Condenado à Morte
Numa tarde fria Rogério observava o pequeno Riacho que beirava a sua residência, sentado na soleira da porta podia sentir o vento tocar o seu rosto, que deixava transparecer uma lágrima. Tinha ao seu lado um celular, ele aguardava uma ligação que selaria o seu destino. Sob o celular encontrava-se um livro que o inspirava a balbuciar algumas palavras: “O Espírito sopra onde quer. Um só e o mesmo Espírito opera todas as coisas, repartindo particularmente a cada um de acordo com a sua vontade.”.
A espera parecia longa, mas quão longa fosse estendia a sua vida. Rogério caminhou até chegar às margens do riacho, jogou alguns pedaços de pão na água, pôde ver o movimento da vida nas danças de peixes em busca de alimentos e imaginar a luta pela supremacia na ordem, ordem das coisas. Ordem que tanto seguiu, fez que seguissem e agora como promotor, defesa e juiz deverá cumprir o que sua ordem determinar. O telefone toca, sem hesitar Rogério o atende e do outro lado da linha se encontrava o seu melhor amigo:
- Como Sócrates.
Rogério desligou o telefone, voltou para a soleira de sua casa. Ele sabia que restavam algumas horas, pois seguindo a tradição ele teria testemunhas e algum tempo para se defender. Mesmo sabendo que o julgamento se iniciara quando fora proferida a sentença, antes dos argumentos e sua defesa e nada lhe livraria de sua punição. Entretanto como ato conste da verdade absoluta, ao qual tinha direito pela sua posição, tudo seguiria como no ritual.
Duas horas se passaram, Rogério pôde escutar o barulho de carros. Passado alguns minutos a porta se abriu. Rogério se levanta e observa algumas pessoas entrarem. Oito crianças entre sete e dez anos, três do sexo feminino e cinco do masculino. Rogério aponta para o sofá e se senta à frente deste em uma cadeira. Os garotos se sentam no sofá. O primeiro garoto a entrar entrega-lhe um pacote, Rogério o coloca no chão. O garoto pega em seu bolso um papel contendo o texto de denuncia, observa Rogério e lê o texto. As cinco páginas se resumiam a um único crime, o de revelação da ordem. Rogério, após escutar seu crime, inicia a oratória:
- Eu predigo-vos portanto, a vós juízes, que me fazeis morrer, que tereis de sofrer, logo após a minha morte, um castigo muito mais penoso, por Zeus, que aquele que me infligis matando-me. Acabais de condenar-me na esperança de ficardes livres de dar contas da vossas vida; ora é exactamente o contrário que vos acontecerá, asseguro-vos (...) Pois se vós pensardes que matando as pessoas, impedireis que vos reprovem por viverem mal, estais em erro. Esta forma de se desembaraçarem daqueles que criticam não é nem muito eficaz nem muito honrosa. – Todos os presentes conheciam esta argumentação, afinal era como Sócrates e se não fosse seguido todo o ritual seguiria a pena como nas mãos de Égida e Rogério não gostaria disto, ele prezava toda a sua família, continuou:
- Nada é mais Barato que a Vida.- Rogério usou aquela parte do ritual para deixar algo seu para os aprendizes, testemunhas do cumprimento de sua pena. Em acordo com o ritual ele poderia conferir um ensinamento.
- Mas eis a hora de partir: eu para morte, vós para a vida. Quem de nós segue o melhor rumo ninguém o sabe, excepto os deuses.
Rogério abriu o pacote que recebera e lá se encontrava uma taça e um recipiente com um líquido preparado com uma planta nativa das regiões temperadas do Hemisfério norte e de nome de Cicuta. Rogério colocou o líquido na taça e o bebeu de um gole, se deitou de costas e aguardou. O aprendiz que lhe entregara o pacote recolheu o copo e a taça, se aproximou de Rogério e tocou-lhe a testa enquanto falava:
-Morrerá como um Cordato. – Rogério em um último suspiro agradeceu, ele sabia que havia garantido a vida de toda a sua família. Perguntou sobre o destino de Raquel, sua amada, motivo de seu destino. Um aprendiz se levantou, se aproximou de Rogério e ao seu ouvido o informou. Dos olhos de Rogério surgiu uma lágrima.
As oito crianças saem da casa, do lado de fora três carros com os seus motoristas as aguardavam. As crianças entram nos carros e seguem para seus destinos.
O vento continuava a soprar, balançando arvores e deixando uma brisa fria. Ouve-se um pequeno estampido e uma explosão. A casa de Rogério começa a queimar. No alto de uma Colina um atirador tendo ao seu lado seu comparte, através de seu binóculo, pôde observar o acontecido e comenta:
- Acabou!
(Texto retirado do início do livro A Ponta da Adaga, em final de construção para lançamento. Mais um pouco sobre o livro encontra-se em Meu Diário)