O Homem de Terno Escuro

Terça-feira, 14h25 min

De olhos ainda fechados, eu sorria. Era tão bom acordar depois de uma noite de sonhos doces. Uma noite completamente maravilhosa, onde o corpo repousa sobre a macia cama. Onde a alma sobrevoa os mais belos territórios, onde o impossível é palavra desconhecida. Espreguiçava-me e temia abrir os olhos. Não queria acordar e saber que todo aquele mundo colorido era ilusão. Minha vida aqui na terra sempre foi turbulenta, sempre cheia de nada. Melhor dizendo, feita de metades. Meio alegre, meio-feliz, meio-triste, meio-cômico, meio tanta coisa que até me perco nas palavras. Cheia de tristezas, desagrados e tragédias. Nada envolvendo mortes, pelos menos não mortes físicas.

Lentamente vou abrindo minhas pálpebras. Visualizo imagens distorcidas, pois uma intensa luz solar atingia meus olhos. Cobrindo a testa com a mão, consigo observar, com lágrimas nos olhos, sombras a minha frente. Sentado no que parecia ser um banco de igreja, está um homem de terno escuro. Com um pequeno chapéu cobrindo seu rosto. Impossibilitando que eu o reconhecesse mesmo parecendo familiar a mim.

Retiro o que disse anteriormente. Não existiam tragédias pela metade, minha vida era uma completa tragédia. Nos últimos anos eu buscava o conforto em frascos e mais frascos de remédios. Vendo o mundo a minha volta se desmoronar como castelos de areia. De fato, minha vida era como um castelo de areia. Sempre pronta para ser destruída na primeira maré que surgisse. Meu quarto era a demonstração da dor contida dentro de minha alma. Era frio, escuro, atormentador, com fotos e reportagens de assassinos em série, suicidas, massacres e tantos outros crimes impulsionados pela atitude mais extremo de um ser humano. A atitude de fazer com que todos o ouçam. Com que todos parem para ver a sua dor, mas ninguém percebe. A vítima sempre acaba se tornando o vilão.

Não tinha espelhos lá, pois eu tenho medo do meu reflexo. Medo do meu rosto, medo de mim. Às vezes sinto que sou muito mais do que pareço ser, sinto ser melhor do que todos os outros. Quase um deus de mim mesmo. Uma entidade a qual devo venerar e exaltar aos mais altos céus! Na realidade, não passo de mais um jovem adolescente sofrendo da já famosa e estranha depressão. A minha melhor amiga, como costumo dizer.

Outro homem se aproxima do de terno escuro. Parecia ser meu pai. Ele apenas diz algo em seu ouvido e então o outro abaixa a cabeça como se estivesse a chorar, mas era um choro falso. Feito apenas para disfarçar algo. Talvez um sorriso, ou quem sabe, uma gargalhada. Tento esticar meus braços, mas sou impedido por uma barreira de vidro. Observando o ambiente reparo que estou em uma espécie de caixa. Preso dentro.

Nunca foi uma pessoa sociável, nunca tive amigos nem procurei ter. Sempre desejei que todos morressem. Os humanos são seres desprezíveis, olhando apenas pra si mesmos. Pouco importa se o próximo está precisando de ajuda, só irão ajudar se houver retribuição. Quem sabe um lugar no céu ou alguns peixes na carteira.

Após o choque, empurro com toda força possível a caixa em que me encontrava dentro. Estava em um caixão e pronto para ser levado a minha sepultura, sentia os movimentos das mãos que o carregavam. Batia no vidro, gritava, mas não obtinha resposta. Ninguém parecia me ouvir. Já na cova, via descendo aquela que seria minha cama daqui pra frente. Onde repousaria meu corpo e então, eu teria a tão sonhado morte. Não deveria ser assim, não podia ser isto! Não, morrer não é a melhor opção, vejo agora. Não vejo nada. A terra já cobria tudo. Um olhar acima de mim. O homem de terno escuro levantava seu chapéu e exibia um sorriso de vitória. Era eu. Era a voz, era o meu lado negro. Tudo de ruim que existia em mim, estava lá fora. Tomando o meu lugar, vivendo a minha vida.

Vida que deixei de lado por cinco anos. Vida que passei a temer. A voz que me dava conselhos, que me deixava pra cima quando estava supostamente triste, não passava de mim mesmo. Outro lado do meu ser. Um lado perverso, frio e calculista. Um lado que me tirou a vida e que estava pronto para executar minha família, meu mundo. Iria destruir tudo aquilo que odiei, pois o amor que tinha pelas coisas, este ele destruiu cruel e lentamente. Levando de mim as maiores virtudes de um ser humano.

Recupero as forças das quais pensei que não existiam mais e vejo-me sair debaixo da terra recém-reposta, cravando minhas unhas no chão. Um salto foi o suficiente para puxar o homem de terno escuro e cair. Cair com ele sobre a madeira dura e o vidro resistente. Não o ouvia respirar, não sentia seu pulso. Certifiquei-me de seu fim, ao tocar seu corpo gelado. Então sorri, por que o bem sempre vence o mal.

De olhos fechados, sorria. Sorria por que eu tinha em mente todas as respostas para as minhas constantes duvidas. O pescoço doía um pouco, apertava e fazia-me chorar, mas a mente estava em paz. Limpa e suave. Agora eu sabia sorrir novamente. Último sorriso, último suspiro. Por que o bem não existe sem o mal.

Dedicado a Ygor Ferreira.

Baseado no Clipe “Bury me Alive” da banda We are The Fallen.

Walter Frank
Enviado por Walter Frank em 30/06/2012
Código do texto: T3752339
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