Paranoia
Do apartamento para a faculdade e da faculdade para o apartamento. Era essa a rotina diária de Priscila, com exceção dos finais de semana em que ficava em casa, trancada a chave e duas travas adicionais instaladas pelo pai na porta do apartamento alugado. Era assim há quase um ano, desde que se mudara de Pato Branco para Londrina a fim de cursar farmácia. De acordo com sua família, todo esse cuidado não era sem razão. Afinal, ela vinha de uma cidade pequena do interior, era ingênua e pouco conhecia sobre o mundo. Todas essas recomendações foram minando com o senso de liberdade de Priscila que passara a sentir fobia de espaços abertos e principalmente, pessoas. No caminho para a faculdade, na sala de aula, no mercado, em todos os lugares ficava à procura de prováveis algozes que se ela não tivesse cuidado, a sequestrariam, abusariam e a desovariam em qualquer estrada secundária da periferia de Londrina. As manchetes do noticiário e capas do jornal não ajudavam muito. Na verdade faziam ela se sentir cada vez mais insegura e chegara ao ponto de preferir morrer a sofrer qualquer tipo de abusos, principalmente tortura, Deus o livre.
Nessa embriaguês psicológica, todos os dias ao chegar da faculdade, passava na conveniência que ficava a duas quadras do seu apartamento e comprava um refrigerante para o lanche da noite. Uma vez por semana comprava créditos para o celular pré-pago. A rotina era tamanha que praticamente conhecia não só os proprietários, mas também os frequentadores daquele comércio, que na quase totalidade eram moradores do bairro. Mas naquela quinta-feira algo parecia estranho aos olhos de Priscila. Ela percebeu que na fila do caixa, havia logo atrás dela, um jovem diferente dos vistos naquelas bandas. Era ruivo e com barba por fazer. Como de rotina, ela o acompanhou com rabo de olho, sutilmente. Ela pagou o refrigerante e não pediu o crédito para celular como havia planejado. Não queria que nenhum desconhecido pudesse ouvir e guardar seu número. Ao sair pela porta de vidro olhou por cima dos ombros e viu que ele estava conversando no caixa e se sentiu mais tranquila, mesmo assim caminhando a passos largos para casa. Na esquina da conveniência ela ouve.
– Ei você?! Ela olha para traz e vê o estranho rapaz ruivo vindo em sua direção.
Com o coração acelerado, sem pensar duas vezes ela começa a andar cada vez mais rápido e em menos de dez passos está correndo. Olha novamente para trás e percebe que ele começou a correr em sua direção. Suas pernas são mais compridas e ele já está bastante próximo. Uma última olhada de lado e Priscila percebe que ele está com o braço direito estendido. A visão da arma a deixa em choque. A poucos metros do apartamento, ela sai da calçada e se atira embaixo de um ônibus circular.
Com o queixo caído e a mão esquerda tampando a boca aberta de perplexidade, o jovem ruivo se agacha diante do corpo e deposita sobre seu peito o cartão de crédito.