Uma caravana: o desepero de um pai

As crianças estavam sozinhas em casa, o menino tinha seis anos e a menina cinco, o pai precisou fazer uma viagem ao interior ali próximo, como a mãe voltaria logo ele pensou que não tinha nenhum problema em deixa-los sozinhos enquanto ela voltasse. Os irmãos brincavam no alpendre quando avistaram uma caravana que se aproximava, eles ficaram empolgados e sentaram na mureta do alpendre par observar a caravana passar.

Nesse intervalo o pai que já havia se distanciado do povoado por ter pego um atalho, se aproximou de uma casa que ficava entre os dois interiores, puxou o cabeção do cavalo Branco e cumprimentou os donos da casa que estavam sentados à sombra do terreiro da casa.

- Boa tarde dona Maria, major. – Disse o pai das crianças. (Major era uma forma de demonstrar respeito pelo dono da casa).

- Boa tarde seu Chagas. – Responderam os donos da casa

- Tá indo pro Curralim? – Perguntou o major.

- Sim, vou tentar comprar o cavalo do cumpade Gonçalim.

- Vamo se apear, tomar um café. – Dona Maria convidou.

- Se avexe não dona Maria, tô com pressa, quero voltar já já.

O dono da casa então interveio na conversa.

- O major passou pelos ciganos que desceram para o Poty? – Poty era o povoado em que tinham ficado as crianças.

- Não encontrei porque vi pelo atalho. Eles eram muitos?

- Sim, mais de trinta, homens, mulheres, crianças e muitos animais.

Mais foi o fato dele ter mencionado as crianças que fez seu Chagas sentir um frio no peito, e, ele não pensou duas vezes, precisava voltar.

- Major, vou voltar pra casa que deixei os dois pequenos sozinhos esperando a mãe deles chegar. Os ciganos vão querer levar meus meninos.

- Bota o cavalo pra correr seu Chagas porque já tem tempo que eles desceram pra lá. – Falou dona Maria toda aperreada.

E seu Chagas atiçou o cavalo de volta.

Enquanto isso, na casa grande como era chamada a residência de seu chagas as crianças estavam deslumbradas com toda aquela agitação. A caravana não passou, tinha se aproximado da entrada da casa, aberto a porteira do cercadinho e se apossaram de tudo que estava pela frente. As mulheres eram lindas, as roupas brilhosas e falavam de modo estranho, aliás, todos falavam de modo estranho. Pegaram as cangaias que estavam no alpendre e colocaram nos jumentos que traziam, os arreios que seu Chagas tinha e guardava com o maior cuidado os homens levaram para dentro de uns jacás que eles também pegaram sem pedir licença. As mulheres mexiam em tudo, pegavam panelas, a carne que estava no sol, os ovos das galinhas que estavam em uma cumbuca em cima da mesa, e falavam muito, como faziam barulho.

As duas crianças de seu chagas estavam deslumbrados e assustados, eram uma menina e um menino. A menina não dizia nada, só olhava. Já o menino reclamava de cada coisa que eles pegavam.

- Essas cangaias são do papai colocar nos jumentos dele. – Dizia o pequenino assustado. Já tinha passado algum tempo e os ciganos começaram a ficar alvoroçados, com presa pegavam tudo. A menina avistou o pai que vinha em seu cavalo mais que veloz, ele tinha acabado de dobrar a curva que dava para sua casa, ela gritou.

- O papai tá vindo. – Para a pequenina o pai era um herói, não que ela imaginasse que estava correndo algum perigo, mas pelo fato de vê na imagem do pai um homem forte e corajoso. Ela achava lindo ele andando a cavalo. O irmão gritou também.

- Papai vai pegar as cangaias de volta.

Os ciganos ficaram assustados, mas não deu tempo reagir, seu Chagas estava próximo de casa e o cavalo era veloz. Na velocidade em que o cavalo vinha ele entrou em disparada pela porteira do cercadinho que estava aberta e parou no pé da calçada. O seu Chagas se apeou do cavalo com o chicote na mão, era um chicote feito de rei, uma espécie de coro cru. E, os ciganos foram tratando de ir saindo, principalmente as mulheres e as crianças.

- Seus safados, tirem minhas coisas dos jumentos de vocês e tratem de ir embora, pensavam que iriam ficar com meus meninos? – seu Chagas estava uma fera. Um dos ciganos tentou brigar com ele, ele arremessou o chicote nos braços do homem e gritava com ele.

- Seu safado, sai já da minha casa. – Uma cigana entrou entre eles e as crianças começaram a chorar.

Outros homens que estavam na caravana começaram a tirar e devolver as coisas, tirando e jogando no alpendre. Os filhos de seu Chagas olhavam tudo sem entender muito bem o que estava acontecendo e ao mesmo tempo aliviados com a presença do pai. Os ciganos devolveram tudo e se retiraram da Casa Grande. Seu Chagas ficou muito nervoso, teve medo de perder os filhos e reclamava muito enquanto arrumava suas coisas de volta em seus devidos lugares.

- Se eu não tivesse chegado a tempo eles tinham levado vocês. Graças a Deus eu parei na casa do Major e ele me contou que os ciganos estavam vindo pra cá.

As crianças sorriam feliz com a presença do pai e o ajudavam...

Lembrei essa história quando relia o livro O alquimista de Paulo Coelho, lá tem uma passagem que fala sobre ciganos e na suposta lenda de que eles roubam crianças. Não sei se eles roubam ou roubavam crianças, na verdade nem sei se eles levariam a mim e meu irmão, a única coisa que sei é que hoje quando lembro essa história eu sinto um medo grande do que aconteceu. Meu pai sempre foi e sempre será meu herói, quando li O alquimista pela primeira vez lembrei e escrevi em outro not que eu tinha, e hoje decidi escrever de novo. Recordo que papai montava muito bem a cavalo, tinha um charme todo especial, ficava deslumbrada com sua postura. Não lembro aonde minha mãe tinha ido, nem meus outros irmãos mais velhos... Nunca vou esquecer a imagem do meu pai descendo do cavalo com os olhos procurando por mim e meu irmão e nos defendendo de maneira tão brava. Mamãe quase teve um “troço” quando soube o que tinha acontecido e os outros irmãos não paravam de repetir que queriam está em casa para nos defender. Hoje percebo que todos tiveram muito medo de nos perder... Contamos essa história por muito tempo, algumas coisas lembro bem, outras não. Mas, quis deixar registrado aqui no meu cantinho.

Jacinta santos

22/07/12

Jacinta Santos
Enviado por Jacinta Santos em 22/07/2012
Reeditado em 23/07/2012
Código do texto: T3790749
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