A Porta Torta

Em alguns lugares no mundo, sem nenhum motivo aparente e sem que muitas pessoas percebam, algumas portas simplesmente se entortam, mas não chamam tanta atenção a ponto de seus donos decidirem troca-las.

Meu avô dizia que essas portas ficavam assim por causa da magia que elas carregavam. Ele dizia que havia arvores nas florestas que não pertenciam ao nosso sistema, mas que mesmo assim, por alguma razão elas estavam lá e eram elas que quando cortadas e transformadas em portas serviam como portais para outro mundo. Porém, ele dizia também que elas não eram portais permanentes e que de tempos em tempos e somente durante alguns segundos o portal se abria.

Ele não sabia dizer para onde o portal levava, mas ele dizia que viu uma vez um gato que pertencia a minha bisavó desaparecer ao passar por uma porta que existe até hoje na casa da fazenda onde nós moramos. O gato nunca mais foi visto, até que há alguns dias atrás, um gato magro e velho apareceu em nossa casa e meu avô jura de pés juntos que é o tal gato desaparecido há anos.

Tudo correu tranquilamente nas semanas seguintes, mas meu avô ficou cismado com aquela porta e tentava evitar a todo custo que qualquer um passasse por ali. Como era uma porta para um dos quartos que não era utilizado por ninguém, ficou o fácil o trabalho dele de evitar a entrada de alguém.

Todos da casa já haviam se apegado ao gato, que a essa altura já havia engordado um pouco e não tinha mais aquela feição assustada de quando havia “retornado” segundo dizia meu avô. Mas o gato dava a impressão de também não gostar daquela porta e mesmo ele andando por toda a casa, naquele quarto ele não entrava.

O tempo foi passando e todos voltaram as suas rotinas do dia a dia. Um dia quando eu havia acabado de voltar da escola fui andando distraidamente pela casa e quando percebi estava em frente à porta torta. Fiquei parada alguns segundos olhando por toda a sua volta e imaginando porque aquela porta havia ficado daquele jeito. Peguei na maçaneta e a girei. Ela fez um leve rangido e se abriu. Comecei a empurrá-la e um arrepio frio subiu por minha espinha enquanto ele ia se abrindo. Uma sensação de que alguma coisa errada estava acontecendo passou em minha mente e um frio repentino me gelou dos pés à cabeça. Olhei para trás e vi o gato parado no meio da sala com os pelos das costas todos arrepiados e a boca mostrando os dentes desafiador. Porém o gato não olhava em minha direção e sim da porta.

Voltei o olhar para a porta e vi como se estivesse em frente a um espelho d’água, irradiando uma leve luz azul e tive a sensação de ver meu reflexo nesse espelho. Estiquei a mão para tocar aquilo e quando estava quase encostando ouvi um grito vindo do corredor ao lado. Tudo aconteceu muito rápido. Olhei para o lado e vi meu avô correndo em minha direção e se jogando na minha frente. Ouvi o gato soltar um miado alto e sabia que ele estava fugindo. Meu avô me empurrou para o lado, mas se desequilibrou batendo em dos lados da porta e caindo de costas no vão aberto da porta. Tentei pegar em suas mãos, mas não consegui e vi ele atravessar aquele espelho d’água e desaparecer.

A luz azul se apagou, o espelho d’água desapareceu e junto com ele meu avô.

Com todo aquele barulho, logo todos da casa estavam ao meu redor enquanto eu entrava e saia do quarto procurando por meu avô. Ninguém entendia o que eu estava dizendo e quando entenderam todos começaram a procurar pelo vovô, mas ninguém conseguia encontrar ele em lugar nenhum.

Alguns saíram pela fazenda atrás dele e outros foram até a cidade, eu dizia que ele havia sumido ali naquela porta, mas ninguém acreditava! Eu comecei a achar que estava ficando louco! Aquilo não podia ter acontecido! Com aquilo havia acontecido? Onde estava meu avô?

Meu avô continua desaparecido até hoje. Nunca tivemos nenhuma noticia dele. A cidade toda se mobilizou nas buscas por algum tempo, mas depois foram deixando de procurar e começaram a dizer que ele havia fugido. Como um senhor de 78 anos desapareceria sem deixar vestígios de uma fazenda em uma cidade onde todos os conheciam e onde ele havia crescido.

Eu sabia como ele havia sumido só não sabia onde ele estava e nem como encontra-lo, mas ninguém acreditava em mim.

Por muito tempo, todos na cidade me chamavam de louco e alguns até diziam que eu havia matado meu avô. Eu não me importava com essas coisas e dia após dia eu vigiava aquela porta.

Os anos passaram e meu avô nunca mais voltou. Eu nunca mais passei por aquela porta e também não deixei que ninguém passasse por ela. Eu fico sentado em frente a ela, todos os dias, esperando pela volta do meu avô ou por uma chance de ir busca-lo.

Igor Martins
Enviado por Igor Martins em 21/07/2012
Código do texto: T3790499
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