O tormento

O clima estava quente e úmido naquela noite de verão na simpática Juquehy, pequena praia do litoral norte de São Paulo. As velas acesas nas mesas dos bares à beira-mar contrastavam com a penumbra da rua, assemelhando-se a estrelas num céu escuro. Drim era puro júbilo! Os dias de férias na casa de praia de tio Eduardo estavam simplesmente excepcionais. Não era sempre que tinha os pais o dia todo e todos os dias. Além disso, adorava o mar e, na companhia dos primos então, era tudo o que mais queria.

Depois de comerem, Sr. Onofre e dona Vilma pediram licença e levantaram-se da mesa. Tio Eduardo insistiu para que ficassem, mas estavam muito cansados e queriam repousar. Tio Eduardo então disse que levaria as crianças para um passeio no shopping e logo iria pra casa. Drim não se conteve:

_Deixa eu ir com eles, mãe!

_Menino, você ficou o dia todo com eles. Agora, fique um pouco com

seus pais! - argumentou dona Vilma, sabendo que de nada adiantaria.

_Ah não, mãe! Deixa vai! - insistiu o garoto.

_Fica tranquila, Vilma! Os meninos só vão jogar um fliperama, tomar um sorvetinho...

_E você, mais um chopinho, né Eduardo? - emendou ironicamente Sr. Onofre.

A risada frenética de tio Eduardo confirmou a desconfiança do pai de Drim.

Tia Vanusa garantiu que era ela quem dirigiria e que não precisavam se preocupar. Sr. Onofre finalmente consentiu.

_Eba! - comemorou Drim.

_Só não se esqueça de ir até o nosso quarto quando chegar, está bem? Pra pedir a benção! - recomendou o pai, enquanto saía do romântico barzinho abraçado à esposa.

Cerca de uma hora e meia depois, após se divertirem à beça na galeria de jogos do local e deliciarem-se na sorveteria, tio Eduardo e as crianças retornaram a casa. A camioneta preta do Sr. Onofre estava na garagem. As crianças desceram do carro e dirigiram-se à sala de TV. Queriam jogar videogame. Tia Vanusa logo acabou com a festa, dizendo que era tarde e eles já haviam brincado demais. Decepcionado, Drim despediu-se dos primos e dos tios e subiu para o seu quarto. Já estava quase dormindo quando se lembrou da recomendação de seu pai: "Só não se esqueça de ir até o nosso quarto quando chegar!". Levantou-se com uma certa acídia e foi até lá.

Quando entrou no quarto, pisou em algo tépido e pastoso. Acendeu as luzes e viu a cena que mais o atormentaria até o fim de sua existência. O impacto foi tão grande que não sentiu mais as pernas. Desabou.

Tentou levantar-se, mas só se conseguiu arrastar. E quanto mais o fazia, mais manchava seu pijama. A sensação era a de estar nadando em um pântano rubro, sem lógica, nem compaixão. A respiração era difícil e o coração estava prestes a rebentar. Seus olhos estavam tão esbugalhados que impediam a saída das lágrimas. A mesma coisa acontecia com a glote, em relação às palavras.

Quando finalmente conseguiu se segurar na cama de casal, ergueu a cabeça e pode ver mais de perto aquilo que o fizera desmoronar. Seus pais, aqueles que lhe deram a vida, que tanto o amavam, jogados nus e sem vida sobre um lençol maculado de sangue.

Os olhos abertos, assim como os tórax, exprimiam que a morte fora violenta e excruciante. Os corpos estavam ocos, sem órgãos, inclusive os genitais. Drim tentava, com todas as suas forças, não sucumbir. Mirou todos os flancos do quarto no impulso de localizar os órgãos paternos, mas foi em vão. Desgarrou-se, deixando seu corpo cair e procurou sob a cama, como num gesto de terror infantil. Também não estavam lá. Sua vontade era ficar ali embaixo para sempre. Não queria rever a cena cruenta e aterradora que seus pais protagonizavam logo acima dele, mas, como que percebesse ter de enfrentar a penosa circunstância, ergueu-se novamente e aproximou-se da mãe. O rosto que tanto beijara, os cabelos que tanto acariciara e as mãos...as mãos!

"Oh, meu Deus, o que é isto?", pensou Drim. Não havia pele na palma das mãos de sua mãe! Ao ver aquilo, as travas dos olhos caíram e as lágrimas escorriam copiosamente.

_Não!! Não!! Oh, meu Deus!! Não!! - o mesmo aconteceu com as da

garganta.

Num movimento súbito, Drim começou a rasgar as próprias vestes, esgatanhando o próprio corpo e, olhando para o alto, gritava cada vez mais forte.

Quando tio Eduardo chegou, encontrou-o desacordado sobre os corpos dos pais.

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CONTINUA...em:

"O tormento - parte II"

Jack Cannon
Enviado por Jack Cannon em 11/06/2012
Reeditado em 03/09/2018
Código do texto: T3717241
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