A Casa - Parte II
Reza a lenda, que a casa havia sido erguida por um espanhol cuja linhagem a historia esqueceu, guardando apenas seu primeiro nome: Diogo. O tal senhor espanhol chegara ao porto no ano de 1690, trazendo consigo mulher e um escravo. A aparência de Dom Diogo varia enormemente dependendo da versão, em algumas é um jovem com longos cabelos negros, alto e moreno, enquanto em outras um velho gordo, asqueroso e bem vestido.
Após uma curta temporada na capital, na qual tratou de adquirir novas peças e fazer um lastro de provisões, se dirigiu ao interior, mas não antes de deixar muita perplexidade e certo receio nos que o puderam conhecer, principalmente no tocante a sua esposa, da qual não há descrições. A historia diz que ninguém nunca a viu, pois era afligida por uma estranha doença que lhe privava do convívio social, não ficando claro que mal seria esse.
As terras que Diogo futuramente ocupou pertenciam ao um coronel, homem que não perdeu a chance de vender por quantia generosa um punhado de terra onde não havia nada que lhe interessasse. Após o devido acerto com o coronel, começou a levanta das paredes, e em quatro meses a casa já coroava o rochedo. É logo após a mudança que a historia ganha seu ar fantástico.
Muitos registros chamam a atenção para as freqüentes mortes de escravos que ocorriam na casa, não que fosse raro para a época um ou outro negro morrer, por exaustão ou punição mais severa, mas havia noticia de quase um morto por mês, o que era no mínimo estranho. Dom Diogo parecia não conservar contatos, e só vinha à vila próxima para ir à missa ou fazer qualquer compra de necessidade, e única impressão que deixou nos moradores do local veio do escravo que havia trazido de viagem. Um preto velho do qual não se separava de maneira alguma, e que o seguia com um cachorro em cada canto que ia, tinha a alcunha de Caxambu. Assustava as moças e crianças com a cara deformada, barba fechada e já branca, e o odor insuportável de podridão que o acompanhava, além do habito de hora ou outra mastigar insetos e outras asquerosidades.
A propriedade em si também era centro de muitos mistérios, pessoas contavam que, ao cruzar a estrada próxima a casa em certas noites, podia-se perceber, vindos de lá, barulhos dos mais estranhos e ate mesmo certas luzes que na época eram difíceis de explicar. O primeiro registro a dar ares mais sinistros ao caso foi o desaparecimento de uma criança, filha de colonos da região. A menina havia sido encontrada morta tempos depois, nas imediações da propriedade. O laudo do medico afirmava que não havia nada de errado com a criança, e que, ao que parecia, a vida e a força que haviam nela tinham de alguma forma se esvaído. O povo, que é cheio de superstições, relegou logo a autoria do assassinado ao coisa-ruim, o diabo, e desde esse dia aquela propriedade foi evitada.
Os fatos estranhos não param por ai, há indícios que comprovam o nascimento de uma criança, filha legitima de Diogo e sua esposa, mas que havia morrido no momento do nascimento de forma desconhecida, e da qual ninguém viu o corpo, nem mesmo o padre, que conferiu os sacramentos ao um caixão já fechado. Nas historias populares se conta que a criança havia nascido deformada, e dão a isso alguma relação com influencias malignas que pairavam sobre a casa. Após a perda da criança, a mulher do espanhol não sobrevivera muito tempo, tendo sua morte relegada à tristeza pela perda do filho, Marieta morreu em circunstancias tão enigmáticas quanto a criança, sendo o seu caixão fechado e seu corpo ocultado da mesma forma.
Com a morte da mulher Diogo ficou cada vez mais recluso, tendo também cessado de modo inesperado as constantes mortes de escravos. A partir desse ponto, há relatos da perda de sanidade sofrida por Diogo, e da degeneração de sua saúde em paralelo, o que finalmente culminou em sua morte no ano de 1706, por volta da idade de 47 anos. A noticia de sua morte chegou à vila pelo negro Caxambu, que levou à casa o padre e outros que cuidariam do funeral.
Mas ninguém estava preparado o horror que se seguiria, ao chegarem ao local, encontraram todos os escravos mortos e com as línguas cortadas, desenhos de sangue decoravam o interior da casa junto a objetos considerados apetrechos de bruxaria. O corpo de Diogo jazia no quarto e as causas da sua morte também não foram determinadas.
O motivo pelo qual a casa não foi queimada permanece um mistério, mas o diário de Diogo que chegou as minhas mãos elucidou muito das minhas duvidas, e me criou muitas outras. Foi no diário que encontrei uma indicação, codificada de maneira engenhosa, que falava de um local onde poderia encontrar os escritos completos que o espanhol deixara, e onde todos os segredos parecem realmente ser revelados.
Segundo o texto, o local se indicaria por uma marca da luz da lua, exatamente a meia noite do dia primeiro de maio. Há advertências sobre algum perigo, mas os códigos intrincados que Diogo usava não me deixaram entender por completo o que devo ou não temer, segundo as instruções, deve entrar a casa exatamente às onze horas e esperar que a marca apareça. Não entendo o porquê da exatidão do horário de entrada, mas resolvi cumprir todos os passos para garantir que encontrarei o material ao qual ele se refere como “corrente oculta”.
Sinto as paginas do velho diário de capa de couro, o tempo deixou marcas severas no livro, dou uma ultima olhada nas instruções antes de preparar a lanterna e a pequena picareta e pá para escavar o local indicado. O relógio já marca três pras onze. Após usar toda minha força pra empurrar a velha porta dupla, tenho o caminho aberto para escuridão intensa que me aguarda na sala secular. Com cuidado, coloco o pé direito no seu interior no exato momento em que ponteiro marca onze horas. Vamos o ver que me espera por trás de tantas historias de fantasma.