Onze de setembro
 
            Não tenho, nem poderia ter, a pretensão de mudar algo que foi convencionado há séculos, com base em rigorosos estudos astronômicos, mas, sinceramente, acho que a primavera deveria começar em sete de agosto. Francamente, não espero que alguém concorde com tal doidice. Todavia que tem certo fundamento, tem! Vejamos: em vinte e dois de setembro, a Terra está no "Ponto de Libra", Equinócio de Primavera no Hemisfério Sul. É o momento que, acredito, deveria ser o auge da estação e não o início, como diz a regra… O assunto seria, porém, tão nebuloso na cabeça de tanta gente, que... é melhor deixar pra lá!
 
            Comecei a falar nisto, porque esta história (ou estória) aconteceu em certa madrugada de um onze de setembro, com cara de vinte e dois. Digo isto, porque a noite estava agradável – havia perfume de flores no ar e a brisa leve convidava ao devaneio e ao romance... Só mesmo o calendário insistia em dizer que estávamos no inverno. Na natureza, as árvores já haviam vestido roupa nova e, nas manhãs, o zunzum das abelhas, visitando cada flor, confirmava o que eu disse: era primavera! Entretanto verdadeira tempestade estava por desabar!
 
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            O trabalho nas grandes metrópoles do País não para nunca. A fim de manter esse ritmo alucinante, e até o seu chuveiro quentinho, a luz acesa, o elevador, etc., muitos anônimos trabalham de segunda a segunda, vinte e quatro horas por dia. Estou falando do Setor Elétrico. O parque gerador, as linhas de transmissão e as estações que completam o Sistema, precisam funcionar diuturnamente. Sem ele, todo o Brasil para – literalmente! Todos se lembram do último blackout, não é mesmo? Pois é, pensando assim, não fica difícil imaginar que, se alguém quisesse provocar um apagão no País, o ponto fraco estaria explícito.
 
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            Assim, naquela agradável madrugada de onze de setembro, o trabalho transcorria tranquilamente numa das maiores subestações do mundo...  Não é exagero meu: a Subestação de Foz do Iguaçu, do Sistema de Transmissão de Itaipu, onde eu trabalhava, é, verdadeiramente, uma das maiores do mundo.
 
             Eu disse transcorria, porque, quando os motoristas dos três carros pretos que vinham em desabalada, frearam bruscamente na portaria da Subestação e deles desceram vários homens, de armas em punho, atirando sem avisar! Eis quando se transformou a calmaria em inferno!
 
            Deixando todos os vigilantes mortos, as viaturas se dirigiram para a Casa de Controle, coração da unidade, aonde chegando, surpreenderam, com a mesma facilidade, todos os técnicos de plantão. Todavia as mortes ali não foram em totalidade como na Portaria. A ideia era tomar a Estação, mas com a condição de mantê-la funcionando para negociarem. Queriam dinheiro e a libertação de companheiros em presídios de vários Estados.
            O grupo, extremamente violento, era comandado por uma mulher. Sim, senhores! Alta, bonita, corpo bem talhado, apertado num terninho de pelica preta, olhos faiscantes. Portava em coldre pendente do cinto de couro, um enorme 38 de cano longo que, pelo exagero do tamanho, prejudicava a estética do conjunto.
 
            Com modos ríspidos, ela ordenou que o Chefe do Turno se identificasse e, em seguida, deu ordem a seus comparsas para que eliminassem, aleatoriamente, metade da equipe de Técnicos! Imediatamente, os terroristas foram retirando do grupo aqueles que apresentavam sinais de descontrole, não se importando com a lamúria dos homens, encostaram-nos numa parede e dispararam, impiedosamente, mantendo os demais sob mira.
 
            Enquanto o sangue dos cadáveres formava poças no piso reluzente, a terrorista ordenou ao Chefe do Plantão que fizesse o primeiro contato telefônico. Quando ele lhe entregou o monofone e ela começou a falar, percebi que tinha uma chance de escapar, para buscar ajuda. De um salto, alcancei a janela e, apesar de estar no segundo andar, mergulhei por ela. Sabia o que estava fazendo e fui parar sobre o toldo da janela de baixo. Deslizei por ele, ganhei o solo e saí correndo pelo pátio de equipamentos. De relance, vi que a terrorista e mais alguns de seus asseclas haviam feito o mesmo caminho e me perseguiam a curta distância, atirando sem parar. Conhecia bem aquele pátio. Se corresse muito, ziguezagueando entre as colunas dos equipamentos, eu teria chance de alcançar o matagal, no outro lado do alambrado. Corri o mais que pude, contudo – malfadada sorte! – o vão de tela danificado, por onde eu pretendia passar e, que até a véspera não fora consertado, agora estava intacto, impedindo minha passagem! Em desespero, vi o grupo de perseguidores se aproximar. O pânico empurrou-me para um canto da cerca e, sentado na brita que recobria o solo, ouvi a terrorista gritar para os comparsas:
           
             – Deixem comigo! Este maldito herói é meu!
           
            Então me encolhi todo, comprimindo a cerca com as costas, completamente aterrorizado vi quando ela se aproximando, apontou-me o revólver. Por um instante que me pareceu uma eternidade, olhei fixo para o cano da arma, esperando que o buraco negro se incendiasse com o estampido que iria pôr fim à minha vida…
           
            Acordei! Coração aos saltos, pijama empapado de suor. Ufa! Foi tudo tão real. Levei um bom tempo para reorganizar as ideias e me convencer de que tudo estava bem. Afinal, havia se passado anos de minha aposentadoria.
            Dormir é muito perigoso! Foi preciso passar por isto, para entender por que tantas pessoas enfartam enquanto dormem!