o imenso porão, mas não precisou procurar muito pra achar o que queria. ‘’É claro que ele ia deixar a segunda pista no porão’’, pensou Adriana.

Estava sobre uma mesa, no meio do porão. Adriana iluminou enquanto Pereira pegava aquele papel. Estava dobrado. Quando ele abriu, o que estava escrito o deixou curioso: ‘’O mapa do tesouro’’. No mapa estava desenhada toda a cidade de São Paulo. ‘’É uma armadilha’’, pensou Pereira.

O local que o mapa indicava era o mais inesperado possível.

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Talvez eu termine de postar amanhã. To pensando ainda.

Obrigado a todos mais uma vez!

Fernandes Carvalho
Enviado por Fernandes Carvalho em 03/09/2012
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