A Cidade 2- O Subúrbio

Há dois anos George mudara-se com sua família para aquele subúrbio, e agora ele percebia, enquanto abria a porta de casa, que desde que se mudou sua vida passara como um vulto em sua frente, ele não tinha muitas memórias que pudesse evocar agora sobre aquele lugar. A esposa aproximou-se e lhe recebeu com um abraço, os filhos vieram correndo para ele, e George permanecia impassível, finalmente se dando conta de que tudo aquilo era artificial demais. Um pensamento passou nebulosa e rapidamente por sua cabeça, ele, por um mísero instante enquanto saía maquinalmente do banho, lembrou-se de um verso uma música que descreveria perfeitamente aquele subúrbio isolado da cidade imunda: “Fileiras de casas que são todas iguais, e ninguém parece se importar”.

Enquanto jantava com a família em silêncio ele pensava o quanto almejara aquele momento durante toda a sua vida, mas agora que ele finalmente vivia seu objetivo, ele se sentia vazio, sentia-se fora daquilo tudo, mas apesar dos pensamentos atormentadores ele dormiu rapidamente, esperando que o domingo o fizesse sentir bem.

Depois de tomar o café-da-manhã, George saíra para seu quintal com seu gramado verde e as flores no jardim feito por sua mulher. Ele sentou na entrada da casa e observou ao redor, do outro lado da rua o vizinho cortava a grama com um sorriso no rosto, há algumas casas dali crianças jogavam baseball, e George se lembrou de quando tudo aquilo à sua volta era um sonho e seu objetivo, mas agora que estava ali ele sentia que, apesar de toda a perfeição à sua volta, ele não era feliz, unicamente porque ele vivia a sua vida sem um objetivo sem nenhuma ambição, ele chegara ao topo e não havia como subir mais, a única maneira de sair dali era descer. O reflexo brilhante do Sol na janela de uma casa logo afastou os seus pensamentos e ele desviou o olhar para as crianças que jogavam bola e pensou que aquele era o mundo perfeito para elas, justamente porque aquelas crianças não conheciam o que rodeava aquele subúrbio, elas nunca haviam entrado nas sombras da cidade, nunca viram o que ele havia visto: as atrocidades, as incertezas daquela cidade corrompida. Ali, naquele subúrbio perfeito, elas estavam a salvo das dúvidas e viviam conforme a certeza de que tudo sempre dava certo.

George levantou-se e resolveu fazer uma caminhada pela vizinhança, ali tudo era quieto, a única coisa que rompia a camada de silêncio era o canto dos pássaros, por um instante ele pensou no que sua esposa andava fazendo enquanto ele estava no trabalho, e ele se lembrou do sorriso artificial dela, será que ele estava vivendo uma mentira da qual ele nem se dera conta? Mas quando ele se fez essa pergunta ele esbarrou em um estranho homem de terno surrado, George viu claramente um homem de estatura mediana, de cabelos negros e meio despenteados, sorrir e lhe pedir desculpas, e ao olhar nos olhos dele, George viu seu próprio reflexo, era um homem baixo, já chegando aos cinqüenta, os cabelos escassos escondiam alguns fios brancos. George balançou a cabeça em sinal positivo e continuou andando, em um quintal uma mulher podava os arbustos, em outro gramado duas crianças brincavam nos irrigadores, aquilo o fez se sentir ainda pior, como ele não poderia estar satisfeito com aquela vida? E George respondeu a si mesmo que ele não poderia ficar satisfeito ali enquanto a sombra daquela cidade pairasse sobre ele, não, ele havia vivido aquilo como um sonho, mas agora, como sempre, era a hora de acordar.

Ele parou, á frente a rua era escura, à frente estava A Cidade, e um prédio, como um grande observador, projetava sua sombra à frente de George. Ele se encontrava no limiar entre o subúrbio e a cidade, mas não era só isso, era muito mais, era o limiar entre a luz e a escuridão, entre sonho e realidade. George olhou pra trás ao sentir estar sendo observado, ao longe o homem no qual ele esbarrara há pouco olhava para ele diretamente, e apesar da distância George pôde sentir a expectativa no olhar daquele estranho homem. George virou-se para frente novamente e olhou para as sombras da cidade, ele olhou pra trás novamente, mas ele sabia que aquele subúrbio lhe deixava vazio. O homem de terno surrado observou George abandonar as falsas certezas da luz do subúrbio e ir ao encontro das cruéis e reais dúvidas da escuridão, e por um momento, pareceu que as sombras o agarraram, e talvez elas tenham o feito.

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Olá caro leitor, utilizo esse espaço hoje para recomendar-lhes duas músicas que trarão mais imersão nesse conto: Pleasant Valley Sunday-The Monkees e The Suburbs-Arcade Fire