DO OUTRO LADO DA RUA (9) - FANTASMA DE DONANA

          Faz já alguns dias que não vou visitar dona Chiquinha, na casa de fundos do outro lado da rua. Deixo de lado alguns afazeres e tiro uma hora para me dedicar à boa velhinha.
          Encontro-a no fogão de lenha fazendo o cafezinho da tarde, com seus bolinhos de chuva. A mesma me leva até à sala para seu tradicional benzimento com ramos de alecrim, em seguida voltamos à cozinha para saborear mais uma vez aquele café fresquinho com seus saborosos bolinhos.

          Ali sentadas, minha doce velhinha começa a contar mais uma de suas lembranças inesquecíveis, saudosas recordações de tempos vividos em Engenho Novo, a fazenda de cana de açúcar, onde minha querida velhinha passou muitos anos de sua vida, Engenho Novo que hoje já não existe, pois fora fundado pelos pais de seu Porfírio que vieram de Portugal com a família real, no ano de 1500.
          A produção de cana, de Engenho Novo baseava-se quase exclusivamente, na força dos escravos que ali viviam. 
          Nas fazendas, nos engenhos, nas chácaras e sítios, aos 8 anos, os meninos escravos eram enviados às plantações, ou então beneficiavam café, descaroçavam algodão, descascavam e ralavam mandioca, fabricavam cestos e cordas, guiavam carro-de-boi e pastoreavam o gado. As meninas escravas eram muitas vezes enviadas para casas de mucamas onde aprendiam a bordar, costurar, pentear, fazer bonecas e até mesmo escrever, outras eram ocupadas na diversão de seus proprietários, quando eram obrigadas a brincar com os "sinhozinhos”.  Outras, assim como Chiquinha, eram afilhadas dos donos da casa e ali ajudavam nos afazeres domésticos.
          O ano era 1883. A menina Chiquinha, então com 8 anos, observava seu pai trabalhar na casa grande. Ele estava repondo umas tábuas soltas num dos quartos dos fundos e ao entrar, a menina fixou sua atenção em uma palmeira plantada numa lata em um canto do quarto. Em seguida, ela notou que os galhos da planta se transformaram em cabelos e o tronco, em um corpo: o rosto de uma mulher surgiu em meio àquela transformação. Era uma senhora que aparentava uns 50 anos e usava um chapéu estranho na cabeça.
          A garota gritou e logo a visão desapareceu. Chiquinha contou essa visão à sua mãe, que narrou à Dona Maria das Graças com todos os detalhes. Deduziram que era mesmo um fantasma e se tratava de uma falecida moradora da casa, Donana avó de seu Porfírio, cujo retrato existia na sala de visitas da residência. Até hoje a aparição que viu na mais tenra idade, é uma lembrança clara na memória da minha boa velhinha.

          Hoje me encontro mais serena, tranquila com o benzimento de dona Chiquinha, preciso ir mais vezes até lá, não só por me sentir assim, mas também para dar mais atenção à boa velhinha do outro lado da rua.

Moly
Enviado por Moly em 25/07/2012
Reeditado em 02/08/2012
Código do texto: T3796647
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