Vingança

Era uma terça feira à noite, chovia, mas ele não usava o guarda-chuva. O revólver no bolso de seu sobretudo parecia pesar toneladas, sua mão tateava o ferro frio e ele não conseguia concentrar-se em seus pensamentos, apesar do vento o chapéu permanecia-lhe na cabeça.

Ele estava agora determinado a pôr em pratica aquilo que tinha planejado por meses, o mundo era agora um mero cenário para uma vingança esperada há muito. Embora passasse agora de seus vinte anos, imaginava o momento da vingança desde os 15, lembrou-se mais uma vez de um episodio em que ele fora importunado, e quase sem perceber surgiu-lhe no rosto um sorriso doentio, iluminado pelas lâmpadas amarelas da rua, não tirara a mão do revolver uma só vez desde que saíra de seu apartamento.

Despertando-se da hipnose causada pelo revolver, entrou em um táxi e pediu ao motorista que lhe levasse à rua do subúrbio em que seu alvo morava. Não ensaiara nada, não sabia se o sujeito morava sozinho, ou sequer se estaria em casa àquela hora, mas assim que chegou à rua indicada percebeu que ali, seu crime não seria notado. A iluminação era pouca e o bairro exalava um cheiro de sofrimento, saiu do táxi e o motorista o observou deixar dinheiro suficiente para a passagem no banco de trás. A chuva era mais forte agora, e apesar disso, dava passos lentos até um prédio há muito sem tinta. Os sapatos pisavam nas poças sem piedade, o vento fazia o sobretudo tremular.

Depois de alguns momentos parado em frente ao prédio, examinando-o, entrou. Ali dentro não era nem um pouco melhor que a rua, a iluminação péssima tinha um ar doente, e o frio era intenso, provavelmente pela falta de aquecedores. Não se ouvia um ruído sequer. Começou a subir as escadas segurando novamente o revolver dentro do bolso.

Chegou ao andar desejado, e observou as portas que ali haviam, foi então rapidamente ao apartamento de seu alvo. Pressionou uma campainha elétrica que ele duvidara que funcionasse. Depois de alguns minutos pôde ouvir o som de passos pesados vindo em direção à porta, do outro lado uma voz perguntou quem estava ali, o homem do lado de fora respondeu que era um velho amigo, e apesar da clara desconfiança o alvo abriu a porta e convidou-o a entrar.

O apartamento era velho, e a sala de estar possuía uma poltrona rasgada e uma pequena televisão que ficava em cima de um móvel velho de uma madeira quase totalmente podre, o alvo era gordo, careca, tinha a barba por fazer e usava uma simples calça jeans. Este se desculpou, explicou que não recebia muitas visitas e prestativamente trouxe uma velha cadeira para que a visita sentasse e esta não a recusou.

A visita explicava quem era, e o homem ouviu-lhe falar, e após alguns minutos parecendo confuso disse:- Lembro-me de você, não está nada mal para o pequeno homem que era! Parece que as coisas vão bem para você- disse isso fitando sua vestimenta-, mas acho que pode perceber que pra mim as coisas saíram do rumo. Terminando esta frase, o homem corpulento virou seu olhar para o chão, parecendo arrependido pelos erros passados. A visita acenou com a cabeça para uma garrafa de vodka e uma pistola em cima do móvel onde estava a TV e perguntou:- Bem, parece que tinha planos para essa noite, não?

O dono do apartamento riu forçadamente e disse:- Existem dias em que a vida parece tão insignificante e sofrida! Sabe, gostaria de voltar à época do colégio, em que éramos peças num tabuleiro bem menor não acha?

A visita deu um sorriso irônico e retrucou:- Embora sejamos peões, podemos ainda ser coroados. Mas não façamos jogos metafóricos, vamos ao que interessa.

O visitante levantou-se da cadeira lentamente e se encaminhou à garrafa de vodka, encheu um copo, deu a garrafa ao dono e disse:- Pelos bons e velhos tempos!

O homem de sobretudo virou o copo, enquanto o outro bebeu um grande gole diretamente da garrafa. O visitante então colocou a mão no bolso tocando uma vez mais o frio, porém reconfortante revólver, sacou-o vagarosamente e apontou-o para o homem sentado na poltrona, este nem sequer se moveu, esboçou apenas um leve sorriso. O gatilho estava levemente pressionado e o homem com o revólver disse mais uma vez quase gritando:- Pelos bons e velhos tempos!

Ouviu-se então o tiro e o sangue espalhou-se no chão do apartamento, a poltrona estava banhada de sangue, e de repente uma risada incontrolável acometeu ao vingador, uma risada doentia que permaneceu com ele enquanto descia as escadas, mas quando pisou na calçada ela cessou. A mão permanecia no revólver, que agora estava morno, a chuva, que ainda caía, lavava uma alma elevada pela vingança.