O senhor da discórdia: Capítulo 9, 10 e 11

Aqui estão mais alguns capítulos.

Leiam e comentem!

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CAPÍTULO 9

A cabeça de Artur estava um caos.

Estava num bar pensando e tentando descobrir quem pudesse ser o velho. Tinha sido uma pista ingrata.

Ele pensara, repensara e pensara mais uma vez. Tentou se lembrar de alguém no passado a que seu pai se referisse como ‘’velho’’. Velho era maldade. Poderia ter dado mais pistas, uma charada por exemplo. Mas se tratava de Manoel Bastos, então poderia se esperar tudo.

O bar era chique e estava parcialmente vazio. Mesas eram bem distribuídas pelo espaço e a luz era de um amarelo ofuscante. O lugar era bem grande e caro. Um lugar para magnatas.

Artur tomava um uísque enquanto sentado e apoiado no balcão de mármore, pensava.

- Problemas meu amigo? – perguntou o barman. Estava com um avental e um pano apoiado no ombro esquerdo. ‘’Bem clichê esse homem’’, pensou Artur olhando pra ele.

- Não, nem chega a ser um problema.

O barman se apoiou no balcão e olhou melhor para Artur.

- Você está pensativo. Parece estar em outro mundo.

- Meu amigo, eu não estou pedindo pra você ficar aqui conversando comigo. Me deixe em paz. – esbravejou Artur áspero.

O barman arregalou os olhos e saiu dali, surpreso pela reação do freguês, que ainda não havia pago os dois uísques.

- Otário. – sussurrou Artur.

Observou bem ao redor do bar e viu apenas um grupo de jovens conversando alto e dando risada. Pareciam estar bêbados. Olhou no relógio e viu que passavam das dez. Foi então que se lembrou de que estava mais do que um dia sem dormir. Mas o cansaço não atrapalhava naquele momento. Ele ainda tinha um lugar para ir aquela noite. Só não sabia aonde era.

Um homem de meia-idade se aproximou e sentou-se um pouco afastado de Artur. Mas o encarava.

- O que foi? – perguntou Artur.

O homem balançou os ombros.

- Não sei. E aí, o que foi?

Artur se levantou para sair dali. Não conseguiria pensar com um bêbado enchendo o saco.

- Espere. Tenho uma coisa pra te dizer.

O homem tinha olhos claros e uma expressão cansada.

- Me dizer? – perguntou Artur sentando-se novamente.

O homem se aproximou mais e estendeu a mão. Artur não a apertou.

- Sou Robert, amigo do seu pai.

- E daí?

Robert deu uma risada tímida e encarou Artur.

- Sei no que você está pensando.

- E no que eu estaria pensando?

- Quem matou seu pai, estou certo?

Artur não se aguentou e deixou escapar uma risada mais do que alta, que chamou a atenção até do grupo de jovens bêbados.

- Eu não dou a mínima pra quem possa ter matado aquele ordinário. Quem o matou fez muito bem.

A expressão de Robert se fechou. O barman trouxe um copo com gelo e derramou um pouco de uísque nele. Em seguida saiu. Robert esperou que ele estivesse um pouco mais longe pra falar.

- Saiba que eu gostava muito do seu pai.

- Saiba então que o senhor é um tremendo babaca. – disse Artur se aproximando mais do homem baixinho.

- Eu não vou aceitar que...

- To indo embora. – interrompeu Artur se levantando e pegando a carteira. Tirou uma nota de dez reais e depositou no balcão. Em seguida saiu, deixando o homem nervoso.

Artur atravessou o enorme bar e chamou a atenção de duas garotas que estavam no grupo de jovens. Junto com elas haviam mais três homens. ‘’Isso vai acabar em sexo’’, pensou olhando para eles.

Mas antes de atravessar a porta para sair do bar, um clarão atingiu a cabeça de Artur. Ele havia desfeito do homem, mas ele poderia ser de grande ajuda. Resolver voltar. Mas agora estava sorridente e radiante.

- Desculpe meu amigo. – se aproximou e bateu na costa de Robert, que olhava desconfiado pra ele. – Oh, barman! Desce mais uma pra ele aqui. Eu pago!

O barman se aproximou e despejou mais um pouco de uísque no copo de Robert. Artur tirou uma nota de cinco e pagou a dose.

- E agora, o que foi? – perguntou Robert dando uma golada no seu uísque com gelo.

Artur pensou um pouco antes de falar.

- Amigo, me conta uma coisa. Você sabe por acaso se meu pai se referia a alguém como velho?

Robert pensou e sorriu em seguida.

- Claro que sim. O antigo treinador de esgrima do seu pai. Um chinês misterioso que mora sozinho. Mas não me pergunte aonde.

Artur não precisa perguntar aonde. Se fosse o velho que procurava, ele já sabia onde ele morava. Foi então que se lembrou de mais cedo na biblioteca ter visto um objeto. Teria que voltar lá pra confirmar.

- Obrigado, Robert. – agradeceu dando um breve tapinha no ombro do baixinho.

Em seguida saiu do bar. Tinha que voltar pra mansão.

....

Gabriel acordou e percebeu que sua cabeça doía arduamente. Abriu os olhos e tentou firmar sua vista, mas só viu esboços de grades e rostos. ‘’Grades?’’. ‘’Rostos?’’. ‘’Onde estou?’’.

Viu que estava deitado e tentou se sentar, mas a dor em sua cabeça martelava mais do que carpinteiro. Ele não conseguia distinguir o que tinha acontecido nem aonde estava.

Só se lembrava de estar conversando com o velho Xin, depois disso tudo era escuro. E então sua cabeça latejava mais ainda.

Conforme sua vista foi limpando ele começou avistar uma coisa que o surpreendeu, fazendo ele se levantar sobressaltado, mesmo com a dor impossível que assolava sua cabeça.

Seus olhos não quiseram acreditar no que estavam vendo. Ele estava dentro de uma espécie de jaula, com grades de metal, achando até que estava preso. Mas logo tirou esse pensamento da cabeça quando viu pessoas ali. E não eram pessoas desconhecidas. Estavam todas de pé, o encarando.

- Você está bem, Gabriel? – perguntou uma senhora de cabelos grisalhos e magra, que parecia ter mais de sessenta anos. Era sua tia, Natalina Bastos.

- Tia? – perguntou cambaleando e se apoiando na grade para não cair.

Suas vistas clarearam mais e então percebeu que a jaula em que estavam era enorme. Caberiam umas cinquenta pessoas ali, sem ficarem apertadas. E viu também as outras pessoas que estavam enjauladas.

Não acreditou quando viu Almir e Ézio ali também. Mas eles estavam desacordados e esticados no meio da jaula. A filha de Almir, uma bela moça de cabelos claros e ar sedutor também estava de pé, observando Gabriel.

- Samira? – perguntou com a voz trêmula.

Ela só assentiu.

- O que está acontecendo? – perguntou vendo uma moça de cabelos pretos e pele clara amarrada do lado de fora da jaula. Estava amordaçada e seus olhos eram de desespero. Os belos olhos negros. Se parecia um pouco com Samira, mas a única diferença marcante era a cor do cabelo. As duas eram esbeltas e tinham belas pernas compridas. A que estava do lado de fora, era filha de Natalina.

- Por que Silvia está ali? – perguntou ainda com a cabeça latejando. – O que está acontecendo? Por que estamos aqui?

- Eu não sei, meu querido. – reconfortou Natalina com um tom protetor. – Mas certamente Silvia está ali pra ser usada como refém.

- Como refém? O que está acontecendo?

- Nós não sabemos. – disse Samira que estava segurando nas grades e de costas para eles. – Mas alguma coisa normal não é. Pelo que parece fomos todos sequestrados de forma igual. Eu fui a primeira a chegar, e vocês foram chegando depois.

Samira era a filha única de Almir. Ela aparentava ser uma boa moça, mas na verdade usava de sua beleza para pegar dinheiro de homens sedentos por sexo. Ela nunca o fazia, mas sempre saía faturando. Seu pai tinha orgulho por ela ser uma aproveitadora. Tal pai, tal filha.

Já Silvia que estava do lado de fora, era uma escritora que fazia pouco sucesso no Brasil, mas era muito famosa em alguns países da Europa. Apesar de linda, assim como as primas Samira e Adriana, era uma moça de trinta anos que nunca havia namorado. Seus pais insistiam para que ela se cassasse logo, enquanto ainda usufruía de uma beleza fora do comum. Mas ela ignorava e dizia que uma hora ia aparecer o homem de sua vida. Era só esperar.

- E quem trouxe a gente até aqui? – Gabriel estava perguntando.

- Dois rapazes estranhos e extremamente musculosos. Pareciam satisfeitos com o que estavam fazendo. – disse Natalina.

Gabriel olhou melhor o lugar em que a jaula estava fixada. Era um grande quintal a céu aberto, e parecia ser o fundo de alguma casa. Olhou pra cima e viu um monte de luzes indecifráveis que eram as estrelas. E ainda tonto e desnorteado, ele desmaiou mais uma vez.

....

Pereira estava esticado em seu sofá pensando e extremamente cansado. O dia havia sido longo e as últimas informações vieram de uma vez, o que atrapalhou um pouco a sua cabeça.

Ele precisava descansar. Logo de manhã passaria no departamento de Siqueira pra relatar os últimos fatos.

- Amor, vem pra cama! – chamou sua mulher do quarto, sua voz saindo quase inaudível.

E Pereira sem dar atenção pra ela, adormeceu no sofá.

....

Artur voltou correndo pra mansão e entrou como um foguete, pegando uma Adriana apavorada e surpresa.

- Onde você estava? To mundo sumiu. – dizia enquanto Artur passava por ele se encaminhava para a escada em espiral no canto da sala.

Subiu de dois em dois degraus e Adriana foi atrás esbravejando.

- Artur, aonde você vai?

- Não interessa. Me deixa.

Artur parou de andar quando chegou ao topo da escada. Olhou para Adriana que vinha subindo os últimos degraus desesperada.

- Você foi atrás do tesouro, seu idiota?

Ele ficou silencioso, planejando se faria ou não aquilo que desejava fazer.

- Por que você parou aí, hein? – ela estava gritando.

Artur respirou fundo e pensou delicadamente se valia a pena ou não fazer. Pelo menos ele teria liberdade para ir atrás do tesouro.

- Por que está olhando assim pra mim?

Ele se aproximou dela e deu um empurrão violento na sua irmã, que se desequilibrou e saiu rolando escada abaixo. Se Artur desse sorte ela só se machucaria um pouco.

Adriana parou no meio da escada já desacordada. Havia batido a cabeça muito forte em um dos degraus. Artur foi até ela e segurou seu pulso, estava viva, claro.

- É minha querida irmãzinha, dessa vez o dinheiro vai ser só meu.

Se levantou e foi correndo até a biblioteca. A porta estava trancada, mas ele estava tão apavorado que tirou forças inimagináveis e conseguiu arrombar depois de três tentativas. A porta cedeu-se com um estrondo ao bater no chão e Artur entrou correndo dentro da biblioteca. Acendeu as luzes fracas que pouco iluminaram o local. Escuro daquele jeito, aquele lugar era de certa forma, assustador.

Percorreu rapidamente a biblioteca até o fim da última estante de livros e a avistou. Uma espada de esgrima pendurada por um prego na parede. Estava escuro, mas ele conseguiu ler o que estava escrito.

‘’Um presente carinhoso do velho’’.

CAPÍTULO 10

Ainda era madrugada quando Pereira estacionou seu carro mais uma vez em frente ao departamento. Siqueira já devia estar lá, mexendo em seus papéis inúteis e marcando encontros com garotas de programas. ‘’Tenho que apresentar Bruninha a ele’’, pensou entrando no departamento e sorrindo.

Pereira havia tido uma péssima noite de sono. Dormira apenas três horas, depois as preocupações voltaram a dominar seus pensamentos. Ele havia entrado por um caminho naquele caso que parecia ser o caminho errado. Acreditar que Manoel era um santo e um homem bondoso foi o seu maior erro. Talvez um dos maiores erros de sua carreira.

Manoel Bastos frente às câmeras era sempre aquela pessoa sorridente, boa-praça, que adorava ajudar todo mundo. Principalmente crianças deficientes. ‘’Se as pessoas soubessem o que esse homem já fez com as crianças que ele pôs no mundo’’.

Mas as revelações de Bruna, por mais que fossem caras, tinham posto um fim nessa fama de Manoel. Pelo menos para Pereira. O Brasil todo tinha que saber a espécie de homem que cuidava das crianças. Quem sabe ele não queria... Pereira afastou esse pensamento da cabeça quando a jovem da recepção abriu um imenso sorriso de satisfação ao ver o detetive.

- Bom dia, detetive. – bradou a moça ruiva e com óculos que cobriam quase todo o seu rosto. Estava mexendo no computador.

- Bom dia.

Pereira passou por ela e foi até a cafeteira. Não tivera tempo de tomar café, tinha muitas coisas pra contar para Siqueira. Despejou um pouco de café fumegante em copo plástico e se encaminhou até o escritório de Siqueira. Como sempre o café estava muito açucarado. ‘’Quem faz esse café, hein?’’.

Entrou no escritório sem bater e encontrou um Siqueira debruçado sobre a mesa cochilando e babando.

- Imbecil. – murmurou Pereira sentando frente sua mesa esperando Siqueira acordar. Como ele estava roncando, Pereira bateu forte com a mão na mesa, causando um grande estrondo e fazendo Siqueira dar um pulo pra trás, quase caindo de sua cadeira.

- Seu idiota, quer me matar do coração? – esbravejou Siqueira com os olhos assustados.

- Vamos lá, se recomponha. Temos sérias coisas a conversar.

Siqueira arrumou a gravata e deu um gole no seu café, que quase caíra da mesa no meio daquela confusão toda.

- Novidades? – perguntou Siqueira bocejando.

- Muitas novidades, Antônio Siqueira. A noite foi longa ontem.

- Fazendo farra até de madrugada, Carlos Pereira? Você tem um caso a resolver.

Pereira fulminou-o com o olhar e Siqueira riu.

- Brincadeira. Pode me contar, estou te ouvindo meu detetive favorito.

Pereira odiava essas brincadeiras que Siqueira fazia.

- Bem, - começou Pereira – ontem eu fui visitar o corpo mais uma vez e descobri que havia sido cremado. O que eles fizeram com as cinzas eu não sei. Fui até a mansão a pedido da filha de Manoel e... ela me contou algumas coisas muito sérias.

- Que coisas?

- Ela me disse que Manoel matou sua mãe aos poucos, fazendo-a sofrer todo dia, deixando ela sem comida e sem água.

A expressão de Siqueira se retraiu.

- Matou... ela?

Pereira assentiu e se acomodou melhor na cadeira de madeira.

- E ela também me disse que ele fazia isso na frente dela e dos irmãos, por isso a dificuldade dela em falar sobre o pai... Siqueira, Manoel Bastos era um assassino.

- Meu Deus... – Siqueira estava perplexo.

- E tem mais...

- Mais?

Pereira assentiu e continuou.

- Depois eu fui conversar com uma pessoa que mantinha relações amorosas com Manoel. – ele evitou falar garota de programa, senão Siqueira ia mudar de assunto. – O que ela me disse pôs fim a minha crença de que Manoel era um santo.

Siqueira fez um gesto com a mão para ele continuar.

- Ela me contou que enquanto estavam na cama, ele fazia sérias confissões de sua vida pra ela. E numa dessas ultimas conversas, ele disse uma coisa que...

- Que coisa? Fala logo, homem!

- Que ele seria capaz de simular o seu próprio assassinato pra fazer com que os filhos e irmãos voltassem pra mansão. E no testamento, ele iria fazer uma espécie de caça ao tesouro. E... adivinhe o que está escrito no testamento?

Siqueira estava boquiaberto.

- Não pode ser. – sussurrou Siqueira impressionado.

- Sim. Manoel Bastos era um assassino e uma mente terrível.

- Pereira, você está acreditando no que eu estou acreditando?

Pereira afirmou com a cabeça.

- E por que cremaram o corpo dele? – perguntou Siqueira.

- Segundo Adriana, fizeram isso porque ele não merecia um enterro digno. Seu espírito não merece descanso. – revelou Pereira com ar sério.

- Que coisa...

O silêncio que invadiu o pequeno escritório cheio de papéis por todo o lado, foi incômodo. Siqueira permanecia estupefato pelas informações, e Pereira pensativo como sempre.

- O que você vai fazer agora, Pereira? Daqui a pouco a imprensa vai estar aí, e você tem algumas declarações a fazer.

- Eu não posso falar tudo isso para o Brasil todo. Tenho que controlar o jogo, senão eu perco o controle. Vou ser cauteloso com eles, pode deixar.

Siqueira suspirou e parecia estar pensando em alguma coisa.

- O que foi? – perguntou Pereira.

- Tudo se encaixa, é incrível.

- O que se encaixa?

Siqueira fitou o detetive com uma expressão séria.

- Ontem a noite, veio uma mulher apavorada até aqui. Ela devia ter uns sessenta anos e estava num estado de dar pena. Tremia mais do que uma britadeira. Queria dar uma queixa.

- O que isso tem a ver?

- Bem, ela me disse que na noite anterior, o marido saiu para tratar de alguns negócios, e ainda não havia voltado. Ela o procurou por todo quanto é lugar e não o achou. Ele havia sumido.

Pereira estava quase entendo onde Siqueira queria chegar.

- Pereira, segundo ela, ele sumiu na mesma noite em que Manoel foi assassinado. E... ela me mostrou uma foto do marido. Eles... eram idênticos.

Pereira não estava acreditando. Realmente tudo se encaixava.

- Siqueira, estamos com problemas.

Pereira saiu do departamento atordoado e perplexo. Era mais uma informação que entrava em sua cabeça. Elas rodavam, se misturavam e no fim se tornavam uma só. Pereira estava abismado demais para acreditar.

Foi então que ele percebeu a multidão de repórteres apavorados e babando por notícias fresquinhas.

Tinha algumas mentiras a contar.

....

Adriana acordou toda dolorida e com fortes dores de cabeça. Além de seu pescoço, suas pernas também doíam. Ela não conseguiu distinguir muito bem onde estava. Parecia ser um quarto. Era um espaço pequeno e na frente da cama tinha uma cômoda com alguns perfumes e frascos que não conseguiu reconhecer. O guarda-roupas pequeno e caindo aos pedaços estava do lado da cômoda, com uma porta entreaberta. Ela olhou pela janela parcialmente aberta e viu que já havia amanhecido. Foi então que percebeu que estava nua.

Levantou-se assustada com o lençol enrolado no corpo e viu suas roupas jogadas num pequeno banquinho que estava ao lado da cama. Tirou o lençol e se vestiu rapidamente, sem perceber que estava cheia de dores.

Ela então tentou não prever o pior, mas sentiu um certo desconforto em sua parte intima. Pensando no que poderia ter acontecido, ela viu Silva entrar no quarto enrolado em uma toalha e com o cabelo molhado. Ele tinha vergões e marcas roxas em todo o corpo, e deixou a toalha cair, mostrando seu membro ereto para Adriana, que a esse ponto estava apavorada.

- O que você fez comigo, seu desgraçado? – gritou enquanto Silva esboçava aquele mesmo sorriso que ela vira no dia anterior.

- Saiba que você me deu a melhor noite de amor que eu já tive.

Ela não estava acreditando no que estava ouvindo. Havia sido estuprada pelo mordomo.

- Seu desgraçado! Eu vou te denunciar! – gritava dando tapas no já marcado corpo do mordomo e tentando não olhar para o membro dele.

Silva riu e sentou-se na cama.

- Senta no colo do papai mais uma vez? Você parecia estar gostando ontem.

Adriana não acreditando no que havia acontecido, sentiu seus olhos marejarem e saiu correndo daquele casebre que ficava nos fundos da mansão, deixando o mordomo sozinho com seu sorriso malicioso.

- Se sentir vontade pode voltar! – gritou Silva.

Mas ela já estava longe demais para ouvir.

Ela estava andando apressadamente pelo jardim para sair da mansão, mas as dores em suas pernas voltaram mais fortes e ela caiu. Chorando e esticada no jardim morto, ela sentiu nojo de Silva e pensou mata-lo, da mesma forma como tinha pensado em matar seu pai.

‘’Seja forte’’, pensou se levantando vagarosamente e gemendo. Sua parte intima ainda comichava. Ela gritou de raiva, sozinha no meio do jardim.

Então ela se lembrou do que tinha acontecido na noite anterior. Artur entrara correndo na mansão e enquanto ela tentava tirar satisfações ele a empurrou escada abaixo. Ela ficara desacordada e deve ter sido ali que Silva se aproveitou dela. ‘’Eu te odeio, Artur’’.

Tentando controlar sua raiva, ela lembrou-se de um lugar que estava para ir desde o dia anterior.

Suportando a dor em suas pernas, ela saiu da mansão.

....

Ele permanecia sentado e imóvel, esperando a próxima pessoa a chegar. Se essa pessoa demorasse mais um pouco, poderia encontrar ele morto. O velho estava sofrendo demais.

Estava fazendo a vontade de uma pessoa, mas ao mesmo tempo estava se arrependendo totalmente. Ele cavara a sua própria cova.

Deixando aquela sala esfumaçada e com o aroma terrível, ele saiu para a rua depois de muitos dias trancado, refletindo no que havia consentido em fazer. Ele podia ser um velho a beira da morte, mas não era tarde pra se arrepender.

Ia passando um grupo de crianças correndo e chutando uma bola de futebol murcha. A aquela hora da manhã as crianças já estavam eufóricas e energéticas como sempre. Sentiu saudades do tempo em que era um pivete, morando em diversos lugares com seu pai. Ele nunca ficara mais do que um mês num lugar. Até chegar ao Brasil trinta anos atrás. Dera aulas de judô, e mais um monte de espécie de artes marciais. Mas sua grande dádiva era a esgrima. Durante o tempo em que praticou essa luta, ele só perdera para o seu treinador, mas ultrapassara ele rapidamente. Agora era um velho sedentário e babão. Ele precisava usar fraldas.

A sua vizinha do lado era a única que tinha alguma feição por ele. Ela limpava a sua casa e o ajudava a tomar banho, mas agora ela estava viajando, então estava sozinho. Não tomava banho há dias. Ele poderia até conseguir, mas podia se desequilibrar, e bater a cabeça em seguida. Mas não tinha importância, ele era só um velho.

Chorando silenciosamente e se arrependendo, ele voltou a passos de lesma pra dentro da casa.

Tinha que rezar mais uma vez.

....

Adriana estacionou o seu carro frente a casa que desejara ir desde o dia anterior. Seu estado era deprimente e ela ainda choramingava, lembrando-se do que tinha passado com Silva e com o que ele podia ter feito. ‘’Será que ele fez mesmo?’’. ‘’Claro que fez’’. Os pensamentos dela iam e vinham e ela ficou sentada um tempão dentro do carro, tomando coragem pra se levantar. Ela sentia-se suja e desprezada. Jamais imaginou que um dia seria... estuprada. Era uma palavra forte, mas tinha acontecido com ela. Adriana não podia ignorar esse fato. Deduziu então que os grandes culpados disso era o seu pai e Artur. Os dois eram iguaizinhos, infelizmente.

Ela ligou o rádio e conforme ia mudando de estações ouvia sempre a mesma coisa. Manoel Bastos isso, Manoel Bastos aquilo. E chegaram até chamá-lo de santo. ‘’Se eles souberem o tipo de pessoa que era Manoel Bastos’’. Desligou o rádio e resolveu descer do carro. Será que tinha alguém naquela casa?

Desceu devagar, olhando para todos os lados, como se as pessoas soubessem que ela havia sido... estuprada. Atravessou a rua claudicante, querendo chegar logo na casa. Parecia que aquela rua tinha um quilômetro.

Enfim chegou até o portão e percebeu que estava aberto. Não hesitou em entrar e andou rapidamente até a porta. Ela subiu a pequena escada de três degraus em um salto e não pensou em tocar a campainha que ficava do lado da porta.

Esperou impaciente até que um homem com a aparência cansada abriu a porta cauteloso. Ele tinha a expressão sofrida, mas dava pra perceber que aquela não era a sua verdadeira expressão. Parecia estar sofrendo muito. Era um velho de sessenta de dois anos, mas que parecia ter setenta. Seus olhos estavam roxos e seu sorriso era forçado.

- Adriana. – sussurrou o velho abrindo o caminho para que ela entrasse.

Ela o cumprimentou com um aceno de cabeça e entrou em seguida, observando a pequena sala em que o velho parecia estar descansando. A televisão estava ligada em um jornal, e estavam passando uma matéria sobre a vida de Manoel.

Ela sentou-se no sofá e ele sentou numa poltrona um pouco de lado.

- A que devo sua visita? – perguntou com a voz rouca.

Adriana olhou bem pra ele e percebeu a preocupação no seu semblante.

- O senhor está bem, tio?

Ele negou com a cabeça enquanto uma lágrima descia pelo seu enrugado rosto.

Ele era Pedro, marido de Natalina. Tinha ficado assim depois que chegara em casa na noite anterior e não achara sua mulher. Achou estranho ela não estar em casa, já que sempre o esperava chegar dos treinos. Ele era treinador de futebol de um time amador, e passava longas horas no campo. Por isso sua mulher sempre aguardava sua chegada sentada naquele sofá que Adriana estava agora. Pedro a procurara por todos os lugares, mas ninguém sabia dela. Ela parecia ter sumido completamente.

- O que aconteceu? Por que vocês não foram até a mansão? – perguntou Adriana enquanto Pedro permanecia silencioso e não fazia questão de limpar a lágrima que escorria.

- Ela... sumiu. Sumiu. – sussurrou caindo num tímido choro.

Adriana estava constrangida pela situação do tio, mas a resposta que ele dera, ela já esperava. De repente seu pai é assassinado, ele deixa um testamento que na verdade é uma espécie de caça ao tesouro e misteriosamente todos começam desaparecer. Uma verdadeira história de cinema.

- Todos sumiram, tio. – disse Adriana baixinho.

E suspirando disse mais uma vez.

- Todos sumiram.

Saindo dali e deixando pra trás um homem debilitado, o celular de Adriana tocou mais uma vez. Era uma voz tratada no computador. Era indistinguível.

- Quer saber onde o velho mora?

- Quem está falando? Como você sabe?

- Quer saber ou não?

Adriana pensou bem antes de decidir.

- Quero.

CAPÍTULO 11

A manhã novamente estava fria. Pereira havia se saído bem frente às câmeras e conseguira enrolar os repórteres. Mas dentro de pouco tempo eles teriam que saber da verdade. A dura verdade.

O local onde estava era tenso e a atmosfera não era nada agradável. Ele estava no cemitério, andando entre as covas, a procura da lápide de seus pais. Passou observando cada cova, imaginando que um dia aquelas pessoas foram tão vivas como ele. ‘’É pra debaixo da terra que a gente vai’’, pensava lendo o que estava escrito numa cova enfeitada com azulejos amarelos: ‘’Aqui jaz os corpos da família Del Pacchini’’. Ele nunca ouvira falar de tal família.

Andando mais um pouco, ele logo avistou a cova onde seus pais estavam enterrados. Os dois haviam morrido no mesmo acidente de carro, cerca de uma década atrás. Mas ao contrário de sua mulher, eles não sobreviveram. Pereira tinha uma relação amistosa com a mãe, mas vivia em pé de guerra com o pai. Ele não gostava da profissão de Pereira. Dizia que a qualquer hora levaria bala nos miolos. Se envolver em crimes nunca era um bom presságio.

Pereira deixou uma lágrima escorrer lembrando-se das longas discussões que tivera com o pai. Curiosamente depois que ele morreu, Pereira se tornou um exemplo de profissional a ser seguida. Sua audácia para investigar era rara. Poucos eram tão competentes.

Viu a pequena foto descolorida de seus pais sorrindo. Na foto ainda eram jovens, e Pereira parecia muito com o seu pai. Mas tinha os olhos da mãe. Os mesmos olhos astutos esperando para dar o bote. Imaginou as duas caveiras abraçadas debaixo da terra e teve vontade de cavar, só pra ver eles mais uma vez. Precisava de forças naquele momento.

Seus pensamentos eram simultâneos, e ao mesmo tempo em que ele sentia vontade de abrir o caixão dos pais, pensava no rumo que a investigação havia tomado. Era um caso quase resolvido.

Sua cabeça girava descompassadamente quando o seu celular vibrou no bolso da sua calça. Era Adriana mais uma vez. Dessa vez parecia estar apavorada.

- Pereira, por favor, me ajude?

- O que foi?

- Todo mundo sumiu. Todos sumiram. Alguma coisa está acontecendo.

- Mas como eu posso ajudar?

- Eu recebi uma ligação dizendo onde o velho da primeira pista do testamento mora. Acho que vou até lá. Mas você tem que ir comigo.

Pereira pensou e concordou.

- Eu vou. Onde eu te pego?

- Aqui na mansão. Vem rápido, temos que encontrar os outros. Vai saber o que está acontecendo com eles.

- Vou voando até aí. Se precisar mando reforços...

- Sim, sim. Vem logo!

Antes de desligar Pereira tinha mais uma coisa a dizer.

- Adriana?

- Sim? – ela estava apavorada.

- Seu pai está vivo.

Pereira não deu mais detalhes do que deduzira. Não tinha tempo a perder. Voou até o seu carro e antes de dar a partida, seu celular recebia mais uma ligação. Era Siqueira.

- Pereira? Pelo amor de Deus, onde você tá? – estava apavorado.

- Não posso ir até aí agora. Tenho uma coisa importante a fazer. A qualquer momento posso pedir reforços.

- Reforços? Do que você tá falando?

- Depois eu explico. – disse passando o cinto pelo seu peito. – E por que me ligou tão apavorado?

Siqueira hesitou antes de falar.

- A mulher do homem que sumiu se suicidou.

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Primeiramente eu queria agradecer a todos que estão lendo e comentando. Talvez se não fosse por vocês, eu nem continuaria escrevendo essa história. Obrigado!

E continua segunda(03/09) É só esperar mais um pouquinho.

Até lá!

Fernandes Carvalho
Enviado por Fernandes Carvalho em 01/09/2012
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