• JOKER: DAMIEN DARKHOLME ¹
Sempre trilhei por caminhos obscuros, sombrios, mas naquela fatídica noite, meu encontro com as trevas e escuridão, seria para mim, o fim e um novo começo. Entrei pelo salão enquanto era observado por olhares atônitos e surpresos, e embora os rostos fossem familiares para mim, diante do espanto deles, era um desconhecido, foi quando uma mulher apressou em vir em minha direção, e indagar:
- O que faz aqui?
- Como pode?
- O que faço aqui?
- Caso, não esteja enganado é minha casa, não?
A mulher olhou ao redor, e voltou a olhar para mim, parecia surpresa, mas pude sentir um temor em seu olhar e em seu corpo, e algo mais parecia atrair meus sentidos, na verdade, tudo parecia intenso demais aos meus sentidos, cada ruído, cada odor, cada toque, mesmo o movimento mais sutil de um gesto, parecia uma tempestade arrastando tudo em seu caminho, e tentando amenizar a situação a mulher disse:
- Sim, é sua casa...
- Mas não deveria estar aqui.
- Por quê?
- Sendo minha casa, esse é meu lugar.
- Venha, vamos conversar...
- Precisamos esclarecer algo importante.
A mulher conduziu para um aposento da residência, ao entrar, não lembrava do local, na verdade, havia sido restaurado, o odor de tinta e verniz causara um ânsia em mim, e disse:
- O que precisamos conversar...
- Tenha calma.
- Tenha calma...
- Retorno para casa e encontro uma festa.
- E pela expressão de todos não fui convidado.
- Fique calmo.
De repente, senti um calafrio, e a jovem, olhando surpresa para meu rosto, disse:
- Não pode ser...
- O que não pode ser, mulher?
- Você deveria estar morto...
- Morto?
- Sim, morto! Mas não está.
A mulher aproximou a mão de meu rosto, e surpreendeu olhando para mim, dizendo:
- Você está frio...
- Frio?
- Sim, não emana calor pelo corpo...
- Está morto.
- Não, eu não posso estar morto.
- Mas para todos está há algumas semanas.
A mulher começou a relatar, que há pelo menos umas dez semanas havia embarcado em uma viagem para o interior, mas como não cheguei em meu destino, fui procurado, tendo meu corpo encontrado em uma trilha em meio a floresta, havia sido muito machucado e estava mutilado, a garganta havia sido dilacerada, como houvesse sido atacado por uma fera, um animal, após o reconhecimento do corpo e os procedimentos necessários, fui sepultado, embora uma amiga da família tenha cogitado a possibilidade de incinerar o corpo, haja visto que havia sido muito desfigurado. As analises preliminares relatadas nos laudos da necropsia, certificava que os ferimentos haviam sido realizados ainda vivo, porque havia várias lesões de defesas, na parte superior do corpo, principalmente nos braços, foi quando a jovem disse:
- Por favor, compreenda...
- Você foi sepultado.
- Não, isso é uma loucura...
- Ou alguém quer que enlouqueça.
- Não, por favor, tenha calma.
Fiquei agitado ao ponto de um homem abrir a porta e surgir, e com um tom de voz agressivo, indagou:
- Emy, algum problema?
- Não, Maurice.
Olhei para o homem, que ficou diante da porta, como quisesse afrontar, e retribuindo o olhar disse:
- Não há problema algum.
Emy relatara tudo que havia transcorrido durante o período, e agora ficara surpresa com minha chegada, súbita e inexplicável, e aproximando de mim, disse:
- Vou preparar um quarto para você...
- E pode tomar um banho e descansar.
Emy saiu pela porta acompanhada pelo homem, que percebi murmurar algo ao ouvido dela, pude ver a porta cerrar lentamente. Vagamente lembrava do ambiente, a enorme janela permitia uma visão de toda frente da casa, e absorto em pensamentos, não percebi a porta sendo aberta, e Emy disse:
- Damien, está tudo bem?
- Sim, tudo, porque não deveria?
- Por nada, por nada mesmo.
Fui conduzido pelo corredor até um dos quartos, e emy apanhou em uma gaveta uma toalha, colocou em minha mão e sorrindo disse:
- Descanse, amanhã conversaremos mais.
- E essa festa, Emy?
- Não preocupe, todos irão partir.
- Ficaram surpresos com seu súbito retorno.
- Retorno do reino dos mortos?
- Ou seria das entranhas do inferno, querida?
Emy não respondeu, ou fez qualquer comentário, apenas limitou a caminhar em direção a porta e dizer:
- Descanse, amanhã conversaremos.
- Talvez haja uma explicação para esse estranho renascimento.
Após o banho, deitado na cama, fui acometido de um sono profundo, e acordei sobressaltado, suando frio, e a lembrança mais vivida, era uma mulher, que surpreendera em meio à floresta, surgira desnuda, com a silhueta voluptuosa, imaginei haver sido atacada por ladrões ou ciganos, e ao tentar socorrer, fui surpreendido, completamente, quando aqueles traços sutis foram mudando diante de meus olhos, uma transformação profunda, não apenas fisicamente, porque podia sentir a ferocidade e voracidade, o ataque foi inevitável, o primeiro golpe lançou meu corpo com facilidade, e avançou sobre mim, completamente enfurecida, tentei fugir, mas fui novamente abatido, senti um estalo seco, fraturando o braço, que imobilizado não serviria para proteger, apanhei a adaga em minha cintura, perfurando o abdômen daquela fera, que apenas ficou mais enfurecida, no olhar dela, podia ver meu temor, e com voracidade, senti uma mordida feroz, sanguinária e mortal, fui sendo mergulhado em uma escuridão sombria, podia ouvir os ruídos da floresta ao meu redor, e nesse momento, acordei sobressaltado, com o coração em descompasso. Olhei para o relógio na parede, era quase cinco da manhã, e não consegui dormir, ficando apenas na cama, absorto em pensamentos.
Quando percebi os primeiros movimentos na casa, fui ao encontro de Emy, que estava preparando o café, e surpresa com minha repentina chegada, disse:
- Bom dia! Imaginei que iria dormir mais um pouco.
- Bom dia, acordei mais cedo.
- Teve um bom descanso.
Evitei falar a respeito do pesadelo, que causara uma impressão muito forte em mim, principalmente por acordar ainda com aquela sensação de pavor e dor, sofrimento causado por aquela criatura da qual apenas podia lembrar do olhar brilhante, injetado de sangue, de voraz ferocidade. E sorrindo Emy, indagou:
- Algum problema, Damien?
- Não, nenhum!
- Aceita um café?
- Sim, o aroma está delicioso.
Sorvi o café, em silencio, enquanto Emy retomava os afazeres, diante do fogão e da imensa pia de mármore, foi quando indaguei:
- Porque você esta tensa?
- Não deveria estar?
- Você deveria estar morto, sabia?
- Você estava morto.
- foi sepultado.
- E agora, está tomando café na cozinha.
Compreendi a ansiedade e temor dela, mas mesmo para mim, seria impossível poder explicar alguma coisa naquele momento, sorri, um sorriso sem graça, por não saber o que dizer, mas queria mesmo era parar de sentir tudo ao meu redor, desde o ruído do vento balançar as cortinas, ao sussurrar de pessoas que ecoava pela casa, foi quando indaguei:
- Emy, não estamos sozinhos?
- Não, temos visitas.
- Porque não vai para sala.
- Assim pode fazer companhia para nossos convidados.
- E assim que terminar, irei ao encontro de vocês.
Emy era educada, mas podia sentir seu temor, o odor que seu corpo exalava atraia minha atenção, foi quando indaguei:
- Esta temerosa?
- Não deveria?
- O que será que todos estão imaginando agora?
- Você ressurge inesperadamente, do além.
- Esse é seu temor?
- Sim, mas vai passar.
Levantei da mesa, e caminhei pelo corredor, seguindo os sons de conversa, não era uma conversa, eram murmúrios professados por lábios, que parecia não querer ser ouvido, e quando abri a porta, as duas pessoas, estavam conversando, e olhando para mim, disse:
- Bom dia, Damien!
- Bom dia!
Caminhei em direção a janela, abri e sentei, a brisa gélida, pareceu acariciar minha pele, levando o aroma da pele daquelas duas pessoas para longe de minhas narinas, e assim poderia ficar mais tranqüilo, menos agitado, e apreensivo com tudo que acontecia e que não conseguia compreender, e que de alguma forma, sentia que não iria gostar.
Ainda que procurasse ficar calmo, sentia meu sangue agitado com a presença e relutei mas foi impossível não sair da sala, e encontrar Emy no corredor, que sorrindo apreensiva, disse:
- Parece incomodado, Damien.
- Um pouco.
- Mas vou espairecer no quarto, algum problema?
- Não.
Retornei ao quarto, e fiquei deitado em meio à penumbra, a cada cerrar dos olhos, podia ver a silhueta feminina ser transformada diante de meus olhos, aquele ataque sedento e sanguinário, e abria os olhos sentindo o coração descompassado.
Os dias sucediam tranqüilos, mas não tinha animo em sair de casa, embora Emy insistisse em voltar à vida normal, rotinas de uma vida comum naquela pequena cidade, incrustada entre as montanhas, mas meu desejo de ficar quieto, iria encerrar com um encontro, em uma noite de lua cheia, e minha vida, iria mudar para sempre.
* Damien Darkholme