Éden (Fim da Opressão Divina)
Agora Deus está morto. Isso é um fato. O pensamento chamado Gottiste se mostrou verdadeiro, deuses são feitos puramente de fé e só a falta desse sentimento pode matá-los. Tudo que um dia foi chamado de Mundo, hoje se reduz ao Éden (Apelido dado por Lúcifer para representar a volta da humanidade á opressão e falta de conhecimento) e agora se reduz a uma luz no fim de lugar nenhum.
Eu me chamo Peter e neste exato momento a raça humana, os que ainda possuem vida, assistem ao fim de bilhões de anos de escravidão. Estamos todos numa grande praça, pessoas ao redor de uma espécie de jaula resistente, criada para prender todos os Anjos que restaram. Foi de comum acordo que os Anjos fossem queimados vivos, queríamos que eles pagassem seus pecados da mesma forma que muitas outras pessoas fizeram enquanto eles enraizavam, à força bruta, o pensamento de um deus único e absoluto.
Entre dezenas de anjos que tentam ultrapassar as grades e outros que se debatem num estado de loucura já sentido seus corpos, agora mortais, sendo consumidos pelas chamas. Está ele, Gabriel, olhando diretamente para mim. Apesar de estar quase morto, seus olhos continuam com uma voracidade, semelhante a que eu notei na primeira vez que nos encontramos.
- Você não faz idéia do que está fazendo mundano. – Gritou Gabriel em meio aos gemidos dos outros anjos. – Logo todos vocês vão cair em desgraça profunda.
- Não consigo imaginar desgraça maior, do que servir a um deus que pretende nos ter sob seus pés – Fui me aproximando da cela. Entre mim e o Anjo só havia os pedaços de madeira esperando para arder. – e que nos priva da verdade.
- Sempre foi claro, agora mais do que nunca, que vocês humanos precisam de um líder. Vocês são porcos preguiçosos que não buscam a verdade, só mais um motivo para serem ingratos. – Toda a atenção do publico estava voltada para nossa conversa. – Deus lhes deu vida e é com a morte que vocês o pagaram.
Houve um certo murmúrio entre os presentes. Anjos sabiam exatamente como deixar os humanos em duvida, eles conheciam o ponto fraco. Silencio. Então fico perdido em pensamentos, do que ele estava falando? Como liberdade poderia ser algo ruim? Só volto a realidade quando sinto a mão de Aleck pressionando meu ombro.
- Precisamos fazer isso logo. – Me disse com a voz baixa. – As pessoas estão começando a se questionar novamente. Se a morte for prolongada, vai dar espaço a fé.
Ele esta certo. Se as pessoas ouvirem mais coisas ditas por Gabriel, é provável que a fé volte, e com ela a força de Deus e todas as paredes que lutamos durante anos para levar abaixo. Mas se o motivo do que estamos fazendo me parece tão certo, por que não consigo terminar o trabalho que me foi confiado? Por que não acender a fogueira e acabar logo com isso?
- Sabe que estou certo não é Peter? – Sibilou o Anjo de forma que me fez lembrar seu irmão, Lúcifer. Que enganou o próprio Deus e se aproveitou da revolta que estava acontecendo para se vingar de Miguel, cortando a garganta do anjo enquanto era transmitido para todo o Éden. – Você também precisou de um líder para mentir para você e lhe trazer até esse ponto.
Aleck sacou sua arma e atirou em direção ao anjo. O tiro acertou seu ombro direito, mas tenho certeza que sua intenção era acertar a cabeça. Gabriel, sangrando muito, parecia ter desistido e minguava com a mão no seu ombro.
- Agora Peter. – Sua voz estava carregada com raiva. – Você esta do lado deles? – Aleck me perguntou franzindo o semblante. Se eu responder de forma errada é provável que eu vá parar junto daqueles anjos, morto.
- Eu vou fazer. Só que...
- AGORA! – Nunca tinha o visto tão nervoso e ansioso por algum acontecimento ou alguma morte.
Tudo estava em silêncio. Os condenados não lutavam mais e todas as pessoas olhavam para mim esperando que eu finalmente desse fim aquilo. Então eu fiz. Peguei um vaso com gasolina e comecei a despejar em torno de toda a jaula. Os outros soldados fizeram o mesmo, alguns jogavam o liquido também nos anjos, que não reagiam. Feito isso, Aleck me entregou seu isqueiro e se afastou. As pessoas deram um passo para trás. Acendi o objeto e o arremessei contra a madeira no chão. Por um segundo pensei ter ouvido a voz de Gabriel. "Para teu próprio bem Peter, deveria ter queimado conosco". Rápido demais, o centro da praça foi consumido pelo fogo. Os gritos dos Anjos que já tinham seus corpos queimando eram angustiantes, e esse som foi ganhando mais espaço conforme outros corpos entravam em agonia. Agora os gritos eram torturantes demais para mim, então resolvi sai daquele lugar. Pude ver o gozo no rosto de Aleck. Éramos os vitoriosos, mas toda a situação não me fazia bem. Entrei numa rua adjacente e desabei no chão, encostado á parede com as mãos na cabeça. “Para teu próprio bem Peter, deveria ter queimado conosco”. Eu realmente tinha ouvido aquilo? Como se ele nem ao menos abrira a boca? E se foi verdade, o que poderia significar? Em breve iria descobrir.
Dias, meses, anos foram passando e a vida foi se normalizando. Nosso país ganhou um novo nome e ao contrario do que eu pensei nada de significativo havia mudado. As crianças continuavam a estudar, seus pais indo trabalhar, tudo como antes. Não lembro como chegamos nesse ponto, mas a mão de ferro do governo ficou mais firme, a jornada de trabalho aumentou em todos os setores. Muitas catástrofes naturais aconteceram, muitas casas destruídas, muitas famílias desoladas e muitos corações sangrando sem parar. Ninguém se prontificava a fazer uma oração, por que sabiam que não seriam atendidos, agora mais do que nunca. Fomos sucumbindo as autoridades e nos conformando a isso pela falta de esperança, fé. Pensávamos estar plenos depois de nossa luta por liberdade, a verdade é que nunca tivemos asas de verdade.
Só nos resta continuar. Estou feliz, tenho uma família, tenho um filho, vou para o trabalho, pago meus impostos, aluguel, energia elétrica, meu filho merece o melhor da educação! Volto para minha casa com meu carro, para a minha família, eu estou bastante feliz, tomo banho, janto com todos na mesa da cozinha, assistimos o jornal da noite e vamos todos para a cama. Amanhã vai ser a mesma coisa. Eu não poderia ser mais feliz...