Noites infernais
" E cá estou. Sozinho. Sem rumo. Sem futuro. Perdido na minha própria ilusão. Sem dó nem piedade me fuzilam como se eu fosse um lixo. Um nada. Se para mim eu sou grande, para os outros eu não passo de uma simples merda nojenta. Sem valor. Repugnante. Um inseto desprezível e sem vida. Me humilham. Me calam. Me destroem. E alguém se importa? Que nada. É um alívio para todos.
Nunca vou compreender porque odiastes tanto a mim. Não sou culpado pela minha existência. Ninguém me perguntou se eu queria estar aqui. Simplesmente me jogaram no mundo e disseram: "Se vira neguinho". E sem a menor preocupação me despejaram. Me arruinaram. Me deixaram as margens. Desprotegido e indefeso aprendi cedo demais o que era o Mal. Senti na pele a dor do abandono, do desprezo, do frio e da fome, da malícia que esse mundo do cão vive. Ainda pequeno demais, sem saber o que fazia, vendi minha alma ao diabo. Me rastejei por esse mundo como uma cobra. Obrigado a fazer coisas que eu não gostava.
Hoje sou uma sombra. Vivo da escuridão. Das noites. Vasculho lixo e entulho em busca da sobrevivência. Lutando contra as influências do Mal que insistem em me tornar pior do que já sou. Mas eu não sou assim. Que fique bem claro que eu nunca quis ser assim. Precisei ser. Era assim ou eu morria.
E que diferença faz morrer também? Já me sinto morto a muitos anos. Não posso chamar isso de vida. Não posso me chamar de alguém. Aguentar esse inferno já deu para mim. Basta! Dane-se tudo. Não tenho por quem viver. Não tenho motivos para dar continuidade nessa merda de existência. Agora acabou. Acabou."
De um beco escuro e aparentemente sem vida uma sombra se move. Caminhando rapidamente para o centro da rua com pouco movimento uma ação. Um tiro. Alguns gritos. Correria e medo. Outro tiro. Outro grito. Manifestação surgindo de todo lugar. "Socorro!" Alguém solicita. Um cheiro pesado de cobre toma conta do ar. O vermelho rubro de sangue mancha o asfalta gasto. Sirenes ao longe se escuta. "Quem é?" Cochichos vibram entre os grupos. Ninguém sabe dizer quem era aquela pessoa. A única certeza que tinham era de que vida naquele corpo não existia mais. "Pobre criança..." Um lamento.
A triste notícia da perda de um jovem corre os jornais na manhã seguinte. O corpo da vítima fora identificado como sendo o filho de uma senhora. Que triste perda. Que injustiça lia-se nas últimas palavras da notícia impressa no papel.
"Para este, as noites infernais não existirá mais. E eu continuarei entre as sombras sobrevivendo dia após dia com a minha insignificância."